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Lei de improbidade é meio para combater corrupção

Por João Pedro Gebran Neto e Mário Sérgio de Albuquerque Schirmer

O Brasil tem jeito? Assistiremos à construção de uma sociedade mais justa, mais solidária e uma administração pública livre das muitas mazelas? Questionamentos desta ordem são feitos diariamente por muitos brasileiros que tem pressa em ver o país do futuro começar a concretizar suas promessas. Das muitas mazelas, a de mais difícil erradicação é a corrupção, que não apenas mina os recursos públicos, mas principalmente desestimula as pessoas sérias a participar da vida política brasileira.

Com a Constituição Federal de 1988 e sua regulamentação pela Lei de Improbidade Administrativa (LIA) o combate à improbidade administrativa ficou dotado de instrumento apto para responsabilização daqueles que, administrando a coisa pública, deterioram o patrimônio público ou enriquecem ou permitem que outros o façam ilicitamente.

Ocorre que a utilização destes importantes instrumentos de combate à corrupção gerou forte reação por parte daqueles que são suscetíveis à investigação, tais como: o Projeto de Lei 2.961/97 procurou dificultar o combate à corrupção ao tentar instituir foro privilegiado para ações de improbidade e tipificando como abuso de autoridade algumas condutas do Ministério Público, magistrado e até membros do Tribunal de Contas (projeto conhecido como mordacinha, porque veiculado por legislação infraconstitucional com o escopo de silenciar aqueles que tinham dever de coibir a improbidade).

A Proposta da Emenda Constitucional, conhecida como Mordaça, teve o mesmo objetivo, sendo rejeitada pelo Congresso Nacional. A Medida Provisória 2.088-35/00, sob a justificativa de conter “o exibicionismo de membros do MP” e “a banalização da ação de improbidade” criou maior burocracia no processo judicial, instituindo um moroso juízo de prelibação e uma incompreensível reconvenção contra o agente que propõe a ação. Em 2002, um anteprojeto modificando o inquérito civil, sob a premissa de “uso indiscriminado da ACP”, teve por desiderato dificultar tal ação, criando recurso administrativo com efeito suspensivo e submetendo o inquérito civil a rígido controle do Procurador-Geral.

O Projeto de Lei 6.295/02, que resultou na mudança do artigo 84 do CPP, criou foro privilegiado nas ações de improbidade – depois declarado inconstitucional pelo STF (ADI 2.797). Por fim, além das medidas legislativas, o Supremo Tribunal Federal, na Reclamação 2.138 (caso Sardemberg), ao conferir interpretação extra legem ao artigo 3º da LIA, acabou por afastar sua aplicação aos agentes políticos.

De todas as reações, a decisão do Supremo Tribunal Federal é que causa maior estranheza porque proferida por órgão jurisdicional constitucionalmente incumbido de velar pela incidência dos princípios constitucionais, dentre eles a probidade e moralidade administrativa. Ademais, a decisão é sustentada em frágeis argumentos. Como referida decisão não tem foros de definitividade (e a composição daquela Corte já sofreu profunda alteração, tendo alguns dos atuais ministros externado ponto de vista diverso da referida Reclamação) acredita-se que esta orientação inicial venha a ser revertida (sobre tema é bastante elucidativo o voto proferido pelo ministro Joaquim Barbosa na própria reclamação).

Um dos argumentos, ser imprescindível aos agentes políticos liberdade de atuação funcional, é fruto de mera convicção ideológica, não encontrando qualquer ressonância na Carta Política ou na legislação infraconstitucional. Também a eventual inaplicabilidade de algumas sanções aos agentes políticos não constitui fundamento para exclusão integral de uma lei. A previsão específica do artigo 14, parágrafo 3º, da LIA não exclui de sua aplicação os agentes políticos, até porque taxativa a inclusão destes pelos artigos 1º e 2º e 12 da mesma lei. Não há bis in idem na aplicação da LIA e do crime de responsabilidade, pois a separação das instâncias é incontroversa no Direito brasileiro, porque as infrações natureza jurídica diferentes. O argumento que o mandato popular só pode ser retirado por representantes do povo é derrubado pelo artigo 15 da CF, que prevê a condenação criminal e por improbidade como formas de perda ou suspensão dos direitos políticos.

