Por Miguel Reale Júnior [Artigo publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo deste sábado (2/5)]
Malgrado a falta costumeira de compostura do presidente Lula, ao dizer, no lançamento do Pacto Republicano, que ali ninguém era freira, causando a risada oficial dos fâmulos da plateia, o pacto entre os chefes dos três Poderes traz propostas importantes e audazes, a exigir tempo e entendimento.
Veja-se, por exemplo, o compromisso de continuar a reforma constitucional do Poder Judiciário, bem como o de estabelecer nova disciplina constitucional para medidas provisórias.
Há valiosa preocupação com o Estado de Direito, ao serem acordadas medidas legislativas com o objetivo de evitar lesão aos direitos fundamentais pela via da interceptação telefônica, do abuso de autoridade e do uso de algemas.
Dentre outros pontos acertados, destaco a revisão da legislação processual penal, com atenção à investigação criminal e à prisão processual, bem como a revisão da legislação sobre crime organizado e da Lei de Execução Penal.
Faz anos tramitam no Congresso projetos desse teor, de cuja elaboração participei. Proposta de modernização do processo penal no campo do inquérito policial e da prisão processual foi enviada ao Legislativo há 10 anos.
Presidi comissão que elaborou projeto de tipificação penal da figura do "crime organizado", definido como o fato de se associarem "três ou mais pessoas em grupo organizado, por meio de entidade ou não, de forma estruturada, com divisão de tarefas, valendo-se da violência, intimidação, corrupção ou fraude e de outros meios assemelhados para o fim de cometer crimes". Esse projeto foi enviado ao Congresso em 2000. Presidi também comissão que elaborou projeto de reformulação da Lei de Execução Penal, remetido ao Legislativo em 2001.
São projetos de iniciativa do Executivo, que dormem nos escaninhos do Congresso, a serem só agora agilizados. São relevantes, mas, aprovados, pouco irão expandir a prestação jurisdicional aos que dela mais precisam.
Faltou no pacto a efetiva interferência na realidade cotidiana, por meio de medidas de cunho social que garantam à população recorrer à Justiça e se aproximar dos partícipes de sua administração.
A única medida de intervenção positiva no dia a dia, para melhoria do acesso à Justiça pela massa da população, consistiu na declaração da necessidade do fortalecimento da Defensoria Pública e dos mecanismos destinados a garantir assistência jurídica integral aos mais necessitados.
Lamento não se ter a visão social de promover a ida da Justiça ao povo por via dos Centros de Integração da Cidadania (CICs), que levam à periferia da cidade o juiz, o promotor, o advogado, a Polícia, com espírito de conciliação e harmonia comunitária em face dos pequenos grandes problemas da população vulnerável.
Mas é em parte reconfortante a ênfase dada à assistência jurídica integral pelo fortalecimento da Defensoria Pública ou por meio de outros mecanismos, como a advocacia voluntária.
A Defensoria Pública é altamente deficitária em todo o país, apesar de reconhecer a Constituição ser ela essencial à consecução da Justiça. Em São Paulo só recentemente foi criada e conta apenas com 400 defensores. Mesmo assim, em 2008, a Defensoria atendeu 850 mil pessoas, participou de 180 mil audiências, atuou em 50 mil ações cíveis e impetrou 14 mil Habeas Corpus, concedidos em sua maioria.
Há, no entanto, tarefas de que essa pequena estrutura não pode dar conta, em exercício advocatício alheio ao objeto do convênio com a Ordem dos Advogados, pelo qual prestam serviço remunerado 47 mil advogados. São exemplos a ampliação da orientação jurídica preventiva, nos mais diversos campos, para dar tranquilidade às pessoas necessitadas; a assessoria às vítimas de violência sexual ou doméstica; a assistência aos condenados.
O defensor público é um vocacionado, mas a área fazendária do governo prefere pagar aos advogados conveniados a aumentar o quadro de defensores, pensando em não ter servidores permanentes nem o ônus da aposentadoria no futuro. A visão orçamentária prevalece sobre a compreensão social.
No entanto, agora, os chefes dos Três Poderes declaram ser imprescindível fortalecer a Defensoria Pública, para garantir a assistência jurídica integral à população pobre. Espero que os governantes estaduais, cuja maioria tem comprometimento com as causas sociais, façam ter efetividade o fortalecimento proposto, em oposição aos argumentos das autoridades fazendárias.
O pacto também menciona outros mecanismos de assistência jurídica. Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução 62, criando nos tribunais procedimento de cadastramento de advogados interessados em prestar assistência jurídica gratuita, especialmente voltada para atender os milhares de presos. É uma valiosa iniciativa do CNJ, ao incentivar a advocacia pro bono, que sempre, ao largo da história, dignificou a classe dos advogados.
Por outro lado, há na maioria dos Estados, mas especialmente em São Paulo, a atuação do Instituto Pro Bono, com o fim de assessorar entidades assistenciais sem fins lucrativos em seus problemas organizacionais, trabalhistas, comerciais, fiscais, bem como na assistência às mulheres vítimas de violência sexual. O Instituto Por Bono, no ano passado, contou com a colaboração de 386 advogados e atendeu 44 entidades assistenciais.
Os advogados voluntários desejam fazer da sua profissão um serviço social para, com seu saber e sua dedicação, realizar, no seu trabalho, com suas mãos, um ato de solidariedade em socorro do necessitado ou da entidade assistencial carentes de auxílio jurídico.
O fortalecimento da Defensoria Pública deve ser acompanhado da assunção cada vez maior de responsabilidade social pelos advogados que podem doar seu esforço em prol da população vulnerável. Assim, começa-se a mudar a realidade.
