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A PEC dos Precatórios

Fernando Albino

O montante do precatório deve ser imediatamente incluído no próximo orçamento anual do Estado para ser pago a vista

O Senado Federal já aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 12/06, que estabelece novas regras para o pagamento dos precatórios, e que agora espera a votação da Câmara de Deputados.

O projeto prevê o pagamento preferencial dos chamados precatórios alimentares (decorrentes de prestações de serviços) e cria um mercado secundário para os demais, com os deságios que os compradores (entre eles, o Estado) estiverem dispostos a pagar.

As novas regras têm provocado acesos debates. De um lado, estão os que entendem que as disposições regularão de uma vez por todas os pagamentos dos precatórios trazendo segurança jurídica para as relações entre os credores e as administrações públicas e forçando-as ao estrito cumprimento dos esquemas de pagamento. De outro lado, encontram-se os que defendem que as alterações apenas oficializam um grande calote por parte do Estado (em seus três níveis de governo, União, estados e municípios), que ganhará ainda mais tempo para pagar o que é devido e que já deveria há muito ter sido pago.

Esse confronto de opiniões sobre o projeto esconde um dilema: o de que o direito não altera a realidade; nem sempre o que é "justo" (categoria da ética) vem a ser "factível" economicamente (categoria do mundo real).

A norma jurídica, para existir, deve ter como atributos indispensáveis a validade e a eficácia. Uma norma será válida se tiver sido editada por entidade competente através dos procedimentos previstos para a sua edição. Uma norma será eficaz se tiver condição mínima para alcançar a sua finalidade. Além de válida e eficaz, a norma deve ser efetiva.

De nada adianta uma norma válida que preveja a prisão de quem comete homicídio, eficaz na sua intenção (a de afastar o criminoso do convívio social), se a polícia não executar efetivamente a prisão.

O direito prevê o que deve ser a realidade, mas, para nela intervir, é preciso que seja efetivo, o que depende de condições estruturais e circunstanciais.

O precatório configura um título líquido e certo representativo de uma dívida do Estado a favor de um particular, seu credor.

A emissão do precatório só acontece depois que a demanda terminou, tanto em seu mérito, com a condenação do Estado, quanto em relação ao valor, sendo, assim, sempre indiscutível juridicamente.

Portanto, diz o Direito que o montante do precatório deve ser imediatamente incluído no próximo orçamento anual do Estado para ser pago a vista, em dinheiro.

A sentença judicial transitada em julgado, irrecorrível, guarda as mesmas características de uma norma jurídica, contendo também um comando com os atributos de validade e eficácia. Entretanto, para ser efetiva, deve ser cumprida.

No caso, o Estado deve ter recursos para pagar nas condições em que foi condenado. A realidade mostra que o Estado não tem essas condições, o que faz a sentença não ter o atributo da efetividade.

Normalmente condena-se o Estado por ter deixado de cumprir as suas obrigações, como se ele as pudesse cumprir, só não o fazendo por razões de absoluto despudor. Não é bem assim. O Estado pura e simplesmente não tem condições de pagar a vista o que deve com os precatórios. Convém, sem paixões, analisar a história da maioria dos precatórios.

Nos dias atuais, a situação se alterou bastante para melhor, mas, no passado, o Estado nem sempre foi defendido como deveria.

Portanto, muitas das suas derrotas judiciais foram decorrentes da impossibilidade de, a tempo e a hora, ter exposto as suas razões da forma a mais eficiente (bons peritos, boa produção de provas etc.)

Por outro lado, o Brasil foi submetido durante longos e penosos anos a uma inflação galopante o que provocou um acréscimo de valor às condenações que não guarda qualquer relação com a realidade atual dos preços.

Por fim, a irresponsabilidade de muitos governantes levou o Estado a assumir compromissos impagáveis (e muitas vezes desnecessários), não só na época, como agora.

Vejamos, a título de exemplo, a desapropriação de um terreno em um bairro de classe média de alguma capital brasileira efetuada dez anos atrás para a passagem de uma via pública, que pode ilustrar bem o que estamos tentando dizer.

A eventual diferença de preço entre o montante então depositado e aquele considerado pelo juízo como justo no processo judicial pode suplantar de muito o valor atual do terreno pela mera aplicação (nesse caso teórica) dos índices de correção monetária, mesmo computada a valorização provocada pela própria via pública.

Pode-se dizer que essa diferença decorre do inadimplemento do Estado, que não pagou quando devia, o que está correto juridicamente.

Todavia, pagar ao particular um valor muito superior ao atual pela simples aplicação de índices de correção da moeda constitui um enriquecimento sem causa deste, o que também é "injusto" contra o Estado.

Não são poucas as histórias de pessoas que se enriquecem com o recebimento de indenizações milionárias, cujos valores, ainda que teoricamente "justos", são indefensáveis economicamente.

A Proposta de Emenda à Constituição nº 12/06 faz uma exceção aos precatórios alimentares que decorrem de condenações do Estado por diferenças de remuneração por serviços prestados.

Nesses casos, evidentemente, o pagamento deve ser privilegiado, não só por serem pequenos os valores, como pela sua origem.

Em resumo, apesar de "injustas" pelos critérios meramente jurídicos, as soluções da PEC 12/06 são as economicamente "possíveis". O seu exemplo mostra bem o dilema entre o ideal (o mundo do dever ser) e o possível (o mundo do ser).

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