ACÓRDÃO No 593*
Rio Branco – AC
Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo.
Recorrente: Procuradoria Regional Eleitoral do Acre.
Recorrentes: Jorge Ney Viana Macedo Neves e outros.
Advogados: Drs. Gomercindo Clóvis Garcia Rodrigues, José Antônio Dias Toffoli e outros.
Recorrida: Coligação Movimento Democrático Acreano (PMDB/PSDB/PPB/PFL/PST).
Advogados: Drs. Ruy Alberto Duarte, Gastão de Bem e outros.
Direitos Eleitoral e Processual. Recurso ordinário. Registro de candidato. Impugnação. Art. 3o, LC no 64/90. Inelegibilidade. Abuso de poder. Via própria. Possibilidade de ajuizar-se ação de investigação judicial até a data da diplomação. Orientação da corte. Providos os recursos.
Não é próprio apurar-se a ocorrência de abuso em impugnação de registro de candidatura, uma vez que a Lei Complementar no 64/90 prevê, em seu art. 22, a ação de investigação judicial para esse fim, a qual, não estando sujeita a prazo decadencial, pode ser ajuizada até a data da diplomação do candidato.
Vistos, etc.,
Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por maioria, em conhecer dos recursos, vencido, em parte, o Ministro Fernando Neves, que entendia adequada a via eleita, e, por unanimidade, em dar provimento aos recursos, nos termos das notas taquigráficas, que ficam fazendo parte integrante desta decisão.
Sala de Sessões do Tribunal Superior Eleitoral.
Brasília, 3 de setembro de 2002.
Ministro NELSON JOBIM, presidente – Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO, relator.
Publicado em sessão, em 3.9.2002.
QUESTÃO DE FATO
O DOUTOR GASTÃO DE BEM (advogado): Senhor Presidente, uma questão de fato. Solicito adiamento, tendo em vista que o processo só veio ontem do TRE do Acre.
O SENHOR MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO (relator): Sou desfavorável à pretensão do ilustre advogado e já manifestei isso a S. Exa., por escrito inclusive, quando recebi o seu requerimento. A matéria estava posta em mesa, havia divulgação a esse respeito e há circunstâncias que justificam o julgamento do processo prioritariamente. Recebi hoje os autos, que estavam no Ministério Público, por solicitação minha, para que pudesse agilizar o julgamento.
Informo a V. Exa. que o caso em julgamento diz respeito a decisão do TRE do Acre e não ao comportamento desse Tribunal.
Indefiro o pedido.
EXPOSIÇÃO
O SENHOR MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO: A Procuradoria Regional Eleitoral do Acre (fls. 929-955), assim como Jorge Ney Viana Macedo Neves, Coligação Frente Popular do Acre (PT/PCdoB/PMN/PV/PL/PSDC/PTdoB) e o Partido dos Trabalhadores (PT) (fls. 958-991) interpuseram recursos especiais contra acórdão do Tribunal Regional Eleitoral do Acre que julgou procedente ação de impugnação de registro formulada pela Coligação Movimento Democrático Acreano (MDA) (PMDB, PSDB, PPB, PFL e PST), nestes termos (fls. 877-906):
“Pedido de registro de candidatura. Ação de impugnação de registro de candidato. Propaganda institucional ilícita. Governador candidato à reeleição. Uso de símbolo, cores e slogan. Preliminares de incompetência da Justiça Eleitoral em razão da matéria, inadequação do procedimento eleito, inépcia da inicial pedido juridicamente impossível e cerceamento de defesa rejeitadas. Promoção pessoal e abuso de poder político e de autoridade. Configuração. Declaração de inelegibilidade e indeferimento de registro.
1. A propaganda institucional do governo do estado é permitida pela Lei Maior e pela Constituição Estadual, mas rigorosamente delimitada, devendo ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridade ou servidores públicos (art. 37, § 1o da CF/88 e art. 27, § 1o da Constituição do Estado do Acre).
2. A utilização generalizada de símbolo, cores e slogan na propaganda governamental antes do pedido de registro de candidaturas e das convenções partidárias para escolha de candidatos, intensificada em ano eleitoral, diverso do Brasão oficial e não aprovados por lei ou decreto, constitui promoção pessoal de autoridade, para fins de inelegibilidade, a ser apurada pela Justiça Eleitoral, mormente se o chefe do Executivo for candidato à reeleição.
3. Fatos que, em seu conjunto, configuram prova robusta de abuso de poder político com potencialidade para influir no resultado das eleições, em detrimento do equilíbrio e da lisura do processo eleitoral.
4. Ação de impugnação de registro procedente para declarar a inelegibilidade do candidato para as eleições que se realizarem nos três anos seguintes ao pleito e, em conseqüência, negar-lhe registro”.
Opondo-se a esse entendimento, sustenta a Procuradoria Regional Eleitoral, primeira recorrente, que:
“Sem razão, contudo, os impugnantes, pela própria via estreita com que pretenderam fazer valer o seu direito, que, sinale-se, bem difere da investigação judicial eleitoral, que, ao contrário da ação de impugnação de registro de candidatura, permite ampla dilação probatória.
Ora, exatamente por esse motivo a respeitável decisão do egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Acre deve necessariamente ser reformada, ratificando-se aqui ser suficiente o acatamento da preliminar de inadequação da via eleita, suscitada pela defesa do impugnado, para afastar a pretensão da Coligação MDA, e bastar para a reforma da decisão do órgão jurisdicional a quo, sendo este o objeto do presente recurso ordinário.
(...)
De fato, corroborando aqui a tese esposada por este agente ministerial quando de suas anteriores intervenções nestes autos, em especial quando da apresentação de seu parecer oral em Plenário, o acatamento da preliminar de inadequação da via eleita para estancar a demanda proposta pela Coligação MDA se me parece imperativo, devendo o processo ser extinguido sem o julgamento de mérito.
Infelizmente isto não foi reconhecido pelo Pleno do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Acre, de maneira que só resta agora a esse colendo Tribunal reverter a decisão da instância ordinária.
(...)
Emerge de tudo o quanto exposto que não é viável a propositura de ação de impugnação ao pedido de registro de candidatura em face de alegada ocorrência de abuso de poder econômico e poder político”.
Por fim, requer:
“(...) a procedência do presente recurso ordinário para que seja reconhecida e acatada por esse colendo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a preliminar de inexistência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, consistente na inadequação da via eleita, extinguindo-se a presente ação de impugnação sem julgamento do mérito, forte no que dispõe o art. 267, inciso IV, combinado com o art. 295, inciso V, do Código de Processo Civil vigente, aplicáveis à matéria subsidiariamente, reformando-se a decisão do egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Acre, restabelecendo-se a candidatura do Sr. Jorge Ney Viana Macedo Neves ao pleito vindouro, mediante o deferimento de seu pedido de registro de candidatura, extinguindo-se, ainda, a ação cautelar incidental a ele apensa, por força do que dispõe o art. 808, inciso III, do mesmo diploma legal”.
Jorge Ney Viana Macedo Neves e outros, por sua vez, alegam, preliminarmente, violação do art. 15 da Constituição Federal, do princípio da ampla defesa e falta de fundamentação legal do acórdão. No mérito, sustentam que seja julgado “inexistente qualquer caráter pessoal na propaganda institucional do Governo do Estado do Acre” (fl. 989).
Após as contra-razões às fls. 998-1.017 e 1.018-1.025, parecer da Procuradoria-Geral Eleitoral, opinando pelo provimento dos recursos com extinção do processo sem julgamento de mérito (fls. 1.099-1.107).
