Geisa de Assis Rodrigues
O compromisso de ajustamento de conduta é uma solução extrajudicial de conflito que tem sido muito utilizada na proteção do meio ambiente no direito brasileiro, tendo sua previsão genérica no parágrafo 6º do artigo 5º da lei 7347/85, na redação do CDC. Apesar de passados quase dezenove anos da norma que concebeu o compromisso de ajustamento, temos ainda muito que refletir sobre toda a potencialidade do instituto.
Como é cediço, a responsabilidade por danos ao meio ambiente dispensa o elemento culpa, e, em alguns casos admite-se até reparação em virtude da ameaça do dano, ou até mesmo diante da mera incerteza da ausência de risco de danos. Tanto o princípio da precaução quanto o princípio do poluidor pagador permitem essa compreensão mais ampla da responsabilidade antes mesmo da configuração efetiva da lesão. Portanto, quem causa dano ao meio ambiente pode estar realizando atividade lícita, pode ter mantido involuntariamente uma situação que não deu causa, pode não ter consciência da capacidade lesiva de sua conduta, pode ter sua conduta requalificada em virtude do progresso científico que identifica riscos ao meio ambiente anteriormente não vislumbrados, e, apesar disso tudo, ter que reparar o meio ambiente degradado.
Tudo porque o ordenamento jurídico percebeu que existe um valor superior na proteção ao ambiente, essencialmente ligado à própria sobrevivência digna do homem, da presente e das futuras gerações. O princípio da dignidade da pessoa humana também tem essa importante implicação normativa pois enseja a própria existência da tutela ambiental.
Ora, se é assim, devemos privilegiar um instrumento que permita o diálogo com quem seja responsável pela reparação ao meio ambiente, que, em muitas hipóteses está naquela situação de forma não intencional. Um instrumento que permita construir uma recuperação do passado, do passivo ambiental sem qualificar de forma negativa quem contribuiu para este débito, que permita que o interessado a ajustar sua conduta às exigências legais possa ser ouvido na construção da forma mais adequada de reparação do meio ambiente que lhe seja menos gravosa.
A ênfase na solução negociada é também uma característica da sociedade contemporânea, que, sempre que possível a convergência de vontades, estimula a adoção de métodos de solução de conflitos não adversariais. O ajuste de conduta é altamente compatível com os desafios que a incidência da norma material de direito ambiental suscita, uma vez que , não é incomum que a lei não defina todas as prestações que devem ser atendidas para a proteção da regra ambiental. O compromisso de ajustamento de conduta permite que a realidade dos fatos possa ser considerada no momento de conflito quanto à aplicação da norma abstratamente considerada.
Ao revés, essa margem de negociação se dá tendo como objeto direitos indisponíveis de toda a sociedade. Para que o compromisso não se revele uma verdadeira denegação de acesso à justiça ambiental, chancelando práticas lesivas ao meio ambiente , é fundamental que o Ministério Público reflita sobre o seu papel na prática do instituto.
A legitimidade ativa para celebração do compromisso de ajustamento de conduta é sempre de um órgão público. Vale registrar que o compromisso de ajustamento de conduta é um instituto típico de responsabilidade civil, ou seja, não impede a incidência das sanções administrativas e penais que eventualmente o ato reclame. Assim, todo os órgãos públicos que celebram o ajuste devem ter como compromisso inarredável a reparação integral do dano ambiental na esfera cível, todavia, é o Ministério Público que tem mais se valido do instituto, até porque o mesmo se configura em uma alternativa à ação civil pública, cujo manejo é ainda de predominância desta instituição.
A atuação do Parquet na tutela judicial dos direitos transindividuais representa um grande avanço em relação à tradicional timidez do Ministério Público na esfera cível. Mas o que vem importando numa silenciosa revolução no modo de agir do Ministério Público é o novel rol de funções realizadas fora do âmbito judicial, a maioria delas na condução do inquérito civil. Não que a Instituição não exercesse tradicionalmente algumas atividades extrajudiciais como, nas curadorias de fundações, ou até mesmo no atendimento individual. Ocorre que hoje as atividades extrajudiciais têm um caráter mais amplo, abrindo ao Ministério Público, na interessante expressão do professor Caio Tácito, a importante função da "Magistratura de persuasão".
Por isso, é imprescindível que estimulemos a criação de uma verdadeira cultura da negociação no Ministério Público, porque o ajuste encerra um enorme desafio que é chegar ao sim sem fazer concessões. Em verdade, trata-se de uma negociação de um direito indisponível, que não lhe pertence. Precisamos, mais do que nunca, de um Ministério Público social, guardião da lei que supere as bitolas do maniqueísmo, e saiba contribuir para a mitigação dos dramas da sociedade contemporânea.
