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Publicação de decisão na mídia foi sepultada

Por Marina Ito

A publicação integral da sentença no mesmo veículo que promoveu a ofensa à parte não se confunde com o direito de resposta. Enquanto o direito de resposta pode encontrar respaldo em outros dispositivos legais, a publicação da decisão era prevista pela Lei de Imprensa, que não foi recepcionada pela Constituição de 1988. Esse entendimento já consta de uma decisão no Superior Tribunal de Justiça, assinada pela ministra Nancy Andrighi. Ela negou, nesta terça-feira (15/12), recurso de um homem que se disse ofendido por reportagem do jornal Estado de Minas. Ele queria que o jornal publicasse a sentença que o condenou ao pagamento de indenização por danos morais.
Ao analisar os dispositivos do Código Civil, a ministra constatou que no que se refere à reparação de danos, não há previsão de publicação da decisão. “De nenhuma dessas normas [artigo 1.547, do CC/16 e artigo 953, do CC/02] se extrai o direito à publicação, na íntegra, da sentença no veículo que promoveu a ofensa. Trata-se, portanto, de providência que tinha, exclusivamente, seu fundamento na Lei de Imprensa, hoje não recepcionada”, escreveu ela em seu voto.
Para a ministra, apenas uma nova Lei de Imprensa poderia assegurar a faculdade de pedir a publicação de decisões cíveis ou criminais em processos contra a imprensa. Diferentemente do direito de resposta, que pode ser pedido com base em outros dispositivos legais.
A ministra entende que, embora a publicação da decisão permita uma maior reparação do dano de imagem, não é possível impor a obrigação se não há previsão para tanto. “Abrir-se tal precedente permitira que, no futuro, qualquer ato de injúria, independentemente de sua prática por veículo de imprensa, ou qualquer ato privado que implique lesão ao direito à imagem (como o apontamento indevido de título a protesto, a reprodução indevida de marca etc), fosse punido, pelo juízo cível, com a imposição de pedidos públicos de desculpas, publicação de retratação em pequenos periódicos e assim por diante”, disse. A ministra afirmou, ainda, que “seria temerário permitir, sem lei prévia, que toda essa amplitude fosse extraída da mera interpretação da regra geral contida nos arts. 159 do CC/16, 189 e 944 do CC/02”.
A ministra lembrou, ainda, da discussão que chegou ao Supremo Tribunal Federal sobre a publicação de sentença que condenou a revista Veja a indenizar o ex-secretário-geral da presidência da República no governo Fernando Henrique. Conforme noticiou a revista Consultor Jurídico, o ministro Ayres Britto, do STF, concedeu liminar para suspender a publicação da decisão na revista.
A ministra diferenciou o direito de resposta da publicação de sentença. Explicou que não era apenas a Lei de Imprensa que previa, em seus artigos 29 e 36, o instituto do direito de resposta. Ela afirmou que o artigo 58 da Lei 9.504/97 também o prevê.
“Trata-se do direito conferido ao ofendido de esclarecer, de mão própria, no mesmo veículo de imprensa, os fatos divulgados a seu respeito na reportagem questionada. Consubstancia, assim, uma oportunidade de o particular apresentar a sua versão da notícia ao público.” Ela citou o caso do Reino Unido, em que há previsão, no Defamation Act, de 1996, de elaboração de “um texto de desagravo pelo próprio ofensor, a ser aprovado pelo ofendido”.
Já a publicação de sentença, explica Andrighi, não tem como objetivo assegurar o direito do ofendido de divulgar sua versão dos fatos. A intenção é fazer com que o público saiba da existência e da decisão judicial sobre a questão. “Tanto que, consoante defende a doutrina que se debruçou ao estudo do assunto, a publicação da sentença determinada pela antiga Lei de Imprensa seria cabível, tanto no caso de procedência, como no de improcedência do pedido, a pedido do autor ou do réu”, disse.
A ministra explicou, também, que, antes da decisão do Supremo Tribunal Federal em entender que a Lei de Imprensa não foi recepcionada pela Constituição de 1988, o direito de resposta era reconhecido pelo STJ como uma sanção de natureza penal, enquanto a publicação de sentença era como uma reparação civil.
“É necessário cuidado para que, na prática, não se esvazie o conteúdo da não-recepção da Lei, aplicando-a com roupagem diversa, com fictício fundamento em regras de costumes, em jurisprudência consolidada ou em outra lei, mediante interpretação extensiva”, disse, ainda, a ministra.