Malgrado a falta costumeira de compostura do presidente Lula, ao dizer, no lançamento do Pacto Republicano, que ali ninguém era freira, causando a risada oficial dos fâmulos da plateia, o pacto entre os chefes dos três Poderes traz propostas importantes e audazes, a exigir tempo e entendimento.
Veja-se, por exemplo, o compromisso de continuar a reforma constitucional do Poder Judiciário, bem como o de estabelecer nova disciplina constitucional para medidas provisórias.
Há valiosa preocupação com o Estado de Direito, ao serem acordadas medidas legislativas com o objetivo de evitar lesão aos direitos fundamentais pela via da interceptação telefônica, do abuso de autoridade e do uso de algemas.
Dentre outros pontos acertados, destaco a revisão da legislação processual penal, com atenção à investigação criminal e à prisão processual, bem como a revisão da legislação sobre crime organizado e da Lei de Execução Penal.
Faz anos tramitam no Congresso projetos desse teor, de cuja elaboração participei. Proposta de modernização do processo penal no campo do inquérito policial e da prisão processual foi enviada ao Legislativo há 10 anos.
Presidi comissão que elaborou projeto de tipificação penal da figura do "crime organizado", definido como o fato de se associarem "três ou mais pessoas em grupo organizado, por meio de entidade ou não, de forma estruturada, com divisão de tarefas, valendo-se da violência, intimidação, corrupção ou fraude e de outros meios assemelhados para o fim de cometer crimes". Esse projeto foi enviado ao Congresso em 2000. Presidi também comissão que elaborou projeto de reformulação da Lei de Execução Penal, remetido ao Legislativo em 2001.
São projetos de iniciativa do Executivo, que dormem nos escaninhos do Congresso, a serem só agora agilizados. São relevantes, mas, aprovados, pouco irão expandir a prestação jurisdicional aos que dela mais precisam.
Faltou no pacto a efetiva interferência na realidade cotidiana, por meio de medidas de cunho social que garantam à população recorrer à Justiça e se aproximar dos partícipes de sua administração.
A única medida de intervenção positiva no dia a dia, para melhoria do acesso à Justiça pela massa da população, consistiu na declaração da necessidade do fortalecimento da Defensoria Pública e dos mecanismos destinados a garantir assistência jurídica integral aos mais necessitados.
Lamento não se ter a visão social de promover a ida da Justiça ao povo por via dos Centros de Integração da Cidadania (CICs), que levam à periferia da cidade o juiz, o promotor, o advogado, a Polícia, com espírito de conciliação e harmonia comunitária em face dos pequenos grandes problemas da população vulnerável.
Mas é em parte reconfortante a ênfase dada à assistência jurídica integral pelo fortalecimento da Defensoria Pública ou por meio de outros mecanismos, como a advocacia voluntária.
A Defensoria Pública é altamente deficitária em todo o país, apesar de reconhecer a Constituição ser ela essencial à consecução da Justiça. Em São Paulo só recentemente foi criada e conta apenas com 400 defensores. Mesmo assim, em 2008, a Defensoria atendeu 850 mil pessoas, participou de 180 mil audiências, atuou em 50 mil ações cíveis e impetrou 14 mil Habeas Corpus, concedidos em sua maioria.
Há, no entanto, tarefas de que essa pequena estrutura não pode dar conta, em exercício advocatício alheio ao objeto do convênio com a Ordem dos Advogados, pelo qual prestam serviço remunerado 47 mil advogados. São exemplos a ampliação da orientação jurídica preventiva, nos mais diversos campos, para dar tranquilidade às pessoas necessitadas; a assessoria às vítimas de violência sexual ou doméstica; a assistência aos condenados.
O defensor público é um vocacionado, mas a área fazendária do governo prefere pagar aos advogados conveniados a aumentar o quadro de defensores, pensando em não ter servidores permanentes nem o ônus da aposentadoria no futuro. A visão orçamentária prevalece sobre a compreensão social.
No entanto, agora, os chefes dos Três Poderes declaram ser imprescindível fortalecer a Defensoria Pública, para garantir a assistência jurídica integral à população pobre. Espero que os governantes estaduais, cuja maioria tem comprometimento com as causas sociais, façam ter efetividade o fortalecimento proposto, em oposição aos argumentos das autoridades fazendárias.
O pacto também menciona outros mecanismos de assistência jurídica. Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução 62, criando nos tribunais procedimento de cadastramento de advogados interessados em prestar assistência jurídica gratuita, especialmente voltada para atender os milhares de presos. É uma valiosa iniciativa do CNJ, ao incentivar a advocacia pro bono, que sempre, ao largo da história, dignificou a classe dos advogados.
Por outro lado, há na maioria dos Estados, mas especialmente em São Paulo, a atuação do Instituto Pro Bono, com o fim de assessorar entidades assistenciais sem fins lucrativos em seus problemas organizacionais, trabalhistas, comerciais, fiscais, bem como na assistência às mulheres vítimas de violência sexual. O Instituto Por Bono, no ano passado, contou com a colaboração de 386 advogados e atendeu 44 entidades assistenciais.
Os advogados voluntários desejam fazer da sua profissão um serviço social para, com seu saber e sua dedicação, realizar, no seu trabalho, com suas mãos, um ato de solidariedade em socorro do necessitado ou da entidade assistencial carentes de auxílio jurídico.
O fortalecimento da Defensoria Pública deve ser acompanhado da assunção cada vez maior de responsabilidade social pelos advogados que podem doar seu esforço em prol da população vulnerável. Assim, começa-se a mudar a realidade.
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