Pular para o conteúdo principal

O Ladrão Parisiense


Roberto Delmanto

Depois de conhecermos a Escandinávia - região de belíssima natureza, com padrão e equilíbrio sociais invejáveis - eu, minha mulher e minha filha fomos a Paris, a eterna cidade luz.

Certa noite, por volta das 23 horas, após jantarmos na avenida Champs Elysées, caminhávamos a pé em direção ao nosso hotel, situado nas proximidades. A noite quente de verão, a farta iluminação e as centenas de pessoas que circulavam por ali nos davam a sensação de segurança.

Próximos à praça da Etóile, coração da cidade, na faixa de pedestres de um cruzamento, adverti minha mulher e minha filha de que o farol estava fechado para nós. Nesse instante, um rapaz com sotaque italiano repetiu: "fechado", perguntando se éramos brasileiros.

Ante minha resposta positiva, atravessou a faixa conosco e, caminhando ao nosso lado, passou a falar dos jogos de futebol ocorridos entre o Brasil e a Itália. Ao fazê-lo, simulando que estávamos disputando a posse da bola, por três vezes encostou sua perna na minha.

Na terceira vez, ainda sem nada suspeitar, mas já incomodado, disse-lhe: "agora basta". Ele, então, pediu-me algum dinheiro para comprar um maço de cigarros e um bilhete de metrô. Disse-lhe que não tinha.

Ele, então, me indagou num misto de italiano e português: "não vai dar nada?". E, em seguida, estendendo a mão direita, mostrou a minha carteira, que ele havia surrupiado sem que eu notasse, devolvendo-a espontaneamente. Bateu levemente com a mão nas minhas costas e se despediu sorrindo. Ao conferir a carteira, verifiquei que nada faltava, nem os euros, nem os cartões de crédito...

Ficou, então, a dúvida: tratava-se mesmo de um ladrão que, simpatizando comigo, desistiu de consumar o furto? Ou se tratava de alguém com a maestria daqueles mágicos que nos convidam a subir ao palco para auxiliá-los e que, depois, ao agradecer-nos, mostram que nos haviam tirado, sem que tivéssemos percebido, carteira, relógio, pulseira e outros objetos?

Na primeira hipótese, não teria ele praticado qualquer crime segundo a lei brasileira, que no art. 15 do Código Penal, sob a rubrica desistência voluntária, prevê: "o agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução... só responde pelos atos já praticados", os quais, naquele episódio, foram simples toques na minha perna, sem qualquer relevância penal. Haveria exclusão da punibilidade, tratando-se da chamada ponte de ouro dos doutrinadores alemães ou ponte de prata dos argentinos, que por razões de política criminal ou, mais modernamente, como um prêmio, beneficia aquele que, voluntariamente, desiste de consumar o crime cuja execução iniciara.

Na outra hipótese, de uma simples brincadeira, com demonstração de extrema habilidade (no primeiro toque em minha perna, para distrair-me, deve ter levantado meu paletó localizando a carteira no bolso trazeiro da calça; no segundo toque, aberto o botão do bolso; e, no terceiro, retirado a carteira), seria um fato penalmente atípico.

De qualquer forma, o ocorrido - absolutamente inusitado - acabou gerando esta crônica...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os Farrapos dos olhos azuis

Cláudio Ribeiro - Demitri Túlio, do Jornal O Povo, de Fortaleza A íris clara, azulzíssima em muitos deles, é a digital do povo Farrapo. Também é da identidade a pele branca avermelhada, carimbada pelo sol forte que não cessa em Sobral. Isso mais entre os que vivem na zona rural. Gostam de exaltar o sobrenome. É forte. Farrapo não é apelido. Não são uma etnia, mas são tratados assim. São “da raça dos Farrapos”, como nos disse quem os indicou a procurá-los. Os Farrapos têm história a ser contada. Praticaram a endogamia por muito tempo. Casamentos em família, entre primos, mais gente do olho azul de céu que foi nascendo e esticando a linhagem. Sempre gostaram de negociar, trocar coisa velha. São um pouco reclusos. Vivem sob reminiscências de judaísmo. Há estudo disso, mas muito ainda a ser (re)descoberto. Os Farrapos são citados, por exemplo, no livro do padre João Mendes Lira, Presença dos Judeus em Sobral e Circunvizinhanças e a Dinamização da Economia Sobralense em Função do Capital Ju...

Astronomia: Milhares de cometas escuros podem colidir com a Terra

Da Lusa - Agência de Notícias de Portugal Londres, (Lusa) - Milhares de cometas que circulam no sistema solar podem ser um perigo para a Terra, por serem indetectáveis, o que dificulta a antecipação de um eventual impacto, alertaram quarta-feira vários astrónomos britânicos. São cerca de três mil os cometas que circulam no sistema solar e apenas 25 podem ser avistados a partir da Terra, lê-se no artigo da revista "New Scientist", assinado por Bill Napier, da Universidade de Cardiff, e por David Asher, astrónomo do Observatório da Irlanda do Norte. "Devemos alertar para o perigo invisível mas significativo que são os cometas escuros", dizem os astronómos, explicando que um cometa fica escuro quando perde a cola brilhante. Desprovido desta substância, "o trajecto de um cometa que esteja em rota de colisão com o planeta Terra pode passar despercebido ao telescópio", afirmam Napier e Asher. Nos últimos séculos, o cometa de que há registo de ter passado mais pr...

Resistência civil pelo velho horário

Em 31 de outubro de 2010, durante o segundo turno, 56,87% dos eleitores acreanos, em referendo, rejeitaram a Lei 11.662, que alterou o fuso horário do Estado. Em 14 de dezembro de 2010, os ministros do Tribunal Superior Eleitoral decidiram homologar o resultado. Na ocasião, o TSE entendeu que os próximos passos para definir os procedimentos da mudança não caberiam à Corte Eleitoral. O problema foi então transferido para o Senado Federal, onde vem recebendo forte lobby da Rede Globo de Televisão e da ABERT (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão), que já ameaçam, inclusive, acionar a justiça para que a decisão soberana do Povo do Acre não se efetive (veja aqui... ) Tais atos, desrespeitosos e ofensivos à soberania popular acreana, não podem ser admitidos. Por isso, com base na regra constitucional que diz que “Todo poder emana do povo” , convocamos todos a iniciarem um grande ato de resistência civil em defesa da soberania da decisão popular que rejeitou a Lei 11.66...