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Leilão de precatórios é ilegal e deve ser contestado no STF

DCI

SÃO PAULO - Aprovada pelo plenário da Câmara dos Deputados na semana passada, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que altera as regras de pagamento dos precatórios pode ser alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), ajuizada no Supremo Tribunal Federal (STF), caso seja aprovada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Isso porque, de acordo com o novo texto, fica permitido que estados e municípios realizem um leilão no qual o credor poderá propor descontos para receber o dinheiro sem seguir a ordem de emissão dos precatórios.

"Chamamos essa modalidade de 'leilão da miséria' porque é o leilão de quem aceitar receber menos, quem tiver maior deságio", afirma o especialista em precatórios Nelson Lacerda, do Lacerda e Lacerda Advogados.

O leilão funcionará de maneira inversa ao formato tradicional, em que os lances elevam o preço inicial. Nele, os lances vão reduzir o valor a ser pago pelo Estado. O credor oferecerá descontos para receber antecipadamente o precatório sem precisar enfrentar a ordem cronológica. Segundo Lacerda, o leilão para precatórios fere o artigo 100 da Constituição Federal brasileira, cujo texto de lei afirma que "à exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios".

"O leilão, da forma como previsto na PEC, deixa o governo em posição favorável, já que a negociação acontece apenas com ele. O credor negocia com um único devedor. É uma situação leonina, cruel", afirma o advogado e membro da comissão de precatórios da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) Gustavo Viseu, sócio da banca Viseu Advogados. "A quebra da ordem cronológica fere a constituição", completa Lacerda.

Só no Estado de São Paulo, a venda de precatórios gera um deságio de 80%. No entendimento de Gustavo Viseu, se aprovada a modalidade do leilão, esse percentual deve atingir o patamar dos 95%. "Há um risco de os credores receberem apenas 5% ou 10% dos valores de face dos precatórios", sinaliza. O presidente nacional da OAB, Cezar Britto, reagiu contra a aprovação pela Câmara dos Deputados, em segundo turno, por 338 votos a 77, da PEC dos precatórios. "Ela introduz o calote na ordem jurídica e o maior atentado já perpetrado à democracia desde a ditadura militar", disse.

Livres

Além dessa negociação, estados e municípios que realizarem pagamentos de precatórios por meio desse regime especial, ficam livres de sofrer sequestro de seus recursos - mecanismo usado quando a Justiça determina, ao banco, a reserva de valores para a quitação da dívida. Isso só poderá ocorrer se os percentuais de recursos da receita não forem liberados a tempo.

"Essas alterações só favoreceram estados e municípios", afirma Viseu. "O estado vai estar protegido e blindado pela própria lei. Isso demonstra o grau de contaminação do poder público", completa Lacerda. A PEC também autoriza que estados e municípios limitem o pagamento mensal de precatórios a percentuais de sua receita corrente líquida enquanto o valor total a pagar for superior aos recursos vinculados por meio desses índices. De forma alternativa, eles poderão adotar, por 15 anos, cálculos semelhantes, em base anual, para encontrar os valores a pagar segundo o total de precatórios devidos.

Não há instrumento jurídico para evitar a aprovação da conhecida PEC dos precatórios. Assim, a matéria deve ser votada também em dois turnos pelo Senado e, na sequência, segue para as mãos do presidente Lula, para aprovação ou rejeição. Só então algo pode ser feito. "Pode ser ajuizada uma Adin no Supremo contra a lei, mas temos que esperar, para tanto, o projeto virar lei", explica Gustavo Viseu.

Para os especialistas ouvidos pela reportagem, a aprovação pelo Senado deve acontecer ainda neste ano. "Tudo é aprovado na calada da noite. Não acharia estranho se fosse aprovado desta forma para ser sancionado ainda neste ano", prossegue Viseu. "Se o Senado aprovar sem mudança, ficará provado que o circo estava armado. Tudo já estava negociado com governos e prefeituras. Já fizemos manifestações públicas contra os termos da PEC, mas nada muda ", alfineta Lacerda. O DCI entrou em contato com a Associação Brasileira de Municípios (ABM), mas ninguém retornou até o fechamento da edição.


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