Pular para o conteúdo principal

O QUE É TAXA MÉDIA DE MERCADO?

Gerivaldo Alves Neiva *

Muitos juízes da Bahia, seguindo a orientação do STJ, estão adotando o que chamam de “taxa média de mercado” divulgada pelo Banco Central do Brasil nas Ações de Revisão de Contrato Bancário. A orientação foi tomada no XIV Encontro do Colégio de Magistrados dos Juizados Especiais do Estado da Bahia, nos seguintes termos: Enunciado nº 03 - É possível a revisão de juros cobrados com base na taxa média de mercado, divulgada pelo Banco Central.

Segundo informe do próprio Banco Central, “as taxas de juros representam a média do mercado e são calculadas a partir das taxas diárias das instituições financeiras ponderadas por suas respectivas concessões em cada data. São divulgadas sob o formato de taxas anuais e taxas mensais. As taxas médias mensais são obtidas pelo critério de capitalização das taxas diárias ajustadas para um período padrão de 21 dias úteis.” Advertindo ainda que “em geral, as instituições praticam taxas diferentes dentro de uma mesma modalidade de crédito. Assim, a taxa cobrada de um cliente pode diferir da taxa média. Diversos fatores como o prazo e o volume da operação, bem como as garantias oferecidas, explicam as diferenças entre as taxas de juros”.

Neste sentido, de acordo com a última planilha divulgada pelo Banco Central, em 27.05.2009, a taxa para contrato de financiamento de aquisição de veículo, em abril de 2009, para pessoa física, seria de 29,88% aa, ou seja, a grosso modo, esta taxa anual implicaria em uma taxa mensal 2,49% am.

Porém, segundo planilha divulgada também pelo Banco Central, para o caso de financiamento para aquisição de veículo, as taxas para o período de 29.05.2009 a 04.06.2009, praticadas por 48 instituições de crédito, constata-se que a menor taxa praticada foi de 1,27% am pelo Banco GMAC e a maior taxa foi de 6,969% am, praticada pelo Banco Azteca do Brasil.

Em breve análise, com base nas taxas praticadas pelos bancos mencionados, a variação entre a menor e a maior é de mais de 500%. Penso eu, portanto, em vista dessa absurda variação, que talvez não seja um bom parâmetro encontrar uma média entre números tão distantes. Além disso, fico a me perguntar qual a razão de um banco aplicar juros de 1,27% am (certamente obtendo lucro), enquanto outro banco aplica 6,96% am?

Pois bem, muitos defendem também que a Selic não é parâmetro para tais contratos de financiamento, mas é importante observar que o BC reduziu este indicador, na última reunião do Copom, em 10.06.09, para 9,25% aa. Observe-se que este índice é anual, mas a taxa de juros mais alta para financiamento de veículos, poucos dias antes, praticada pelo Banco Azteca do Brasil, foi de 6,96% am. Isto mesmo: ao mês!

Quem te viu quem te vê! Há poucos anos, quando a taxa Selic rondava as alturas (26,50% aa entre abril e junho/2003) e alguns juízes deferiam a revisão contratual com base na taxa de 12% aa, alguns tribunais entendiam pela aplicação da Selic como parâmetro correto para estipulação da taxa de juros. Agora, com a Selic em 9,25% aa, alguns tribunais, incluindo o STJ, adotam a “taxa média de mercado” para reformar as decisões que estabelecem juros em 12% aa, superior à própria Selic, que um dia já serviu de parâmetro para os mesmos tribunais.

É certo que o STJ já “pacificou” o entendimento de que a Selic não representa a “taxa média de mercado”, mas isto foi em 2003, no REsp 271.214, quando prevaleceu o voto do Ministro Carlos Alberto Direito, em que o eminente Ministro confessa a assessoria direta da Fundação Getúlio Vargas (“Em trabalho elaborado a meu pedido, os Professores Marcos de Barros Lisboa e Renato Fragelli, da Fundação Getúlio Vargas...”), vencendo os Ministros Ari Pargendler, Antônio de Pádua Ribeiro e Ruy Rosado de Aguiar.