Assim, sempre que possível deve-se em todo o inquérito civil reservar um momento para se ouvir o responsável pela conduta lesiva ao meio ambiente, para se avaliar a possibilidade da conciliação. Tal procedimento investigatório não se desenvolve sob o influxo do princípio do contraditório, mas é medida extremamente salutar que haja um momento para se ouvir a versão do réu, bem como se identificar o seu interesse na adequação de sua conduta.
Para que uma negociação seja bem sucedida é fundamental que o membro do Ministério Público tenha o domínio de informações básicas para elaborar sua proposta, principalmente, a extensão do dano e as medidas mais importantes para a sua reparação, porque só assim, terá como liderar a negociação. O apoio técnico para a atuação do Ministério Público é importantíssimo porque permitirá uma maior eficácia no resultado do ajustado.
Desde 2005 a Associação Brasileira do Ministério Público para o Meio ambiente (ABRAMPA) tem divulgado uma série de orientações que merecem ser levadas em conta na celebração do ajuste (podem ser encontradas no site http://www.abrampa.org.br/) Giram basicamente em torno de alguns aspectos formais e de outros aspectos de conteúdo.
Quanto aos primeiros tem-se a preocupação de obter um título executivo extrajudicial líquido e certo, para tanto se deve tomar todo o cuidado para que se possa identificar quem é o obrigado, com sua qualificação jurídica adequada , principalmente quando se trata de pessoa jurídica, quais são as obrigações assumidas, estabelecidas de forma clara e objetiva, e como serão realizadas, e no caso de obrigações complexas os estudos e projetos devem integrar expressamente o TAC. O ajuste deve ser celebrado em uma investigação formal, deve ser devidamente motivado, e a ele dado ampla publicidade, especialmente àquele que representou ao MP e à sociedade em geral inclusive na internet.
Para que o ajuste seja adequado suas cláusulas devem ensejar, sempre que possível, a reparação plena do direito lesado, ou seja deve conter as medidas previstas na lei. Na impossibilidade da reparação integral pode se adotar medidas subrogatórias que ensejem o mesmo resultado prático para o meio ambiente. Não havendo medida similar que resulte em mesmo resultado podem-se adotar medidas compensatórias, desde que se tratem de compensação ecológica, em último caso, as obrigações de ressarcimento podem ser previstas. O compromisso pode prever medidas de reparação integral, e outras compensatórias e de ressarcimento, o que não pode ocorre, jamais, é, em sendo possível a reparação, se optar por outra medida de forma exclusiva, que não tenha nenhuma repercussão efetiva para o meio ambiente degradado como distribuição de cestas básicas, de cartilhas, realização de seminários, entrega de equipamentos para os entes públicos etc. Deve-se ter expressa previsão de prazos, que sejam os mais breves possíveis, e de medidas coercitivas, para se assegurar a maior eficácia do ajuste. Se houver qualquer tipo de destinação de dinheiro, não vinculado a um projeto de recuperação ambiental específico, deve o mesmo ser revertido para os fundos de bens lesados, sendo totalmente inapropriado a destinação de recursos para Fundos geridos pelo próprio Ministério Público.
A celebração do compromisso de ajustamento de conduta tem uma enorme potencialidade de ensejar uma tutela mais expedita, econômica e adequada aos conflitos que envolvem a prevenção e a reparação de danos causados ao meio ambiente. Todavia, ainda viceja uma certa insegurança quanto à celebração do ajuste entre aqueles que se preocupam com a proteção de nossas recursos naturais. Com efeito, o risco da indevida transação no ajuste é bem presente, a ausência de regras claras na maior parte nos órgãos públicos legitimados não contribui para a construção de uma cultura da "negociação sem concessões", fundamental para o sucesso do ajuste, e até mesmo, uma certa ausência de publicidade dos ajustes frustra o ideal de participação dos demais interessados na tutela do meio ambiente no controle dessa importante forma de solução extrajudicial de conflitos. Esses e outros problemas devem ser enfrentados com coragem e serenidade para que superemos o desafio de dar concretude a uma norma que, se bem aplicada, pode complementar, de forma bastante positiva, o sistema brasileiro de proteção jurídica ao meio ambiente. Não é exagerado afirmar que a todo momento não podemos olvidar que de nosso talento empreendedor depende a manutenção da vida como hoje a conhecemos, e o bom uso do ajustamento de conduta será um importante legado para as futuras gerações, pelo que pode representar em garantia de qualidade de vida para todos os seres vivos e o meio ambiente que os circunda.
