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Prova penal não pode ficar em segredo

Por Priscyla Costa
A prova penal, presente nos autos, não pertence a ninguém, mas integra o processo ou inquérito como acervo plenamente acessível a todos que sofram ato de persecução penal por parte do Estado, inclusive quando o inquérito ou processo é sigiloso. O sigilo, aliás, é exceção no Estado Democrático de Direito porque a Constituição Federal não admite o oculto, o segredo e o mistério.

Foi com esse entendimento que o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, aceitou converter em Súmula Vinculante a proposta da OAB que deixa claro o direito dos advogados e da Defensoria Pública a terem acesso a provas documentadas levantadas em inquéritos policiais, mesmo que ainda em andamento.

O enunciado aprovado no dia 2 de fevereiro, por oito votos a dois, é o seguinte: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo e irrestrito aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório, realizado por órgão de competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.

A redação final resultou da união de pelo menos três propostas diferentes apresentadas pelos ministros, além da que foi levada pelo Conselho Federal da OAB, e das sugestões da Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp) e do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD).

A vitória dos advogados se deu na primeira proposta de súmula vinculante feita por provocação (PSV 1), apresentada em setembro do ano passado pela OAB. A possibilidade foi aberta pela Emenda Constitucional 45/04, que permitiu a autoridades do Executivo, dos tribunais e de entidades de representatividade nacional provocar o Supremo a discutir a edição de súmulas vinculantes. Com os enunciados, o Judiciário e a administração pública devem seguir o entendimento dos ministros.

Na decisão, Celso de Mello afirmou que o processo penal, ao contrário do que afirmam os “executores do arbítrio, do abuso de poder e dos excessos funcionais”, é um “instrumento de salvaguarda das liberdades individuais”, por isso que se “impõe às autoridades públicas o dever de respeitar, de observar e de não transgredir limitações que o ordenamento normativo faz incidir sobre o poder do Estado”.

“É por tal razão que se impõe assegurar, aos investigados e aos réus em geral, o acesso a toda informação já produzida e formalmente incorporada aos autos da persecução penal, mesmo porque o conhecimento do acervo probatório pode revestir-se de particular relevo para a própria defesa de qualquer deles”, afirmou o ministro.

De acordo com Celso de Mello, a Constituição Federal não impede o réu ou o indiciado de ter pleno acesso aos dados probatórios, já documentados nos autos, por não admitir o segredo e o oculto. “É preciso não perder de perspectiva que a Constituição da República não privilegia o sigilo, nem permite que este se transforme em ‘praxis’ governamental, sob pena de grave ofensa ao princípio democrático, pois não há, nos modelos políticos que consagram a democracia, espaço possível reservado ao mistério”, considerou o ministro.

“Tenho por inquestionável, por isso mesmo, que a exigência de publicidade dos atos que se formam no âmbito do aparelho de Estado traduz conseqüência que resulta de um princípio essencial, a que a nova ordem jurídico-constitucional vigente em nosso país não permaneceu indiferente, revestindo-se de excepcionalidade, por isso mesmo, a instauração do regime de sigilo nos procedimentos penais, consideradas, para tanto, razões legítimas de interesse público, cuja verificação, no entanto, não tem o condão de suprimir ou de comprometer a eficácia de direitos e garantias fundamentais que assistem a qualquer pessoa sob investigação ou persecução penal do Estado, independentemente da natureza e da gravidade do delito supostamente praticado”, ressaltou Celso de Mello.

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