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO (relator):
I – Cuida-se de recursos ordinários (dois) interpostos contra acórdão que, em sede de ação de impugnação de registro de candidatura, regida pelo art. 3o da Lei Complementar no 64/90, julgou
“procedente a Ação de Impugnação de Registro de Candidatura no 2, Classe 38, nos termos do § 1o do art. 37 da Constituição Federal e § 1o do art. 27 da Constituição Estadual, c.c. o parágrafo único do art. 7o, art. 15, parágrafo único do art. 19 e 22 inciso XIV, todos da Lei Complementar no 64/90 (Lei das Inelegibilidades), para declarar a inelegibilidade cominada de Jorge Ney Viana Macedo Neves para as eleições a se realizarem nos três (3) anos subseqüentes às eleições de 2002. Em conseqüência, indefiro o seu pedido de registro de candidatura, ao cargo de governador pela Coligação Frente Popular do Acre (FPA), nos termos dos arts. 42 e 43 da Resolução no 20.993/2002 do TSE” (Ac. no 666/2002, sessão 23.8.2002).
II – Certo é que, no Acórdão no 12.676/GO, DJ 16.8.96, que tratou de ação de investigação judicial eleitoral, trazido como um dos fundamentos do voto condutor do acórdão regional, ficou assentado que,
“em se tratando de alegação de abuso do poder político e econômico, que teria ocorrido em praça pública, à vista de todos, antes do registro, e mesmo da escolha dos candidatos a senador, a governador e a vice-governador, é fora de dúvida que, não tendo ela sido veiculada por meio de impugnação ao registro das respectivas candidaturas, verificou-se a decadência, razão pela qual outro não poderia ter sido o desfecho da representação serodiamente manifestada, senão a extinção do processo” (grifei).
III – Entretanto, esse entendimento, utilizado pela Corte a quo, foi superado no julgamento do RO no 93/PB, red. designado Min. Néri da Silveira, publicado em sessão de 4.9.98, que cuidava exatamente de ação de impugnação de registro de candidatura, quando passou a jurisprudência desta Corte a admitir a ação de investigação judicial eleitoral até a diplomação do eleito, assentando, ainda, não ser a ação de impugnação de registro de candidatura a via própria para se apurar eventual abuso. Eis a ementa desse precedente:
“Registro de candidato a governador de estado. 2. Impugnação. 3. Inelegibilidade da letra d do inciso I do art. 1o da Lei Complementar no 64/90. 4. Hipótese em que os fatos que constituiriam o abuso de poder econômico ou político estavam sendo apurados em representações no Tribunal Regional Eleitoral, à época do pedido de registro. 5. Inexistência de ‘decisão com trânsito em julgado’, nas representações, sendo inviável o acolhimento da inelegibilidade, no instante do registro do candidato. 6. Deferimento do registro. 7. Decisão do TRE, que, nesta parte, se mantém, porque, ao ensejo do julgamento, não havia ‘decisão com trânsito em julgado’ de representações por abuso do poder econômico ou político, ut art. 1o, I, letra d, da Lei Complementar no 64/90, não sendo possível, no processo de registro, a apreciação dos fatos respectivos dele caracterizadores, objeto das representações. 8. Necessidade, entretanto, de o processamento das representações prosseguir desde logo, no TRE a quo, com apuração dos fatos e seu julgamento, diante das conseqüências previstas no art. 22, incisos XIV e XV, da Lei Complementar no 64/90. 9. Recurso ordinário conhecido e parcialmente provido, para, mantido o registro do candidato, determinar prossiga o TRE nas investigações judiciais que apuram os fatos”.
Como afirmam doutrina e jurisprudência, as inelegibilidades estão previstas na Constituição e na legislação infraconstitucional, Lei Complementar no 64/90.
No tema, anotou o Ministro Moreira Alves em Estudos de Direito Público em homenagem a Aliomar Baleeiro, Brasília/DF, Editora Universidade de Brasília, 1976, p. 228, que as inelegibilidades “são impedimentos que, se não afastados por quem preencha os pressupostos de elegibilidade, lhe obstam concorrer a eleições, ou – se supervenientes ao registro ou se de natureza constitucional – servem de fundamento à impugnação de sua diplomação, se eleito”.
As condições de elegibilidade, de seu lado, devem ser demonstradas pelo candidato à época do pedido de registro da candidatura (Acórdão no 14.693/SP, rel. Min. Eduardo Ribeiro, sessão 22.10.96, Acórdão no 18.836/MG, rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 23.3.2001).
Determina o art. 22, LC no 64/90, ao tratar da investigação judicial eleitoral, que, caso apurada a ocorrência de “uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social”, será imputada ao candidato beneficiário pena de cassação de registro e declaração de inelegibilidade, por três anos, observados os incisos XIV e XV do mesmo artigo.
Assim, só após o trânsito em julgado dessa ação de investigação, com aplicação de pena de inelegibilidade, torna-se possível, em sede de ação de impugnação de registro de candidatura, fundado no art. 1o, I, d, LC no 64/90, indeferir-se pedido de registro.
Neste sentido, para exemplificar, os seguintes julgados desta Corte:
“Agravo regimental. Registro de candidatura. Impugnação. Representação. Abuso de poder econômico e político. Trânsito em julgado. Ausência.
1. Não se mostra a ação de impugnação a registro de candidatura como o meio processual mais adequado para apurar possível abuso do poder econômico e político, pois que patente a existência de procedimento próprio para esse fim.
2. Precedentes.
3. Agravo regimental a que se nega provimento” (Acórdão no 18.932/MG, rel. Min. Waldemar Zveiter, sessão 28.11.2000).
“Registro de candidatura. Inelegibilidade – abuso de poder econômico. Lei complementar no 64, de 1990.
O processo de registro não é adequado para apuração da causa de inelegibilidade consubstanciada no abuso de poder econômico, haja vista a existência de procedimento específico, conforme se depreende do art. 22 da Lei Complementar no 64/90.
Recurso a que se negou provimento” (Acórdão no 92/PR, rel. Min. Eduardo Alckmin, sessão 4.9.98).
“Registro de candidatura. Impugnação com fundamento em ato de abuso do poder econômico. Fato a ser apurado em processo específico. Inépcia da inicial. Recurso a que se nega provimento” (Acórdão no 100/PR, rel. Min. Eduardo Alckmin, sessão 2.9.98).
“Registro de candidatura. Impugnação. Abuso do poder econômico. Inelegibilidades previstas no art. 1o, inciso I, letras h e i da Lei Complementar no 64, de 1990.
I – No caso, o juiz relator do feito decidiu que a competência para apurar o alegado abuso do poder econômico é do corregedor, nos termos do art. 22 da Lei Complementar no 64, de 1990, tendo permanecido irrecorrida a sua decisão.
II – Ademais, segundo se depreende do art. 1o, I, d, da Lei Complementar no 64, de 1990, o processo de registro é inadequado para apuração da causa de inelegibilidade consubstanciada no abuso de poder econômico.
III – Finalmente, inocorrem as causas de inelegibilidade, previstas no art. 1o, I, h e i, da citada lei complementar, porquanto o acórdão recorrido faz a convincente demonstração de que o recorrido após 30 de abril do corrente ano não exerceu cargo de direção nas empresas indicadas pelo recorrente, bem como da inexistência de condenação criminal capaz de provocar inelegibilidade.
IV – Recurso não conhecido quanto ao abuso do poder econômico e desprovido quanto ao mais” (Acórdão no 12.085, rel. Min. Pádua Ribeiro, sessão 5.8.94)”.
IV – Ademais, nos arts. 3o a 14, LC no 64/90, que disciplinam a ação de impugnação de registro de candidatura, não há cominação de pena de inelegibilidade.
Como se sabe, a Justiça Eleitoral, em ação de impugnação de registro de candidatura, pode, apreciando o conjunto probatório ofertado, seguindo o rito previsto no art. 3o e seguintes da Lei Complementar no 64/90, julgar existente causa de inelegibilidade e com isso negar o pedido de registro de candidatura.
