Pular para o conteúdo principal

O "Zé Ninguém" e as galinhas

Dulcinéia Azevedo é jornalista e advogada

Custei a acreditar quando vi estampada em vários jornais e sites da Capital a fotografia de um dependente químico declarado, sentando na ante-sala da Delegacia de Flagrantes da Polícia Civil, agarrado a três galinhas.

Pena que aqueles que por ação ou omissão facilitaram a exposição desnecessária do suspeito de furto também não apareçam no registro, como é comum nas operações de grande repercussão, onde posar ao lado de um suspeito deixa de ser constrangedor e ganha status de bravura.

Posso até imaginar os risos que a cena provocou naqueles e naquelas desprovidos de qualquer senso de humanidade, ainda mais se tratando de um “Zé Ninguém”, usuário de crack, que no auge da sua “lombra” declarou amor pelas aves.

Muito embora, nada do que ele tenha declarado deva ser levado em conta, haja vista a sua capacidade de discernimento esteja reduzida em virtude do uso de entorpecente, algo que por si só já lhe garante um olhar diferenciado em virtude do delito que cometeu.

“Zé Ninguém” deveria – antes de tudo – ter passado por uma avaliação médica. E as galinhas objetos do furto deveriam ter sido guardadas em lugar apropriado, como é feito com as provas de um crime. Mero espetáculo deixarem aquele agarrado a estas, ainda mais quando é dever do Estado zelar pela integridade física e moral daqueles que estejam sob sua custódia.

Até porque não se tem conhecimento de que o homicida deva ser levado à delegacia agarrado ao cadáver da vítima; o traficante ao entorpecente; o ladrão ao objeto do roubo; e assim sucessivamente.

Exposição igual por parte da polícia, entretanto, não ocorre com os assassinos confessos. Os repórteres responsáveis pela cobertura policial que o digam quão grande é o grau de dificuldade para obter informações acerca de alguns casos.

Imagine um registro.

“Zé Ninguém” rouba galinha e está liberado para a execração pública. “Zé Tudo” mata com requinte de crueldade e tem assegurado o seu direito de imagem, seja na delegacia ou no tribunal.

A cúpula da Segurança Pública no Acre tem se preocupado muito em reprimir o trabalho da imprensa e esquecido de olhar para dentro da própria casa, onde casos como o do “Zé Ninguém” são revelados graças à persistência de aguerridos profissionais.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os Farrapos dos olhos azuis

Cláudio Ribeiro - Demitri Túlio, do Jornal O Povo, de Fortaleza A íris clara, azulzíssima em muitos deles, é a digital do povo Farrapo. Também é da identidade a pele branca avermelhada, carimbada pelo sol forte que não cessa em Sobral. Isso mais entre os que vivem na zona rural. Gostam de exaltar o sobrenome. É forte. Farrapo não é apelido. Não são uma etnia, mas são tratados assim. São “da raça dos Farrapos”, como nos disse quem os indicou a procurá-los. Os Farrapos têm história a ser contada. Praticaram a endogamia por muito tempo. Casamentos em família, entre primos, mais gente do olho azul de céu que foi nascendo e esticando a linhagem. Sempre gostaram de negociar, trocar coisa velha. São um pouco reclusos. Vivem sob reminiscências de judaísmo. Há estudo disso, mas muito ainda a ser (re)descoberto. Os Farrapos são citados, por exemplo, no livro do padre João Mendes Lira, Presença dos Judeus em Sobral e Circunvizinhanças e a Dinamização da Economia Sobralense em Função do Capital Ju...

Erros judiciários: Caso Mignonette - Estado de necessidade

A 5 de Julho de 1884 naufragou o iate inglês La Mignonette. Depois de vários dias no mar, o imediato, que era o mais jovem de todos, foi morto pelos companheiros, que mais tarde alegaram estado de necessidade perante o júri. Sustentaram que não teriam sobrevivido caso não se utilizassem do cadáver para matar a fome. O júri deu um "veredicto especial", reconhecendo apenas a matéria de fato, mas deixando a questão jurídica para que a corte superior decidisse. Lord Coleridge, um dos juízes superiores, disse, entre outras considerações, o seguinte: Conservar a própria vida é, falando em geral, um dever: mas sacrificá-la pode ser o mais claro e alto dever. A necessidade moral impõe deveres dirigidos não à conservação mas ao sacrifício da sua vida pelos outros. Não é justo dizer que há uma incondicionada e ilimitada necessidade de conservar a própria vida. Necesse est ut eam, non ut viram (é necessário que eu caminhe, não que eu viva) disse Lord Bacon. Quem deve julgar o estado de ...

Astronomia: Milhares de cometas escuros podem colidir com a Terra

Da Lusa - Agência de Notícias de Portugal Londres, (Lusa) - Milhares de cometas que circulam no sistema solar podem ser um perigo para a Terra, por serem indetectáveis, o que dificulta a antecipação de um eventual impacto, alertaram quarta-feira vários astrónomos britânicos. São cerca de três mil os cometas que circulam no sistema solar e apenas 25 podem ser avistados a partir da Terra, lê-se no artigo da revista "New Scientist", assinado por Bill Napier, da Universidade de Cardiff, e por David Asher, astrónomo do Observatório da Irlanda do Norte. "Devemos alertar para o perigo invisível mas significativo que são os cometas escuros", dizem os astronómos, explicando que um cometa fica escuro quando perde a cola brilhante. Desprovido desta substância, "o trajecto de um cometa que esteja em rota de colisão com o planeta Terra pode passar despercebido ao telescópio", afirmam Napier e Asher. Nos últimos séculos, o cometa de que há registo de ter passado mais pr...