Babel de processosO caso do jornal Estado de Minas é um entre vários que estão no Superior Tribunal de Justiça. Em outro processo que se discute a Lei de Imprensa, a ministra Nancy Andrighi explicou as inúmeras questões que serão discutidas nos tribunais superiores em relação ao tema e as possíveis soluções para cada caso.
“É necessário estabelecer, preliminarmente, qual será a postura deste Tribunal diante de todos os processos que tratam da Lei de Imprensa.” A ministra afirma ser possível identificar quatro situações: “(a) Processos em que a Lei de Imprensa foi utilizada como fundamento do acórdão e em que o recurso especial discute a interpretação e a aplicação dessa Lei; (b) Processos em que a Lei de Imprensa foi aplicada e nos quais o recurso pleiteia o afastamento dessa Lei; (c) Processos em que a Lei de Imprensa não foi aplicada pelo Tribunal e o recurso pleiteia que ela incida; (d) Processos em que o acórdão ou o recurso contém duplo fundamento, ou seja: o mesmo resultado foi amparado por dispositivos da Lei Civil e da Lei de Imprensa.”
Nancy Andrighi dá uma solução para cada um desses tipos. Diz ela: “nos processos em que o acórdão aplica a Lei de Imprensa e o recurso especial discute a interpretação dos dispositivos dessa Lei (hipótese "a", acima), é fundamental que o este Tribunal busque, de todas as formas, julgar a causa valendo-se da regra do art. 257 do RI/STJ, com a aplicação do direito à espécie, inclusive com mitigação do óbice do prequestionamento”
Já “em hipóteses excepcionais, em que, por peculiaridades específicas de cada processo, isso não seja possível, a única medida justa a ser tomada em sede de recurso especial é a de anular o acórdão, ainda que sem pedido formulado nesse sentido, devolvendo-se o processo à origem para que outro acórdão seja proferido, sem a aplicação da Lei não recepcionada.”
Para a ministra, a medida se justifica. “Por um lado, não é possível a este Tribunal uniformizar a interpretação de uma lei que não integra o ordenamento jurídico e, por outro lado, não seria exigível das partes que tivessem consciência da não recepção da lei à época em que foram interpostos os recursos.”
Já em processos em que a Lei de Imprensa foi aplicada e o recurso pede que ela seja afastada, a ministra entende que não é necessário anular a decisão de segunda instância. “O acórdão, portanto, nestas situações, não deve ser anulado, e sim reformado, com o afastamento da Lei de Imprensa.” O mesmo ocorre quando não houve aplicação da lei e o recurso pede que ela seja aplicada. “O recurso especial nesta situação simplesmente não é conhecido, com a manutenção da decisão impugnada, pela simples razão de que não se justifica acolher um recurso que invoca a aplicação de uma lei inválida, contra um acórdão que aplicou uma lei válida”, afirma.
A ministra afirma que é possível estabelecer alguns parâmetros em processos em que foram aplicados fundamentos com base na Lei de Imprensa e em outros dispositivos legais. “Se o duplo fundamento se refere ao mesmo tema e, no recurso especial, apenas a Lei de Imprensa tenha sido abordada no recurso, mantém-se o acórdão recorrido por força do óbice da Súmula 283/STF”, explica.
“Se o duplo fundamento se refere ao mesmo tema e só a parcela da legislação civil for impugnada, conhece-se do recurso especial para discussão desta parcela, descartando-se o fundamento inconstitucional não impugnado, no acórdão.” E, “se o duplo fundamento se refere a temas diversos, aprecia-se a questão caso a caso, anulando-se o acórdão somente se a aplicação da Lei de Imprensa, devidamente impugnada pela parte, comprometer de maneira definitiva o julgamento”.
Ao analisar o recurso da Televisão Bororos Ltda., a ministra se deparou com situação diversa. A TV pediu a aplicação do artigo 53, III, da Lei de Imprensa, em que visava reduzir o valor da indenização por dano moral por ter se retratado no dia seguinte em que veiculou notícia falsa, acusando um homem de ter assassinado três pessoas. O recurso foi apresentado antes da decisão do Supremo sobre a lei.
O Tribunal de Justiça de Mato Grosso não aceitou o recurso da TV. “Essa Lei, portanto, não foi aplicada pelo acórdão, e o recurso pretendia justamente aplicá-la. Nesta situação, o acórdão deve ser mantido, sendo desnecessária, por economia processual, a anulação do julgamento”, disse a ministra Andrighi.
Clique aqui para ler a decisão referente ao Estado de Minas.Clique aqui para ler a decisão referente a TV Bororos.

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