V – O Ministério Público, nesta instância, pelo parecer do procurador-geral eleitoral, Dr. Geraldo Brindeiro (fls. 1.099-1.107), assinalou, nesta mesma linha:
“A orientação desta Corte Superior sempre caminhou no sentido de vedar a propaganda subliminar com fim eleitoral, mediante o uso de logomarca ou símbolo, em benefício de candidato, mesmo antes do advento da Constituição de 1988. Atualmente, esta prática é vista com maior rigor, pois a Lei no 9.504/97, em seu art. 73, criou capítulo das condutas vedadas aos agentes públicos. O art. 40 do referido diploma legal, inclusive, pune como crime ‘o uso, na propaganda eleitoral, de símbolos, frases ou imagens, associadas ou semelhantes as empregadas por órgão de governo (...)’
9. Pertinente ao caso, decisão proferida na Suspensão de Segurança no 16, em que o eminente relator, Ministro Ilmar Galvão, adotando parecer do Ministério Público, assentou:
‘2. Com efeito, nos termos do art. 37, § 1o, da Constituição Federal, há vedação a que seja feita propaganda em que constem nomes, símbolos ou imagens que venham a caracterizar a promoção pessoal de autoridade ou servidores públicos e não resta duvidar que o slogan e a sigla que estão sendo utilizados configuram, sem dúvida alguma, propaganda subliminar com fito eleitoral, já que, pretendendo o atual governador do Distrito Federal a reeleição, o slogan “Governo Democrático e Popular – GDF” e a sigla “GDF” sempre estiveram ligados ao seu nome, pelo que íntima fica a ligação do contido na propaganda veiculada com a sua atuação como governante’.
10. No mesmo sentido, a Representação no 57, de que foi relator o eminente Ministro Fernando Neves, da qual se extrai o seguinte trecho:
‘Voltando ao caso dos autos, creio que no particular assiste parcial razão à representante, pois ainda que seja lícita a permanência de placas informativas de obras, delas não deve constar a expressão “Brasil em Ação” ou a explicação de que se trata de um dos 42 projetos do Brasil em Ação do mesmo modo que delas e de outras espalhadas pelo país afora, colocadas por quem quer que seja, também não deve constar nomes, símbolos, slogans, imagens, palavras ou expressões que possam identificar servidores, autoridades ou a administração federal ou estadual cujos titulares estejam em campanha pela reeleição’.
11. O uso maciço da logomarca em bens públicos, em benefício do candidato, realmente pode caracterizar abuso de poder econômico e político que há de ser apurado mediante a investigação judicial da Lei Complementar no 64/90, que prevê larga dilação probatória e o processo corre perante a Corregedoria. Existe a possibilidade de inquirição de um maior número de testemunhas e o corregedor pode determinar diligência, ouvir terceiros referidos pelas partes ou testemunhas e requisitar documentos.
12. O procedimento do registro da candidatura é bastante sumário, e se destina mais para aferir, com relação ao candidato, se ele preenche as condições de elegibilidade e não incide em alguma causa de inelegibilidade, a ser apurado sem a necessidade de uma ampla dilação probatória. Por isso, a Lei no 9.504, art. 11, § 1o, incisos I a VIII, enumerou os documentos com os quais o pedido há de ser instruído, numa indicação clara de que a prova deve ser, de certo modo, pré-constituída. É certo que se permite a realização de diligências e inquirição de testemunhas, mas com prazos muitos estreitos.
13. A inversão do procedimento, na espécie, sem dúvida, importou cerceamento de defesa. Ao julgar o Recurso Especial no 19.585, de Paranaguá/PR, em que se discutiu hipótese semelhante, o eminente Ministro Sepúlveda Pertence consignou:
‘O simples cotejo entre o procedimento sumário e documental do art. 96 Lei no 9.504/97 – vocacionado à repressão expedita de fatos simples da campanha eleitoral –, não se pode reputar equivalente ao rito de ampla dilação probatória do art. 22 LC no 64/90 – destinado, na generalidade dos casos, à decisão sobre fatos de complexidade incomparavelmente maior: se esse último – o da ampla investigação judicial – é o parâmetro da satisfação da garantia do devido processo legal, para o fim de pré-constituir prova para impugnar a diplomação do eleito, não é lícito substituí-lo pela decisão do primeiro, sem implicar cerceamento de defesa’.
14. E a jurisprudência deste egrégio Tribunal Superior Eleitoral, é pacífica no sentido de que o abuso do poder econômico ou político deve ser apurado na investigação judicial e não no processo de registro da candidatura. Citamos aqui, a propósito, os seguintes precedentes:
‘Registro de candidatura. Inelegibilidade – abuso de poder econômico. Lei Complementar no 64/90. O processo de registro não é adequado para apuração da causa de inelegibilidade consubstanciada no abuso de poder econômico. Haja vista a existência de procedimento específico, conforme se depreende do art. 22 da Lei Complementar no 64/90. Recurso a que se negou provimento’ (acórdão proferido no Recurso Ordinário no 92, relator o Ministro Eduardo Alckmin, publicado em sessão, data 5.9.98 – doc. no 5).
‘Registro de candidato. Inelegibilidade, abuso de poder econômico. LC no 64/90, art. 1o, I, alínea d. A impugnação ao pedido de registro de candidatura, fundada em abuso de poder econômico, deve vir instruída com decisão da Justiça Eleitoral, com trânsito em julgado, sendo inadmissível a apuração dos fatos no processo de registro. Recurso ordinário desprovido’ (Acórdão no 11.346, de 31.8.90, rel. Min. Célio Borja, RJTSE 2(3)).
‘Registro de candidatura. Impugnação. Abuso de poder econômico. Inelegibilidades previstas no art. 1o, inciso I, letras h e i, da Lei Complementar no 64, de 1990. I – No caso, o juiz relator do feito decidiu que a competência para apurar o alegado abuso do poder econômico é do corregedor, nos termos do art. 22 da Lei Complementar no 64, de 1990, tendo permanecido incorrida a sua decisão. II – Ademais, segundo se depreende do art. 1o, I, d, da Lei Complementar no 64, de 1990, o processo de registro é inadequado para apuração da causa de inelegibilidade consubstanciada no abuso de poder econômico. III – Finalmente, inocorrem as causas de inelegibilidade, previstas no art. 1o, inciso I, h, e i, da citada lei complementar, porquanto o acórdão recorrido faz convincente demonstração de que o recorrido, após 30 de abril do corrente ano, não exerceu cargo de direção nas empresas indicadas pelo recorrente, bem como da inexistência de condenação criminal capaz de provocar inelegibilidade. IV – Recurso não conhecido quanto ao abuso de poder econômico desprovido quanto ao mais.’ (Acórdão no 12.085, relator o Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, publicado em sessão no dia 5.8.94.)
‘Registro de candidatura. Inelegibilidade. Abuso de poder econômico. LC no 64/90. O processo de registro não é adequado para apuração da causa de inelegibilidade consubstanciada no abuso de poder econômico, haja vista a existência de procedimento específico. Conforme se depreende do art. 22 da LC no 64/90. Recurso a que se negou provimento’ (Acórdão no 92, de 4.9.98 – RO no 92 – Classe 27a/PR, relator o Ministro Eduardo Alckmin).
15. Ante o exposto, e pelas as razões aduzidas, o Ministério Público Eleitoral opina no sentido do provimento dos recursos ordinários, a fim de extinguir o processo sem julgamento de mérito” (sic).
VI – Na espécie, trouxe a impugnante, ora recorrida, elementos tentando demonstrar abuso de poder realizado pelo governador, candidato à reeleição, fatos esses, todavia, não susceptíveis de discussão na via da ação de impugnação de registro de candidatura, como exposto supra.
VII – Pelo exposto, dou provimento aos dois recursos, extinguindo a impugnação, sem julgamento do mérito, por imprópria a via eleita.
VIII – Por outro lado, no que concerne ao processo de registro de candidatura, não existindo nos autos nenhuma outra argumentação capaz de obstar o registro, e tendo em vista a certidão de regularidade dos documentos, nos termos do art. 35 da Resolução-TSE no 20.993/2002 (fl. 12), defiro o registro da candidatura de Jorge Ney Viana Macedo Neves, ao cargo de governador.
VOTO
O SENHOR MINISTRO BARROS MONTEIRO: Senhor Presidente, estou inteiramente de acordo com o eminente relator, na linha da jurisprudência desta Corte.
