Por Gláucia Milício e Márcio Chaer
O Judiciário decidiu, definitivamente, que o ex-secretário-geral da Presidência da República, Eduardo Jorge Caldas Pereira, deve ser reparado pela Editora Abril, por ofensas praticadas pela revista Veja há mais de quatro anos. Mas, paradigma das mudanças vertiginosas recentes na Justiça brasileira, esse direito poderá ser extinto. Como tem acontecido com frequência, dois entendimentos do mesmo tribunal terão que passar pelo crivo dos ministros do Supremo Tribunal Federal para se saber qual prevalecerá.
Um é que a coisa julgada — ou seja, a matéria decidida finalmente, com trânsito em julgado — não pode ser desfeita. Outra tem a ver com o acórdão publicado nessa sexta-feira (6/11), sobre o julgamento da ADPF 130. No caso, os ministros definiram que a Lei de Imprensa (que, na época, favoreceu Eduardo Jorge), não foi recepcionada pela Constituição de 1988. Ou seja: a lei é inconstitucional. Raciocínio lógico: se o direito reconhecido ao autor é inconstitucional, ele não poderá ser executado. O efeito da decisão do Supremo, no caso, é ex-tunc. Os seus efeitos são retroativos à época da origem dos fatos.
Essa fundamentação também faz parte da Reclamação levada ao STF pelos advogados Alexandre Fidalgo e Lourival J. Santos, que representam a Editora Abril. Na mesma sexta-feira em que se publicou o acórdão, o mesmo ministro que relatou a inconstitucionalidade da lei, Carlos Ayres Britto, concedeu liminar a favor da imprensa para suspender a publicação da sentença condenatória na revista.
Foi a primeira manifestação do STF depois da clamorosa decisão contra a lei especial que regia os direitos e obrigações do jornalismo brasileiro. Aparentemente simples, a decisão adotada em abril deste ano deixou pendências óbvias dadas a extensão e a complexidade das questões envolvidas — a maior parte opondo liberdade de expressão e direito à proteção da imagem e privacidade. Uma delas é sobre a data a partir da qual a decisão no caso da ADPF produz efeitos.
O recente acórdão esclarece isso: a Lei de Imprensa não foi recebida pela Constituição, logo, é mesmo inconstitucional desde outubro de 1988. No caso de Eduardo Jorge, no affair que divide a Veja e o reclamante, a revista entra com a desvantagem de enfrentar coisa julgada. Mas tem a seu favor a realidade: a sentença ainda não foi publicada na revista, como determinou o juiz de primeira instância e confirmaram seus colegas nos tribunais.
Efeitos da decisão
Britto diz na liminar que, embora os princípios de liberdade de imprensa e de direito a personalidade não tenham hierarquia, primeiro vem o da liberdade e depois o direito à honra. Para decidir, o ministro relator estudou o que disseram os grandes pensadores a respeito da importância da liberdade de expressão nos séculos XVI e XVII para concluir, ao seu jeito poético, que “ter o passado diante dos olhos para se aprimorar é uma virtude, mas que colocar o passado adiante da concepção civilizatória em vigor é vexatório e vergonhoso”.
O relator chama a atenção para os incisos do artigo 5º em que se fixa ser “livre” a manifestação do pensamento que, no artigo 220, converte-se em liberdade “plena” — reforçando a noção de que não se pode cercear a imprensa.
Contudo, Britto ressalva que a eliminação de controvérsias a respeito do assunto ainda pedirá alguns anos de reflexão e “enxugamento”. A declaração de inconstitucionalidade pode não sepultar automaticamente processos baseados na Lei de Imprensa, por exemplo, quando o delito em questão estiver capitulado em outros diplomas, como o Código Penal ou a própria Constituição.
A solução, ensinada pelo próprio ministro, é o instrumento da Reclamação (utilizada pela defesa da Editora), que pode ser apresentada diretamente ao STF para denunciar o desrespeito à decisão na ADPF 130 ou Embargos de declaração para clarear interpretações para casos concretos controversos.