O compromisso de ajustamento de conduta é uma solução extrajudicial de conflito que tem sido muito utilizada na proteção do meio ambiente no direito brasileiro, tendo sua previsão genérica no parágrafo 6º do artigo 5º da lei 7347/85, na redação do CDC. Apesar de passados quase dezenove anos da norma que concebeu o compromisso de ajustamento, temos ainda muito que refletir sobre toda a potencialidade do instituto.
Como é cediço, a responsabilidade por danos ao meio ambiente dispensa o elemento culpa, e, em alguns casos admite-se até reparação em virtude da ameaça do dano, ou até mesmo diante da mera incerteza da ausência de risco de danos. Tanto o princípio da precaução quanto o princípio do poluidor pagador permitem essa compreensão mais ampla da responsabilidade antes mesmo da configuração efetiva da lesão. Portanto, quem causa dano ao meio ambiente pode estar realizando atividade lícita, pode ter mantido involuntariamente uma situação que não deu causa, pode não ter consciência da capacidade lesiva de sua conduta, pode ter sua conduta requalificada em virtude do progresso científico que identifica riscos ao meio ambiente anteriormente não vislumbrados, e, apesar disso tudo, ter que reparar o meio ambiente degradado.
Tudo porque o ordenamento jurídico percebeu que existe um valor superior na proteção ao ambiente, essencialmente ligado à própria sobrevivência digna do homem, da presente e das futuras gerações. O princípio da dignidade da pessoa humana também tem essa importante implicação normativa pois enseja a própria existência da tutela ambiental.
Ora, se é assim, devemos privilegiar um instrumento que permita o diálogo com quem seja responsável pela reparação ao meio ambiente, que, em muitas hipóteses está naquela situação de forma não intencional. Um instrumento que permita construir uma recuperação do passado, do passivo ambiental sem qualificar de forma negativa quem contribuiu para este débito, que permita que o interessado a ajustar sua conduta às exigências legais possa ser ouvido na construção da forma mais adequada de reparação do meio ambiente que lhe seja menos gravosa.
A ênfase na solução negociada é também uma característica da sociedade contemporânea, que, sempre que possível a convergência de vontades, estimula a adoção de métodos de solução de conflitos não adversariais. O ajuste de conduta é altamente compatível com os desafios que a incidência da norma material de direito ambiental suscita, uma vez que , não é incomum que a lei não defina todas as prestações que devem ser atendidas para a proteção da regra ambiental. O compromisso de ajustamento de conduta permite que a realidade dos fatos possa ser considerada no momento de conflito quanto à aplicação da norma abstratamente considerada.
Ao revés, essa margem de negociação se dá tendo como objeto direitos indisponíveis de toda a sociedade. Para que o compromisso não se revele uma verdadeira denegação de acesso à justiça ambiental, chancelando práticas lesivas ao meio ambiente , é fundamental que o Ministério Público reflita sobre o seu papel na prática do instituto.
A legitimidade ativa para celebração do compromisso de ajustamento de conduta é sempre de um órgão público. Vale registrar que o compromisso de ajustamento de conduta é um instituto típico de responsabilidade civil, ou seja, não impede a incidência das sanções administrativas e penais que eventualmente o ato reclame. Assim, todo os órgãos públicos que celebram o ajuste devem ter como compromisso inarredável a reparação integral do dano ambiental na esfera cível, todavia, é o Ministério Público que tem mais se valido do instituto, até porque o mesmo se configura em uma alternativa à ação civil pública, cujo manejo é ainda de predominância desta instituição.
A atuação do Parquet na tutela judicial dos direitos transindividuais representa um grande avanço em relação à tradicional timidez do Ministério Público na esfera cível. Mas o que vem importando numa silenciosa revolução no modo de agir do Ministério Público é o novel rol de funções realizadas fora do âmbito judicial, a maioria delas na condução do inquérito civil. Não que a Instituição não exercesse tradicionalmente algumas atividades extrajudiciais como, nas curadorias de fundações, ou até mesmo no atendimento individual. Ocorre que hoje as atividades extrajudiciais têm um caráter mais amplo, abrindo ao Ministério Público, na interessante expressão do professor Caio Tácito, a importante função da "Magistratura de persuasão".
Por isso, é imprescindível que estimulemos a criação de uma verdadeira cultura da negociação no Ministério Público, porque o ajuste encerra um enorme desafio que é chegar ao sim sem fazer concessões. Em verdade, trata-se de uma negociação de um direito indisponível, que não lhe pertence. Precisamos, mais do que nunca, de um Ministério Público social, guardião da lei que supere as bitolas do maniqueísmo, e saiba contribuir para a mitigação dos dramas da sociedade contemporânea.