Defiro o registro.
VOTO
O SENHOR MINISTRO FERNANDO NEVES: Senhor Presidente, peço vênia ao eminente relator para discordar de S. Exa. em relação à inviabilidade de apuração de abuso de poder econômico ou de autoridade em impugnação a pedido de registro.
Quando julguei o Recurso Ordinário no 61, do Paraná, admiti que fatos ocorridos antes do pedido de registro de candidatura fossem examinados no momento desse registro. Invoquei, naquela oportunidade, a decisão deste Tribunal no Recurso Especial Eleitoral no 12.676, de Goiânia, relator para o acórdão o Senhor Ministro Ilmar Galvão, de cujo voto destaquei a seguinte passagem:
“Não obstante a LC no 64/90 não haja sido expressa a respeito, é fora de dúvida que a impugnação ao registro, além da argüição de inelegibilidade, pode ser feita mediante alegação de abuso do poder econômico ou político, praticado em detrimento da liberdade de voto, antes da convenção partidária ou do registro”.
Além disso, o art. 25 da Lei Complementar no 64/90 tipifica crime “a impugnação de registro de candidato feito por interferência do poder econômico, desvio ou abuso do poder de autoridade, deduzida de forma temerária ou de manifesta má-fé”, o que significa que, em tese, é possível que a impugnação ao pedido de registro tenha por base alegação de abuso do poder econômico ou de autoridade.
Quanto às nulidades apontadas pelo recorrente, tenho-as por patentes, mas penso que podem ser desconsideradas, pois, no mérito, entendo não assistir razão ao acórdão recorrido, por não vislumbrar, no fato apontado, nenhuma conotação eleitoral. Trata-se, como informado pelo eminente ministro relator, da existência, na propaganda institucional do estado, por todo o período da atual administração, de uma pequena árvore estilizada e os dizeres “Acre: Governo da Floresta”. Não vejo nesse slogan, nenhuma conotação eleitoral.
Essa situação difere da que se apresentou na Representação no 57, que apreciei em 1998, em que na propaganda institucional do governo federal constava a expressão “Brasil em Ação”, título de um projeto desenvolvido pela administração de então.
Com base nessas considerações e destacando que o caso, como posto, não é de inelegibilidade, mas de abuso do poder político, que tenho por não verificado, conheço e dou provimento ao recurso para, embora por motivo diverso daquele invocado pelo eminente relator, julgar improcedente a impugnação e deferir o registro.
VOTO
O SENHOR MINISTRO LUIZ CARLOS MADEIRA: Senhor Presidente, sou sensível às ponderações do Ministro Fernando Neves, mas gostaria de dizer que nos termos postos não temos outra forma de enquadrar a inelegibilidade senão na alínea d do inciso I do art. 1o da Lei Complementar no 64/90, que, expressamente, exige o trânsito em julgado da decisão condenatória.
Acompanho o relator.
VOTO
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE: Senhor Presidente, o drama da antigüidade leva a isso. Fui provocado por um parecer acolhido pelo Tribunal no Recurso no 6.331, por ocasião da eleição da Assembléia Nacional Constituinte, em 1986.
Nele sustentei longamente, com os constrangimentos pessoais que a personagem me causava, a possibilidade do indeferimento do registro de candidato contra o qual se fizera prova inequívoca de que, desde muito antes das eleições, iniciara a sua campanha para senador pela distribuição de alimentos e pela propaganda em jornal que adquirira.
Defendi, àquela época, a possibilidade de a causa de inelegibilidade ser motivo de impugnação ao registro. Mas de logo recordo que estávamos sob a vigência da Lei Complementar no 5/70, na qual a alínea l, aplicada pelo Tribunal Regional Eleitoral em acórdão confirmado pelo TSE, declarava inelegível:
“os que tenham comprometido, por si ou por outrem, mediante abuso do poder econômico, de ato de corrupção ou de influência no exercício de cargo ou função da administração, direta ou indireta, ou de entidade sindical, a lisura ou a normalidade da eleição, ou venham a comprometê-la, pela prática dos mesmos abusos, atos ou influências”.
As razões pelas quais sustentei ainda naquela época, longamente, a possibilidade do indeferimento do registro mediante a dilação probatória prevista na Lei Complementar no 5/70, art. 7o e seguintes, estão publicadas em Pareceres do Procurador-Geral da República – 1985/1987.
Havia uma causa de inelegibilidade por abuso do poder econômico e toda a discussão era se esse comprometimento da lisura ou da normalidade de eleição poderia dizer respeito também a eleição a aferir-se. E se concluiu que sim.
A Lei Complementar no 64/90 ao contrário, na alínea d do art. 1o, deu nova contextura a essa cláusula de inelegibilidade e declarou:
“inelegíveis aos que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, transitada em julgado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 3 (três) anos seguintes”.
Por isso, há poucos dias, ao julgarmos a série de recursos relativos ao Sr. Max Mauro Filho, prefeito de Vila Velha, acentuei que, na lei vigente, a causa de inelegibilidade não estava no abuso, mas no trânsito em julgado da decisão que julgava procedente a representação.
Por isso, encontro dificuldades não de ordem processual, porque ainda é prevista na Lei Complementar no 64/90 uma dilação probatória à impugnação ao pedido de registro, mas de natureza substancial – uma vez que o suposto normativo da inelegibilidade é o trânsito em julgado da procedência da representação – para admitir, no processo de registro, a apuração do abuso.
Bastam-me, pois, para o provimento do presente recurso, os fundamentos do voto do eminente Ministro Sálvio de Figueiredo.
Mas, se assim não fosse, não tenho dúvidas em subscrever os argumentos do Ministro Fernando Neves, para acompanhá-lo quanto à questão de fundo. Nego provimento ao recurso, e desde logo, defiro o registro.
VOTO
A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE: Senhor Presidente, acompanho integralmente o eminente relator.
VOTO
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM (presidente): Acompanho o relator e observo que tem razão o Ministro Sepúlveda Pertence quando, em relação ao art. 3o, no que diz respeito à impugnação do registro, refere-se a situações anteriores, ou seja, a decisão é declaratória de um estado anterior, reconhecendo uma situação de fato que eventualmente deva ser provada – parentesco ou coisa parecida –, mas declara uma situação de fato.
Ao passo que a impugnação, para investigação judicial, é para reconhecer situação ainda não provada.
Ou seja, ela tem natureza constitutiva.
Tanto tem natureza constitutiva que a situação de ser inelegível vem da decisão e não da situação de fato; já no art. 3o ela é declaratória da circunstância de parentesco e a inelegibilidade se dava no parentesco.
Quanto ao mérito, não vejo absolutamente nada de abuso do poder econômico.
EXTRATO DA ATA
RO no 593 – AC. Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo – Recorrente: Procuradoria Regional Eleitoral do Acre – Recorrentes: Jorge Ney Viana Macedo Neves e outros (Advs.: Drs. Gomercindo Clóvis Garcia Rodrigues, José Antônio Dias Toffoli e outros) – Recorrida: Coligação Movimento Democrático Acreano (PMDB/PSDB/PPB/PFL/PST) (Advs.: Drs. Ruy Alberto Duarte, Gastão de Bem e outros).
Usaram da palavra, pelos recorrentes Jorge Ney Viana Macedo Neves e outros, o Dr. José Antônio Dias Toffoli e, pela recorrida, o Dr. Gastão de Bem.
Decisão: O Tribunal, por maioria, vencido o Ministro Fernando Neves quanto à inadequação da via eleita, deu provimento aos recursos, por unanimidade, para deferir o registro da candidatura do governador, nos termos do voto do relator.
Presidência do Exmo. Sr. Ministro Nelson Jobim. Presentes os Srs. Ministros, Sepúlveda Pertence, Ellen Gracie, Sálvio de Figueiredo, Barros Monteiro, Fernando Neves, Luiz Carlos Madeira e o Dr. Paulo da Rocha Campos, vice-procurador-geral eleitoral.
