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Poder investigatório do MP: Polêmica e bastidores

Blog do Fred Vasconcelos


Reportagem publicada na Folha neste domingo (acesso a assinantes do jornal e do UOL) trata da polêmica sobre o poder do Ministério Público para realizar investigações criminais. O choque de interesses veio à tona na Câmara Federal com a tramitação do projeto de lei 4.209/2001, de autoria do Executivo, e com o desencontro de opiniões sobre propostas de mudança no Código de Processo Penal.


O tema esquentou quando a ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) criticou substitutivo do deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), delegado licenciado da Polícia Federal, que vedava as investigações pelo MP. As críticas surtiram efeito: Itagiba apresentou novo substitutivo que --na leitura do MPF-- não retira a possibilidade de o órgão investigar e denunciar sem inquérito policial.


Em síntese, o MPF defende duas posições básicas: 1) O poder de investigação não é monopólio da polícia e de nenhuma instituição oficial específica: o Banco Central, a Receita Federal, a Comissão de Valores Mobiliários e o Poder Legislativo (por meio de comissões parlamentares de inquérito), por exemplo, também investigam; 2) O Código de Processo Penal, de 1941, prevê que o Ministério Público não precisa de inquérito policial para denunciar, como lembra, na reportagem, Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, procuradora-chefe da Procuradoria Regional da República em São Paulo.


Em sentido oposto, alega-se que a investigação pelo Ministério Público fere a Constituição. "O Ministério Público exerce o controle externo da polícia e pode solicitar diligências, mas quando faz investigações usurpa atribuição exclusiva da polícia, prevista na Constituição", entende o criminalista Tales Castelo Branco.


Em seu blog, o ex-ministro José Dirceu também argumenta citando a Constituição: "A policia judiciária da União é a Policia Federal (PF) e a dos Estados é a Polícia Civil. Mas, aos poucos, tanto o MP quanto as polícias militares foram usurpando as atribuições constitucionais dessas duas polícias. O primeiro, na prática, passou a investigar, e a segunda criou um tal de 'termo circunstanciado de ocorrência' para as (ocorrências) de baixa intensidade, substituindo a autoridade policial civil".


Dirceu entende que "o Executivo deveria esperar a decisão do Supremo Tribunal Federal, a quem cabe dirimir o conflito constitucional já estabelecido e não fazer mais uma lei, que sem nenhuma dúvida será, também, contestada na Corte Suprema".


A polêmica no Legislativo teve lances curiosos. Em ofício enviado ao presidente da Câmara Federal, Arlindo Chinaglia (PT-SP), o presidente da ANPR, Antonio Carlos Alpino Bigonha, manifestou "indignação" e "perplexidade" com as discussões travadas no grupo de trabalho criado por Chinaglia, colegiado cuja composição é "fortemente marcada por parlamentares oriundos das carreiras policiais". Bigonha queixou-se de pronunciamento de Itagiba, "no sentido de que as lideranças associativas do MP estariam a faltar com a verdade", diante dos compromissos assumidos no grupo.


Os membros do MPF, que participavam apenas como "ouvintes" naquele colegiado, sem direito a voz ou voto, temiam propostas que traduzissem principalmente os interesse da corporação policial.


Na última quinta-feira, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes, condenou "investigações secretas" que seriam feitas pelo MP. Na reportagem da Folha, a procuradora Frischeisen nega que o MPF realize investigações secretas. "Todas as investigações são regulamentadas. Quando sigilosa, é realizada na forma da lei." Ela diz que o MP cumpre resoluções emitidas pelo Conselho Nacional do Ministério Público e pelo Conselho Superior do Ministério Público Federal.


Gilmar Mendes anunciou que a questão da investigação pelo MP deverá ser definida pelo Supremo até o final deste ano. A decisão ocorrerá no julgamento de habeas corpus da defesa de Sérgio Gomes da Silva, acusado de ser o mandante do assassinato de Celso Daniel, prefeito de Santo André. Um dos argumentos da defesa foi o de que a denúncia foi feita com base em investigações do MP- o inquérito da polícia concluiu que Silva não estava envolvido no crime. O plenário do STF iniciou o julgamento em 2006, mas a sessão foi interrompida com um pedido de vista do Ministro Cezar Peluso.


A procuradora Frischeisen diz que a expectativa do MPF é otimista em relação ao que o Supremo deverá definir. Ela cita recente decisão do STF, ao julgar, em outubro último, um recurso extraordinário (*). Ao tratar dos poderes investigatórios do Ministério Público Federal, a 2a. Turma do STF, tendo como relatora a ministra Ellen Gracie, assim decidiu, por unanimidade:
"A denúncia pode ser fundamentada em peças de informação obtidas pelo órgão do MPF sem a necessidade do prévio inquérito policial, como já previa o Código de Processo Penal. Não há óbice a que o Ministério Público requisite esclarecimentos ou diligencie diretamente a obtenção da prova de modo a formar seu convencimento a respeito de determinado fato, aperfeiçoando a persecução penal, mormente em casos graves como o presente que envolvem altas somas em dinheiro movimentadas em contas bancárias".

(*) Recurso Extraordinário 535478

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