Por outro lado, os fundamentos para aplicação da LIA aos agentes políticos são densos, sendo cristalina a prescrição dos 1º e 2º desta lei aos agentes políticos, inclusive detentores de mandato.

Não fosse o bastante, os princípios democrático e republicano não permitem o privilégio de excluir certas pessoas de responsabilização judicial, especialmente quando sobre estas pessoas recai a obrigação de bem gerir a coisa pública, nos termos e forma do artigo 37 da CF, consoante lição de Paulo Lacerda (Princípios de Direito Constitucional Brasileiro, vol. I/459, item n. 621).

Aliás, a responsabilidade por improbidade acha-se prevista no parágrafo 4º do referido artigo da Lei Maior, ao fixar a responsabilização independentemente da ação penal, inclusive para os agentes políticos, os quais podem ter seus direitos políticos cassados por força de ação ímproba, na forma do artigo 15, V, da Constituição.

Cumpre destacar que, apesar do caráter sancionatório (que não é privativo do Direito Penal), a ação de improbidade é uma ação civil, sujeita as regras do processo civil, sem qualquer previsão de foro especial.

Também não há incompatibilidade entre a Lei 1.079/50 e LIA. Aquela só pode ser aplicada enquanto o agente estiver no cargo (artigo 15), ao passo que mesmo após o término do mandato, ou após a renúncia ou exoneração, deve o agente político responder pelos atos ímprobos que eventualmente tenha praticado. Pensar o contrário seria, por meio de inconsistente hermenêutica, criar zona de imunidade aos agentes políticos, que na pior das hipóteses poderiam se socorrer da renúncia para verem-se livres de responsabilização, em flagrante afronta aos princípios democrático, republicano e da isonomia.

Ademais, o princípio da máxima efetividade impõe que as normas constitucionais devam ser interpretadas com o sentido que lhe proporcione maior eficácia na proteção do bem jurídico que visou tutelar. A inclusão dos agentes políticos nas previsões dos artigos 1º e 2º da LIA, como do artigo 37, parágrafo 4º, e do artigo 15, V, da CF, é a interpretação que mais eficácia dá a esses textos e que melhor protege o patrimônio público e a probidade administrativa.

Somem-se, aos aspectos jurídicos, a imperiosa necessidade do Judiciário participar ativamente na construção de uma sociedade mais justa e isonômica, onde a aplicação da lei não pode ser apenas para os servidores públicos de baixo escalão, ao passo que os agentes políticos, os verdadeiros detentores do poder de decisão, fiquem a salvo.

Por derradeiro, deve ser lembrado que a decisão da Reclamação 2.138 não tem efeitos erga omnes, como já reconheceu o próprio Pretório Excelso (Recl. 5.391, Recl. 5.389, Recl. 4.767; Recl. 4.408; Recl. 4.400; Recl. 4.378) e outros Tribunais (STJ, REsp 997.535; TRF 2ª Rg, AC 2002.51.05.001093-7; TRF 5ª Rg, AC 439.197; TJPR, ApCiv. 526200-0; TJPR, ApCiv. 426733-2; TJPR, ApCiv. 455637-0; TJPR, ApCiv. 407325-8; TJPR, ApCiv. 386662-4; TJRS, AC 70024367138; TJSC AI 2006.043879-5; TJSC 2007.022313-5; TJSP 7415925/2, dentre outros).

Assim, afastar a aplicação da LIA aos agentes políticos ímprobos é defender a impunidade e a corrupção. É indispensável que o Supremo Tribunal Federal, de uma vez por todas, ponha termo a esta infundada celeuma jurisprudencial, confirmando a interpretação que a maioria dos Tribunais pátrios vem empregando, como medida de defesa do patrimônio público e para o combate a corrupção no Brasil.

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