Rio Branco – AC
Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo.
Recorrente: Procuradoria Regional Eleitoral do Acre.
Recorrentes: Jorge Ney Viana Macedo Neves e outros.
Advogados: Drs. Gomercindo Clóvis Garcia Rodrigues, José Antônio Dias Toffoli e outros.
Recorrida: Coligação Movimento Democrático Acreano (PMDB/PSDB/PPB/PFL/PST).
Advogados: Drs. Ruy Alberto Duarte, Gastão de Bem e outros.
Direitos Eleitoral e Processual. Recurso ordinário. Registro de candidato. Impugnação. Art. 3o, LC no 64/90. Inelegibilidade. Abuso de poder. Via própria. Possibilidade de ajuizar-se ação de investigação judicial até a data da diplomação. Orientação da corte. Providos os recursos.
Não é próprio apurar-se a ocorrência de abuso em impugnação de registro de candidatura, uma vez que a Lei Complementar no 64/90 prevê, em seu art. 22, a ação de investigação judicial para esse fim, a qual, não estando sujeita a prazo decadencial, pode ser ajuizada até a data da diplomação do candidato.
Vistos, etc.,
Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por maioria, em conhecer dos recursos, vencido, em parte, o Ministro Fernando Neves, que entendia adequada a via eleita, e, por unanimidade, em dar provimento aos recursos, nos termos das notas taquigráficas, que ficam fazendo parte integrante desta decisão.
Sala de Sessões do Tribunal Superior Eleitoral.
Brasília, 3 de setembro de 2002.
Ministro NELSON JOBIM, presidente – Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO, relator.
Publicado em sessão, em 3.9.2002.
QUESTÃO DE FATO
O DOUTOR GASTÃO DE BEM (advogado): Senhor Presidente, uma questão de fato. Solicito adiamento, tendo em vista que o processo só veio ontem do TRE do Acre.
O SENHOR MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO (relator): Sou desfavorável à pretensão do ilustre advogado e já manifestei isso a S. Exa., por escrito inclusive, quando recebi o seu requerimento. A matéria estava posta em mesa, havia divulgação a esse respeito e há circunstâncias que justificam o julgamento do processo prioritariamente. Recebi hoje os autos, que estavam no Ministério Público, por solicitação minha, para que pudesse agilizar o julgamento.
Informo a V. Exa. que o caso em julgamento diz respeito a decisão do TRE do Acre e não ao comportamento desse Tribunal.
Indefiro o pedido.
EXPOSIÇÃO
O SENHOR MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO: A Procuradoria Regional Eleitoral do Acre (fls. 929-955), assim como Jorge Ney Viana Macedo Neves, Coligação Frente Popular do Acre (PT/PCdoB/PMN/PV/PL/PSDC/PTdoB) e o Partido dos Trabalhadores (PT) (fls. 958-991) interpuseram recursos especiais contra acórdão do Tribunal Regional Eleitoral do Acre que julgou procedente ação de impugnação de registro formulada pela Coligação Movimento Democrático Acreano (MDA) (PMDB, PSDB, PPB, PFL e PST), nestes termos (fls. 877-906):
“Pedido de registro de candidatura. Ação de impugnação de registro de candidato. Propaganda institucional ilícita. Governador candidato à reeleição. Uso de símbolo, cores e slogan. Preliminares de incompetência da Justiça Eleitoral em razão da matéria, inadequação do procedimento eleito, inépcia da inicial pedido juridicamente impossível e cerceamento de defesa rejeitadas. Promoção pessoal e abuso de poder político e de autoridade. Configuração. Declaração de inelegibilidade e indeferimento de registro.
1. A propaganda institucional do governo do estado é permitida pela Lei Maior e pela Constituição Estadual, mas rigorosamente delimitada, devendo ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridade ou servidores públicos (art. 37, § 1o da CF/88 e art. 27, § 1o da Constituição do Estado do Acre).
2. A utilização generalizada de símbolo, cores e slogan na propaganda governamental antes do pedido de registro de candidaturas e das convenções partidárias para escolha de candidatos, intensificada em ano eleitoral, diverso do Brasão oficial e não aprovados por lei ou decreto, constitui promoção pessoal de autoridade, para fins de inelegibilidade, a ser apurada pela Justiça Eleitoral, mormente se o chefe do Executivo for candidato à reeleição.
3. Fatos que, em seu conjunto, configuram prova robusta de abuso de poder político com potencialidade para influir no resultado das eleições, em detrimento do equilíbrio e da lisura do processo eleitoral.
4. Ação de impugnação de registro procedente para declarar a inelegibilidade do candidato para as eleições que se realizarem nos três anos seguintes ao pleito e, em conseqüência, negar-lhe registro”.
Opondo-se a esse entendimento, sustenta a Procuradoria Regional Eleitoral, primeira recorrente, que:
“Sem razão, contudo, os impugnantes, pela própria via estreita com que pretenderam fazer valer o seu direito, que, sinale-se, bem difere da investigação judicial eleitoral, que, ao contrário da ação de impugnação de registro de candidatura, permite ampla dilação probatória.
Ora, exatamente por esse motivo a respeitável decisão do egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Acre deve necessariamente ser reformada, ratificando-se aqui ser suficiente o acatamento da preliminar de inadequação da via eleita, suscitada pela defesa do impugnado, para afastar a pretensão da Coligação MDA, e bastar para a reforma da decisão do órgão jurisdicional a quo, sendo este o objeto do presente recurso ordinário.
(...)
De fato, corroborando aqui a tese esposada por este agente ministerial quando de suas anteriores intervenções nestes autos, em especial quando da apresentação de seu parecer oral em Plenário, o acatamento da preliminar de inadequação da via eleita para estancar a demanda proposta pela Coligação MDA se me parece imperativo, devendo o processo ser extinguido sem o julgamento de mérito.
Infelizmente isto não foi reconhecido pelo Pleno do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Acre, de maneira que só resta agora a esse colendo Tribunal reverter a decisão da instância ordinária.
(...)
Emerge de tudo o quanto exposto que não é viável a propositura de ação de impugnação ao pedido de registro de candidatura em face de alegada ocorrência de abuso de poder econômico e poder político”.
Por fim, requer:
“(...) a procedência do presente recurso ordinário para que seja reconhecida e acatada por esse colendo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a preliminar de inexistência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, consistente na inadequação da via eleita, extinguindo-se a presente ação de impugnação sem julgamento do mérito, forte no que dispõe o art. 267, inciso IV, combinado com o art. 295, inciso V, do Código de Processo Civil vigente, aplicáveis à matéria subsidiariamente, reformando-se a decisão do egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Acre, restabelecendo-se a candidatura do Sr. Jorge Ney Viana Macedo Neves ao pleito vindouro, mediante o deferimento de seu pedido de registro de candidatura, extinguindo-se, ainda, a ação cautelar incidental a ele apensa, por força do que dispõe o art. 808, inciso III, do mesmo diploma legal”.
Jorge Ney Viana Macedo Neves e outros, por sua vez, alegam, preliminarmente, violação do art. 15 da Constituição Federal, do princípio da ampla defesa e falta de fundamentação legal do acórdão. No mérito, sustentam que seja julgado “inexistente qualquer caráter pessoal na propaganda institucional do Governo do Estado do Acre” (fl. 989).
Após as contra-razões às fls. 998-1.017 e 1.018-1.025, parecer da Procuradoria-Geral Eleitoral, opinando pelo provimento dos recursos com extinção do processo sem julgamento de mérito (fls. 1.099-1.107).