Assim, sempre que possível deve-se em todo o inquérito civil reservar um momento para se ouvir o responsável pela conduta lesiva ao meio ambiente, para se avaliar a possibilidade da conciliação. Tal procedimento investigatório não se desenvolve sob o influxo do princípio do contraditório, mas é medida extremamente salutar que haja um momento para se ouvir a versão do réu, bem como se identificar o seu interesse na adequação de sua conduta.
Para que uma negociação seja bem sucedida é fundamental que o membro do Ministério Público tenha o domínio de informações básicas para elaborar sua proposta, principalmente, a extensão do dano e as medidas mais importantes para a sua reparação, porque só assim, terá como liderar a negociação. O apoio técnico para a atuação do Ministério Público é importantíssimo porque permitirá uma maior eficácia no resultado do ajustado.
Desde 2005 a Associação Brasileira do Ministério Público para o Meio ambiente (ABRAMPA) tem divulgado uma série de orientações que merecem ser levadas em conta na celebração do ajuste (podem ser encontradas no site http://www.abrampa.org.br/) Giram basicamente em torno de alguns aspectos formais e de outros aspectos de conteúdo.
Quanto aos primeiros tem-se a preocupação de obter um título executivo extrajudicial líquido e certo, para tanto se deve tomar todo o cuidado para que se possa identificar quem é o obrigado, com sua qualificação jurídica adequada , principalmente quando se trata de pessoa jurídica, quais são as obrigações assumidas, estabelecidas de forma clara e objetiva, e como serão realizadas, e no caso de obrigações complexas os estudos e projetos devem integrar expressamente o TAC. O ajuste deve ser celebrado em uma investigação formal, deve ser devidamente motivado, e a ele dado ampla publicidade, especialmente àquele que representou ao MP e à sociedade em geral inclusive na internet.
Para que o ajuste seja adequado suas cláusulas devem ensejar, sempre que possível, a reparação plena do direito lesado, ou seja deve conter as medidas previstas na lei. Na impossibilidade da reparação integral pode se adotar medidas subrogatórias que ensejem o mesmo resultado prático para o meio ambiente. Não havendo medida similar que resulte em mesmo resultado podem-se adotar medidas compensatórias, desde que se tratem de compensação ecológica, em último caso, as obrigações de ressarcimento podem ser previstas. O compromisso pode prever medidas de reparação integral, e outras compensatórias e de ressarcimento, o que não pode ocorre, jamais, é, em sendo possível a reparação, se optar por outra medida de forma exclusiva, que não tenha nenhuma repercussão efetiva para o meio ambiente degradado como distribuição de cestas básicas, de cartilhas, realização de seminários, entrega de equipamentos para os entes públicos etc. Deve-se ter expressa previsão de prazos, que sejam os mais breves possíveis, e de medidas coercitivas, para se assegurar a maior eficácia do ajuste. Se houver qualquer tipo de destinação de dinheiro, não vinculado a um projeto de recuperação ambiental específico, deve o mesmo ser revertido para os fundos de bens lesados, sendo totalmente inapropriado a destinação de recursos para Fundos geridos pelo próprio Ministério Público.
A celebração do compromisso de ajustamento de conduta tem uma enorme potencialidade de ensejar uma tutela mais expedita, econômica e adequada aos conflitos que envolvem a prevenção e a reparação de danos causados ao meio ambiente. Todavia, ainda viceja uma certa insegurança quanto à celebração do ajuste entre aqueles que se preocupam com a proteção de nossas recursos naturais. Com efeito, o risco da indevida transação no ajuste é bem presente, a ausência de regras claras na maior parte nos órgãos públicos legitimados não contribui para a construção de uma cultura da "negociação sem concessões", fundamental para o sucesso do ajuste, e até mesmo, uma certa ausência de publicidade dos ajustes frustra o ideal de participação dos demais interessados na tutela do meio ambiente no controle dessa importante forma de solução extrajudicial de conflitos. Esses e outros problemas devem ser enfrentados com coragem e serenidade para que superemos o desafio de dar concretude a uma norma que, se bem aplicada, pode complementar, de forma bastante positiva, o sistema brasileiro de proteção jurídica ao meio ambiente. Não é exagerado afirmar que a todo momento não podemos olvidar que de nosso talento empreendedor depende a manutenção da vida como hoje a conhecemos, e o bom uso do ajustamento de conduta será um importante legado para as futuras gerações, pelo que pode representar em garantia de qualidade de vida para todos os seres vivos e o meio ambiente que os circunda.
* Procuradora Regional da República da 3ª Região. Mestre e Doutora em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professora licenciada da Universidade Federal da Bahia. Autora do livro Termo de Ajustamento de Conduta e Ação Civil Pública. Forense, 2006.
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