A detalhada ementa produzida pelo relator Carlos Britto na ADPF 130 manda um recado para as instâncias de base, que se justifica pela resistência de grande parte da magistratura em admitir a liberdade de expressão como um valor a ser preservado. A decisão é um divisor de águas, já que uma nova cultura vai ser implantada. Juízes de primeiro grau e tribunais terão de ter a percepção de que novos instrumentos processuais estão à disposição das partes.
Com isso, é possível diagnosticar que, no caso do Estadão, envolvendo o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney, o primeiro ministro que receber a Reclamação vai suspender a censura. Ou seja, nem a lei nem o juiz podem decidir o que se pode ou não falar.
Histórico
No caso Eduardo Jorge, a Justiça condenou a Abril a pagar um determinado valor a título de dano moral e determinou, com base no artigo 75 da Lei de Imprensa, que fosse publicado na revista impressa e veiculado no site de Veja a sentença transitada em julgado. O valor referente à indenização já foi cumprido pela Abril, e Eduardo Jorge busca executar a publicação de sentença.
O juiz de primeira instância, agora na fase de cumprimento de sentença, determinou a intimação pessoal da Abril para o cumprimento da publicação da sentença. Eduardo Jorge interpôs Agravo de Instrumento para o TJ-DF, sustentando que bastaria a intimação aos advogados constituídos, via imprensa oficial, para que a Abril cumprisse a ordem.
O TJ-DF, em tutela antecipada recursal, determinou que a Abril publicasse a sentença. Os advogados da Abril pediram reconsideração, que não foi aceita. Por fim, os advogados recorreram ao Supremo com a Reclamação. Sustentaram que o TJ-DF, ao determinar a publicação de sentença violou orientação do Supremo referente a Lei de Imprensa, já que tinha declarado a lei inconstitucional.
“Se o STF declarou a invalidade jurídica da Lei, desde 1988 ela não poderia ser aplicada. Portanto, todo comando judicial sustentado na referida Lei deve ser declarado inexigível. Ou seja, a sentença que Eduardo Jorge busca executar é, no capítulo de publicação de sentença (artigo 75 da falecida Lei 5250/67), inexigível à luz do atual sistema jurídico".
Por isso, o ministro Ayres Brito concedeu a liminar na reclamação para que sejam sobrestados os efeitos da decisão do TJ-DF.
Um é que a coisa julgada — ou seja, a matéria decidida finalmente, com trânsito em julgado — não pode ser desfeita. Outra tem a ver com o acórdão publicado nessa sexta-feira (6/11), sobre o julgamento da ADPF 130. No caso, os ministros definiram que a Lei de Imprensa (que, na época, favoreceu Eduardo Jorge), não foi recepcionada pela Constituição de 1988. Ou seja: a lei é inconstitucional. Raciocínio lógico: se o direito reconhecido ao autor é inconstitucional, ele não poderá ser executado. O efeito da decisão do Supremo, no caso, é ex-tunc. Os seus efeitos são retroativos à época da origem dos fatos.
Essa fundamentação também faz parte da Reclamação levada ao STF pelos advogados Alexandre Fidalgo e Lourival J. Santos, que representam a Editora Abril. Na mesma sexta-feira em que se publicou o acórdão, o mesmo ministro que relatou a inconstitucionalidade da lei, Carlos Ayres Britto, concedeu liminar a favor da imprensa para suspender a publicação da sentença condenatória na revista.
Foi a primeira manifestação do STF depois da clamorosa decisão contra a lei especial que regia os direitos e obrigações do jornalismo brasileiro. Aparentemente simples, a decisão adotada em abril deste ano deixou pendências óbvias dadas a extensão e a complexidade das questões envolvidas — a maior parte opondo liberdade de expressão e direito à proteção da imagem e privacidade. Uma delas é sobre a data a partir da qual a decisão no caso da ADPF produz efeitos.