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO (relator):
I – Cuida-se de recursos ordinários (dois) interpostos contra acórdão que, em sede de ação de impugnação de registro de candidatura, regida pelo art. 3o da Lei Complementar no 64/90, julgou
“procedente a Ação de Impugnação de Registro de Candidatura no 2, Classe 38, nos termos do § 1o do art. 37 da Constituição Federal e § 1o do art. 27 da Constituição Estadual, c.c. o parágrafo único do art. 7o, art. 15, parágrafo único do art. 19 e 22 inciso XIV, todos da Lei Complementar no 64/90 (Lei das Inelegibilidades), para declarar a inelegibilidade cominada de Jorge Ney Viana Macedo Neves para as eleições a se realizarem nos três (3) anos subseqüentes às eleições de 2002. Em conseqüência, indefiro o seu pedido de registro de candidatura, ao cargo de governador pela Coligação Frente Popular do Acre (FPA), nos termos dos arts. 42 e 43 da Resolução no 20.993/2002 do TSE” (Ac. no 666/2002, sessão 23.8.2002).
II – Certo é que, no Acórdão no 12.676/GO, DJ 16.8.96, que tratou de ação de investigação judicial eleitoral, trazido como um dos fundamentos do voto condutor do acórdão regional, ficou assentado que,
“em se tratando de alegação de abuso do poder político e econômico, que teria ocorrido em praça pública, à vista de todos, antes do registro, e mesmo da escolha dos candidatos a senador, a governador e a vice-governador, é fora de dúvida que, não tendo ela sido veiculada por meio de impugnação ao registro das respectivas candidaturas, verificou-se a decadência, razão pela qual outro não poderia ter sido o desfecho da representação serodiamente manifestada, senão a extinção do processo” (grifei).
III – Entretanto, esse entendimento, utilizado pela Corte a quo, foi superado no julgamento do RO no 93/PB, red. designado Min. Néri da Silveira, publicado em sessão de 4.9.98, que cuidava exatamente de ação de impugnação de registro de candidatura, quando passou a jurisprudência desta Corte a admitir a ação de investigação judicial eleitoral até a diplomação do eleito, assentando, ainda, não ser a ação de impugnação de registro de candidatura a via própria para se apurar eventual abuso. Eis a ementa desse precedente:
“Registro de candidato a governador de estado. 2. Impugnação. 3. Inelegibilidade da letra d do inciso I do art. 1o da Lei Complementar no 64/90. 4. Hipótese em que os fatos que constituiriam o abuso de poder econômico ou político estavam sendo apurados em representações no Tribunal Regional Eleitoral, à época do pedido de registro. 5. Inexistência de ‘decisão com trânsito em julgado’, nas representações, sendo inviável o acolhimento da inelegibilidade, no instante do registro do candidato. 6. Deferimento do registro. 7. Decisão do TRE, que, nesta parte, se mantém, porque, ao ensejo do julgamento, não havia ‘decisão com trânsito em julgado’ de representações por abuso do poder econômico ou político, ut art. 1o, I, letra d, da Lei Complementar no 64/90, não sendo possível, no processo de registro, a apreciação dos fatos respectivos dele caracterizadores, objeto das representações. 8. Necessidade, entretanto, de o processamento das representações prosseguir desde logo, no TRE a quo, com apuração dos fatos e seu julgamento, diante das conseqüências previstas no art. 22, incisos XIV e XV, da Lei Complementar no 64/90. 9. Recurso ordinário conhecido e parcialmente provido, para, mantido o registro do candidato, determinar prossiga o TRE nas investigações judiciais que apuram os fatos”.
Como afirmam doutrina e jurisprudência, as inelegibilidades estão previstas na Constituição e na legislação infraconstitucional, Lei Complementar no 64/90.
No tema, anotou o Ministro Moreira Alves em Estudos de Direito Público em homenagem a Aliomar Baleeiro, Brasília/DF, Editora Universidade de Brasília, 1976, p. 228, que as inelegibilidades “são impedimentos que, se não afastados por quem preencha os pressupostos de elegibilidade, lhe obstam concorrer a eleições, ou – se supervenientes ao registro ou se de natureza constitucional – servem de fundamento à impugnação de sua diplomação, se eleito”.
As condições de elegibilidade, de seu lado, devem ser demonstradas pelo candidato à época do pedido de registro da candidatura (Acórdão no 14.693/SP, rel. Min. Eduardo Ribeiro, sessão 22.10.96, Acórdão no 18.836/MG, rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 23.3.2001).
Determina o art. 22, LC no 64/90, ao tratar da investigação judicial eleitoral, que, caso apurada a ocorrência de “uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social”, será imputada ao candidato beneficiário pena de cassação de registro e declaração de inelegibilidade, por três anos, observados os incisos XIV e XV do mesmo artigo.
Assim, só após o trânsito em julgado dessa ação de investigação, com aplicação de pena de inelegibilidade, torna-se possível, em sede de ação de impugnação de registro de candidatura, fundado no art. 1o, I, d, LC no 64/90, indeferir-se pedido de registro.
Neste sentido, para exemplificar, os seguintes julgados desta Corte:
“Agravo regimental. Registro de candidatura. Impugnação. Representação. Abuso de poder econômico e político. Trânsito em julgado. Ausência.
1. Não se mostra a ação de impugnação a registro de candidatura como o meio processual mais adequado para apurar possível abuso do poder econômico e político, pois que patente a existência de procedimento próprio para esse fim.
2. Precedentes.
3. Agravo regimental a que se nega provimento” (Acórdão no 18.932/MG, rel. Min. Waldemar Zveiter, sessão 28.11.2000).
“Registro de candidatura. Inelegibilidade – abuso de poder econômico. Lei complementar no 64, de 1990.
O processo de registro não é adequado para apuração da causa de inelegibilidade consubstanciada no abuso de poder econômico, haja vista a existência de procedimento específico, conforme se depreende do art. 22 da Lei Complementar no 64/90.
Recurso a que se negou provimento” (Acórdão no 92/PR, rel. Min. Eduardo Alckmin, sessão 4.9.98).
“Registro de candidatura. Impugnação com fundamento em ato de abuso do poder econômico. Fato a ser apurado em processo específico. Inépcia da inicial. Recurso a que se nega provimento” (Acórdão no 100/PR, rel. Min. Eduardo Alckmin, sessão 2.9.98).
“Registro de candidatura. Impugnação. Abuso do poder econômico. Inelegibilidades previstas no art. 1o, inciso I, letras h e i da Lei Complementar no 64, de 1990.
I – No caso, o juiz relator do feito decidiu que a competência para apurar o alegado abuso do poder econômico é do corregedor, nos termos do art. 22 da Lei Complementar no 64, de 1990, tendo permanecido irrecorrida a sua decisão.
II – Ademais, segundo se depreende do art. 1o, I, d, da Lei Complementar no 64, de 1990, o processo de registro é inadequado para apuração da causa de inelegibilidade consubstanciada no abuso de poder econômico.
III – Finalmente, inocorrem as causas de inelegibilidade, previstas no art. 1o, I, h e i, da citada lei complementar, porquanto o acórdão recorrido faz a convincente demonstração de que o recorrido após 30 de abril do corrente ano não exerceu cargo de direção nas empresas indicadas pelo recorrente, bem como da inexistência de condenação criminal capaz de provocar inelegibilidade.
IV – Recurso não conhecido quanto ao abuso do poder econômico e desprovido quanto ao mais” (Acórdão no 12.085, rel. Min. Pádua Ribeiro, sessão 5.8.94)”.
IV – Ademais, nos arts. 3o a 14, LC no 64/90, que disciplinam a ação de impugnação de registro de candidatura, não há cominação de pena de inelegibilidade.
Como se sabe, a Justiça Eleitoral, em ação de impugnação de registro de candidatura, pode, apreciando o conjunto probatório ofertado, seguindo o rito previsto no art. 3o e seguintes da Lei Complementar no 64/90, julgar existente causa de inelegibilidade e com isso negar o pedido de registro de candidatura.
V – O Ministério Público, nesta instância, pelo parecer do procurador-geral eleitoral, Dr. Geraldo Brindeiro (fls. 1.099-1.107), assinalou, nesta mesma linha:
“A orientação desta Corte Superior sempre caminhou no sentido de vedar a propaganda subliminar com fim eleitoral, mediante o uso de logomarca ou símbolo, em benefício de candidato, mesmo antes do advento da Constituição de 1988. Atualmente, esta prática é vista com maior rigor, pois a Lei no 9.504/97, em seu art. 73, criou capítulo das condutas vedadas aos agentes públicos. O art. 40 do referido diploma legal, inclusive, pune como crime ‘o uso, na propaganda eleitoral, de símbolos, frases ou imagens, associadas ou semelhantes as empregadas por órgão de governo (...)’