Desde 2003, porém, a economia do país se estabilizou, muitas dúvidas na aplicação do Código Civil de 2002 já foram apreciadas pelos tribunais, o CDC se afirmou na doutrina e jurisprudência e é chegada a hora, portanto, de se promover uma análise profunda, com base nos fundamentos atuais da economia brasileira, daquele “antigo” acórdão elaborado com a assessoria da Fundação Getúlio Vargas. É importante lembrar, ainda, que há poucos dias o Brasil “emprestou” 10 bilhões de dólares ao FMI. Então, como se diz popularmente, o Brasil “está podendo”! Portanto, já que é assim, como diz a música – O sal da terra - de Beto Guedes e Ronaldo Bastos, “é só repartir melhor o pão”!

Por fim, depois de tantos números, percentuais e julgados, estou começando a pensar que tem muita gente boa enchendo a boca para falar em “taxa média de mercado”, mas nem sabe o que é isso.

O problema é que pensar cansa! Sendo assim, é melhor jogar a culpa no spread bancário. Ops! Mas o que é spread bancário? Algum banco já te prestou contas desse tal spread? Não? Então, vamos pensar mais um pouco sobre isso... mas em outra oportunidade!

Conceição do Coité, 17 de junho de 2009

* Juiz de Direito em Conceição do Coité – Ba.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os Farrapos dos olhos azuis

Cláudio Ribeiro - Demitri Túlio, do Jornal O Povo, de Fortaleza A íris clara, azulzíssima em muitos deles, é a digital do povo Farrapo. Também é da identidade a pele branca avermelhada, carimbada pelo sol forte que não cessa em Sobral. Isso mais entre os que vivem na zona rural. Gostam de exaltar o sobrenome. É forte. Farrapo não é apelido. Não são uma etnia, mas são tratados assim. São “da raça dos Farrapos”, como nos disse quem os indicou a procurá-los. Os Farrapos têm história a ser contada. Praticaram a endogamia por muito tempo. Casamentos em família, entre primos, mais gente do olho azul de céu que foi nascendo e esticando a linhagem. Sempre gostaram de negociar, trocar coisa velha. São um pouco reclusos. Vivem sob reminiscências de judaísmo. Há estudo disso, mas muito ainda a ser (re)descoberto. Os Farrapos são citados, por exemplo, no livro do padre João Mendes Lira, Presença dos Judeus em Sobral e Circunvizinhanças e a Dinamização da Economia Sobralense em Função do Capital Ju...

Erros judiciários: Caso Mignonette - Estado de necessidade

A 5 de Julho de 1884 naufragou o iate inglês La Mignonette. Depois de vários dias no mar, o imediato, que era o mais jovem de todos, foi morto pelos companheiros, que mais tarde alegaram estado de necessidade perante o júri. Sustentaram que não teriam sobrevivido caso não se utilizassem do cadáver para matar a fome. O júri deu um "veredicto especial", reconhecendo apenas a matéria de fato, mas deixando a questão jurídica para que a corte superior decidisse. Lord Coleridge, um dos juízes superiores, disse, entre outras considerações, o seguinte: Conservar a própria vida é, falando em geral, um dever: mas sacrificá-la pode ser o mais claro e alto dever. A necessidade moral impõe deveres dirigidos não à conservação mas ao sacrifício da sua vida pelos outros. Não é justo dizer que há uma incondicionada e ilimitada necessidade de conservar a própria vida. Necesse est ut eam, non ut viram (é necessário que eu caminhe, não que eu viva) disse Lord Bacon. Quem deve julgar o estado de ...

Astronomia: Milhares de cometas escuros podem colidir com a Terra

Da Lusa - Agência de Notícias de Portugal Londres, (Lusa) - Milhares de cometas que circulam no sistema solar podem ser um perigo para a Terra, por serem indetectáveis, o que dificulta a antecipação de um eventual impacto, alertaram quarta-feira vários astrónomos britânicos. São cerca de três mil os cometas que circulam no sistema solar e apenas 25 podem ser avistados a partir da Terra, lê-se no artigo da revista "New Scientist", assinado por Bill Napier, da Universidade de Cardiff, e por David Asher, astrónomo do Observatório da Irlanda do Norte. "Devemos alertar para o perigo invisível mas significativo que são os cometas escuros", dizem os astronómos, explicando que um cometa fica escuro quando perde a cola brilhante. Desprovido desta substância, "o trajecto de um cometa que esteja em rota de colisão com o planeta Terra pode passar despercebido ao telescópio", afirmam Napier e Asher. Nos últimos séculos, o cometa de que há registo de ter passado mais pr...