O recente acórdão esclarece isso: a Lei de Imprensa não foi recebida pela Constituição, logo, é mesmo inconstitucional desde outubro de 1988. No caso de Eduardo Jorge, no affair que divide a Veja e o reclamante, a revista entra com a desvantagem de enfrentar coisa julgada. Mas tem a seu favor a realidade: a sentença ainda não foi publicada na revista, como determinou o juiz de primeira instância e confirmaram seus colegas nos tribunais.
Efeitos da decisão
Britto diz na liminar que, embora os princípios de liberdade de imprensa e de direito a personalidade não tenham hierarquia, primeiro vem o da liberdade e depois o direito à honra. Para decidir, o ministro relator estudou o que disseram os grandes pensadores a respeito da importância da liberdade de expressão nos séculos XVI e XVII para concluir, ao seu jeito poético, que “ter o passado diante dos olhos para se aprimorar é uma virtude, mas que colocar o passado adiante da concepção civilizatória em vigor é vexatório e vergonhoso”.
O relator chama a atenção para os incisos do artigo 5º em que se fixa ser “livre” a manifestação do pensamento que, no artigo 220, converte-se em liberdade “plena” — reforçando a noção de que não se pode cercear a imprensa.
Contudo, Britto ressalva que a eliminação de controvérsias a respeito do assunto ainda pedirá alguns anos de reflexão e “enxugamento”. A declaração de inconstitucionalidade pode não sepultar automaticamente processos baseados na Lei de Imprensa, por exemplo, quando o delito em questão estiver capitulado em outros diplomas, como o Código Penal ou a própria Constituição.
A solução, ensinada pelo próprio ministro, é o instrumento da Reclamação (utilizada pela defesa da Editora), que pode ser apresentada diretamente ao STF para denunciar o desrespeito à decisão na ADPF 130 ou Embargos de declaração para clarear interpretações para casos concretos controversos.
A detalhada ementa produzida pelo relator Carlos Britto na ADPF 130 manda um recado para as instâncias de base, que se justifica pela resistência de grande parte da magistratura em admitir a liberdade de expressão como um valor a ser preservado. A decisão é um divisor de águas, já que uma nova cultura vai ser implantada. Juízes de primeiro grau e tribunais terão de ter a percepção de que novos instrumentos processuais estão à disposição das partes.
Com isso, é possível diagnosticar que, no caso do Estadão, envolvendo o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney, o primeiro ministro que receber a Reclamação vai suspender a censura. Ou seja, nem a lei nem o juiz podem decidir o que se pode ou não falar.
Histórico
No caso Eduardo Jorge, a Justiça condenou a Abril a pagar um determinado valor a título de dano moral e determinou, com base no artigo 75 da Lei de Imprensa, que fosse publicado na revista impressa e veiculado no site de Veja a sentença transitada em julgado. O valor referente à indenização já foi cumprido pela Abril, e Eduardo Jorge busca executar a publicação de sentença.
O juiz de primeira instância, agora na fase de cumprimento de sentença, determinou a intimação pessoal da Abril para o cumprimento da publicação da sentença. Eduardo Jorge interpôs Agravo de Instrumento para o TJ-DF, sustentando que bastaria a intimação aos advogados constituídos, via imprensa oficial, para que a Abril cumprisse a ordem.
O TJ-DF, em tutela antecipada recursal, determinou que a Abril publicasse a sentença. Os advogados da Abril pediram reconsideração, que não foi aceita. Por fim, os advogados recorreram ao Supremo com a Reclamação. Sustentaram que o TJ-DF, ao determinar a publicação de sentença violou orientação do Supremo referente a Lei de Imprensa, já que tinha declarado a lei inconstitucional.
“Se o STF declarou a invalidade jurídica da Lei, desde 1988 ela não poderia ser aplicada. Portanto, todo comando judicial sustentado na referida Lei deve ser declarado inexigível. Ou seja, a sentença que Eduardo Jorge busca executar é, no capítulo de publicação de sentença (artigo 75 da falecida Lei 5250/67), inexigível à luz do atual sistema jurídico".
Por isso, o ministro Ayres Brito concedeu a liminar na reclamação para que sejam sobrestados os efeitos da decisão do TJ-DF.
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