9. Pertinente ao caso, decisão proferida na Suspensão de Segurança no 16, em que o eminente relator, Ministro Ilmar Galvão, adotando parecer do Ministério Público, assentou:
‘2. Com efeito, nos termos do art. 37, § 1o, da Constituição Federal, há vedação a que seja feita propaganda em que constem nomes, símbolos ou imagens que venham a caracterizar a promoção pessoal de autoridade ou servidores públicos e não resta duvidar que o slogan e a sigla que estão sendo utilizados configuram, sem dúvida alguma, propaganda subliminar com fito eleitoral, já que, pretendendo o atual governador do Distrito Federal a reeleição, o slogan “Governo Democrático e Popular – GDF” e a sigla “GDF” sempre estiveram ligados ao seu nome, pelo que íntima fica a ligação do contido na propaganda veiculada com a sua atuação como governante’.
10. No mesmo sentido, a Representação no 57, de que foi relator o eminente Ministro Fernando Neves, da qual se extrai o seguinte trecho:
‘Voltando ao caso dos autos, creio que no particular assiste parcial razão à representante, pois ainda que seja lícita a permanência de placas informativas de obras, delas não deve constar a expressão “Brasil em Ação” ou a explicação de que se trata de um dos 42 projetos do Brasil em Ação do mesmo modo que delas e de outras espalhadas pelo país afora, colocadas por quem quer que seja, também não deve constar nomes, símbolos, slogans, imagens, palavras ou expressões que possam identificar servidores, autoridades ou a administração federal ou estadual cujos titulares estejam em campanha pela reeleição’.
11. O uso maciço da logomarca em bens públicos, em benefício do candidato, realmente pode caracterizar abuso de poder econômico e político que há de ser apurado mediante a investigação judicial da Lei Complementar no 64/90, que prevê larga dilação probatória e o processo corre perante a Corregedoria. Existe a possibilidade de inquirição de um maior número de testemunhas e o corregedor pode determinar diligência, ouvir terceiros referidos pelas partes ou testemunhas e requisitar documentos.
12. O procedimento do registro da candidatura é bastante sumário, e se destina mais para aferir, com relação ao candidato, se ele preenche as condições de elegibilidade e não incide em alguma causa de inelegibilidade, a ser apurado sem a necessidade de uma ampla dilação probatória. Por isso, a Lei no 9.504, art. 11, § 1o, incisos I a VIII, enumerou os documentos com os quais o pedido há de ser instruído, numa indicação clara de que a prova deve ser, de certo modo, pré-constituída. É certo que se permite a realização de diligências e inquirição de testemunhas, mas com prazos muitos estreitos.
13. A inversão do procedimento, na espécie, sem dúvida, importou cerceamento de defesa. Ao julgar o Recurso Especial no 19.585, de Paranaguá/PR, em que se discutiu hipótese semelhante, o eminente Ministro Sepúlveda Pertence consignou:
‘O simples cotejo entre o procedimento sumário e documental do art. 96 Lei no 9.504/97 – vocacionado à repressão expedita de fatos simples da campanha eleitoral –, não se pode reputar equivalente ao rito de ampla dilação probatória do art. 22 LC no 64/90 – destinado, na generalidade dos casos, à decisão sobre fatos de complexidade incomparavelmente maior: se esse último – o da ampla investigação judicial – é o parâmetro da satisfação da garantia do devido processo legal, para o fim de pré-constituir prova para impugnar a diplomação do eleito, não é lícito substituí-lo pela decisão do primeiro, sem implicar cerceamento de defesa’.
14. E a jurisprudência deste egrégio Tribunal Superior Eleitoral, é pacífica no sentido de que o abuso do poder econômico ou político deve ser apurado na investigação judicial e não no processo de registro da candidatura. Citamos aqui, a propósito, os seguintes precedentes:
‘Registro de candidatura. Inelegibilidade – abuso de poder econômico. Lei Complementar no 64/90. O processo de registro não é adequado para apuração da causa de inelegibilidade consubstanciada no abuso de poder econômico. Haja vista a existência de procedimento específico, conforme se depreende do art. 22 da Lei Complementar no 64/90. Recurso a que se negou provimento’ (acórdão proferido no Recurso Ordinário no 92, relator o Ministro Eduardo Alckmin, publicado em sessão, data 5.9.98 – doc. no 5).
‘Registro de candidato. Inelegibilidade, abuso de poder econômico. LC no 64/90, art. 1o, I, alínea d. A impugnação ao pedido de registro de candidatura, fundada em abuso de poder econômico, deve vir instruída com decisão da Justiça Eleitoral, com trânsito em julgado, sendo inadmissível a apuração dos fatos no processo de registro. Recurso ordinário desprovido’ (Acórdão no 11.346, de 31.8.90, rel. Min. Célio Borja, RJTSE 2(3)).
‘Registro de candidatura. Impugnação. Abuso de poder econômico. Inelegibilidades previstas no art. 1o, inciso I, letras h e i, da Lei Complementar no 64, de 1990. I – No caso, o juiz relator do feito decidiu que a competência para apurar o alegado abuso do poder econômico é do corregedor, nos termos do art. 22 da Lei Complementar no 64, de 1990, tendo permanecido incorrida a sua decisão. II – Ademais, segundo se depreende do art. 1o, I, d, da Lei Complementar no 64, de 1990, o processo de registro é inadequado para apuração da causa de inelegibilidade consubstanciada no abuso de poder econômico. III – Finalmente, inocorrem as causas de inelegibilidade, previstas no art. 1o, inciso I, h, e i, da citada lei complementar, porquanto o acórdão recorrido faz convincente demonstração de que o recorrido, após 30 de abril do corrente ano, não exerceu cargo de direção nas empresas indicadas pelo recorrente, bem como da inexistência de condenação criminal capaz de provocar inelegibilidade. IV – Recurso não conhecido quanto ao abuso de poder econômico desprovido quanto ao mais.’ (Acórdão no 12.085, relator o Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, publicado em sessão no dia 5.8.94.)
‘Registro de candidatura. Inelegibilidade. Abuso de poder econômico. LC no 64/90. O processo de registro não é adequado para apuração da causa de inelegibilidade consubstanciada no abuso de poder econômico, haja vista a existência de procedimento específico. Conforme se depreende do art. 22 da LC no 64/90. Recurso a que se negou provimento’ (Acórdão no 92, de 4.9.98 – RO no 92 – Classe 27a/PR, relator o Ministro Eduardo Alckmin).
15. Ante o exposto, e pelas as razões aduzidas, o Ministério Público Eleitoral opina no sentido do provimento dos recursos ordinários, a fim de extinguir o processo sem julgamento de mérito” (sic).
VI – Na espécie, trouxe a impugnante, ora recorrida, elementos tentando demonstrar abuso de poder realizado pelo governador, candidato à reeleição, fatos esses, todavia, não susceptíveis de discussão na via da ação de impugnação de registro de candidatura, como exposto supra.
VII – Pelo exposto, dou provimento aos dois recursos, extinguindo a impugnação, sem julgamento do mérito, por imprópria a via eleita.
VIII – Por outro lado, no que concerne ao processo de registro de candidatura, não existindo nos autos nenhuma outra argumentação capaz de obstar o registro, e tendo em vista a certidão de regularidade dos documentos, nos termos do art. 35 da Resolução-TSE no 20.993/2002 (fl. 12), defiro o registro da candidatura de Jorge Ney Viana Macedo Neves, ao cargo de governador.
VOTO
O SENHOR MINISTRO BARROS MONTEIRO: Senhor Presidente, estou inteiramente de acordo com o eminente relator, na linha da jurisprudência desta Corte.
Defiro o registro.
VOTO
O SENHOR MINISTRO FERNANDO NEVES: Senhor Presidente, peço vênia ao eminente relator para discordar de S. Exa. em relação à inviabilidade de apuração de abuso de poder econômico ou de autoridade em impugnação a pedido de registro.
Quando julguei o Recurso Ordinário no 61, do Paraná, admiti que fatos ocorridos antes do pedido de registro de candidatura fossem examinados no momento desse registro. Invoquei, naquela oportunidade, a decisão deste Tribunal no Recurso Especial Eleitoral no 12.676, de Goiânia, relator para o acórdão o Senhor Ministro Ilmar Galvão, de cujo voto destaquei a seguinte passagem:
“Não obstante a LC no 64/90 não haja sido expressa a respeito, é fora de dúvida que a impugnação ao registro, além da argüição de inelegibilidade, pode ser feita mediante alegação de abuso do poder econômico ou político, praticado em detrimento da liberdade de voto, antes da convenção partidária ou do registro”.
Além disso, o art. 25 da Lei Complementar no 64/90 tipifica crime “a impugnação de registro de candidato feito por interferência do poder econômico, desvio ou abuso do poder de autoridade, deduzida de forma temerária ou de manifesta má-fé”, o que significa que, em tese, é possível que a impugnação ao pedido de registro tenha por base alegação de abuso do poder econômico ou de autoridade.
Quanto às nulidades apontadas pelo recorrente, tenho-as por patentes, mas penso que podem ser desconsideradas, pois, no mérito, entendo não assistir razão ao acórdão recorrido, por não vislumbrar, no fato apontado, nenhuma conotação eleitoral. Trata-se, como informado pelo eminente ministro relator, da existência, na propaganda institucional do estado, por todo o período da atual administração, de uma pequena árvore estilizada e os dizeres “Acre: Governo da Floresta”. Não vejo nesse slogan, nenhuma conotação eleitoral.
Essa situação difere da que se apresentou na Representação no 57, que apreciei em 1998, em que na propaganda institucional do governo federal constava a expressão “Brasil em Ação”, título de um projeto desenvolvido pela administração de então.
Com base nessas considerações e destacando que o caso, como posto, não é de inelegibilidade, mas de abuso do poder político, que tenho por não verificado, conheço e dou provimento ao recurso para, embora por motivo diverso daquele invocado pelo eminente relator, julgar improcedente a impugnação e deferir o registro.
VOTO
O SENHOR MINISTRO LUIZ CARLOS MADEIRA: Senhor Presidente, sou sensível às ponderações do Ministro Fernando Neves, mas gostaria de dizer que nos termos postos não temos outra forma de enquadrar a inelegibilidade senão na alínea d do inciso I do art. 1o da Lei Complementar no 64/90, que, expressamente, exige o trânsito em julgado da decisão condenatória.
Acompanho o relator.
VOTO
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE: Senhor Presidente, o drama da antigüidade leva a isso. Fui provocado por um parecer acolhido pelo Tribunal no Recurso no 6.331, por ocasião da eleição da Assembléia Nacional Constituinte, em 1986.
Nele sustentei longamente, com os constrangimentos pessoais que a personagem me causava, a possibilidade do indeferimento do registro de candidato contra o qual se fizera prova inequívoca de que, desde muito antes das eleições, iniciara a sua campanha para senador pela distribuição de alimentos e pela propaganda em jornal que adquirira.
Defendi, àquela época, a possibilidade de a causa de inelegibilidade ser motivo de impugnação ao registro. Mas de logo recordo que estávamos sob a vigência da Lei Complementar no 5/70, na qual a alínea l, aplicada pelo Tribunal Regional Eleitoral em acórdão confirmado pelo TSE, declarava inelegível:
“os que tenham comprometido, por si ou por outrem, mediante abuso do poder econômico, de ato de corrupção ou de influência no exercício de cargo ou função da administração, direta ou indireta, ou de entidade sindical, a lisura ou a normalidade da eleição, ou venham a comprometê-la, pela prática dos mesmos abusos, atos ou influências”.
As razões pelas quais sustentei ainda naquela época, longamente, a possibilidade do indeferimento do registro mediante a dilação probatória prevista na Lei Complementar no 5/70, art. 7o e seguintes, estão publicadas em Pareceres do Procurador-Geral da República – 1985/1987.
Havia uma causa de inelegibilidade por abuso do poder econômico e toda a discussão era se esse comprometimento da lisura ou da normalidade de eleição poderia dizer respeito também a eleição a aferir-se. E se concluiu que sim.
A Lei Complementar no 64/90 ao contrário, na alínea d do art. 1o, deu nova contextura a essa cláusula de inelegibilidade e declarou:
“inelegíveis aos que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, transitada em julgado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 3 (três) anos seguintes”.
Por isso, há poucos dias, ao julgarmos a série de recursos relativos ao Sr. Max Mauro Filho, prefeito de Vila Velha, acentuei que, na lei vigente, a causa de inelegibilidade não estava no abuso, mas no trânsito em julgado da decisão que julgava procedente a representação.
Por isso, encontro dificuldades não de ordem processual, porque ainda é prevista na Lei Complementar no 64/90 uma dilação probatória à impugnação ao pedido de registro, mas de natureza substancial – uma vez que o suposto normativo da inelegibilidade é o trânsito em julgado da procedência da representação – para admitir, no processo de registro, a apuração do abuso.
Bastam-me, pois, para o provimento do presente recurso, os fundamentos do voto do eminente Ministro Sálvio de Figueiredo.
Mas, se assim não fosse, não tenho dúvidas em subscrever os argumentos do Ministro Fernando Neves, para acompanhá-lo quanto à questão de fundo. Nego provimento ao recurso, e desde logo, defiro o registro.
VOTO
A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE: Senhor Presidente, acompanho integralmente o eminente relator.
VOTO
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM (presidente): Acompanho o relator e observo que tem razão o Ministro Sepúlveda Pertence quando, em relação ao art. 3o, no que diz respeito à impugnação do registro, refere-se a situações anteriores, ou seja, a decisão é declaratória de um estado anterior, reconhecendo uma situação de fato que eventualmente deva ser provada – parentesco ou coisa parecida –, mas declara uma situação de fato.
Ao passo que a impugnação, para investigação judicial, é para reconhecer situação ainda não provada.
Ou seja, ela tem natureza constitutiva.
Tanto tem natureza constitutiva que a situação de ser inelegível vem da decisão e não da situação de fato; já no art. 3o ela é declaratória da circunstância de parentesco e a inelegibilidade se dava no parentesco.
Quanto ao mérito, não vejo absolutamente nada de abuso do poder econômico.
EXTRATO DA ATA
RO no 593 – AC. Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo – Recorrente: Procuradoria Regional Eleitoral do Acre – Recorrentes: Jorge Ney Viana Macedo Neves e outros (Advs.: Drs. Gomercindo Clóvis Garcia Rodrigues, José Antônio Dias Toffoli e outros) – Recorrida: Coligação Movimento Democrático Acreano (PMDB/PSDB/PPB/PFL/PST) (Advs.: Drs. Ruy Alberto Duarte, Gastão de Bem e outros).
Usaram da palavra, pelos recorrentes Jorge Ney Viana Macedo Neves e outros, o Dr. José Antônio Dias Toffoli e, pela recorrida, o Dr. Gastão de Bem.
Decisão: O Tribunal, por maioria, vencido o Ministro Fernando Neves quanto à inadequação da via eleita, deu provimento aos recursos, por unanimidade, para deferir o registro da candidatura do governador, nos termos do voto do relator.
Presidência do Exmo. Sr. Ministro Nelson Jobim. Presentes os Srs. Ministros, Sepúlveda Pertence, Ellen Gracie, Sálvio de Figueiredo, Barros Monteiro, Fernando Neves, Luiz Carlos Madeira e o Dr. Paulo da Rocha Campos, vice-procurador-geral eleitoral.
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