A Constituição Federal de 1988 e a Lei 9.099/1995 não criaram modalidade recursal possibilitando a atuação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para a uniformização de jurisprudência relacionada à legislação ordinária vigente no País. Essa omissão consciente (e contundente) do sistema sempre foi aceita pelos tribunais superiores, apesar das vozes doutrinárias minoritárias em sentido contrário, que sempre existiram, é bom registrar.
Deste modo, o único recurso cabível contra decisão de turma recursal sempre foi, desde a Constituição Federal de 1988, o recurso extraordinário, exclusivamente em matéria constitucional, para o Supremo Tribunal Federal (STF).
Contudo, recentemente, incentivado pelo STF (EDcl no RE 571.572-8/BA, DJU, 14-9-2009), o STJ editou, no dia 14 de dezembro de 2009, a Resolução 12/2009, instituindo as “reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por turma recursal estadual e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, suas súmulas ou orientações decorrentes do julgamento de recursos especiais processados na forma do art. 543-C do Código de Processo Civil”.
Desde então, o STJ tem usado e abusado dessas reclamações para impor sua jurisprudência, sobre legislação ordinária, ao Sistema de Juizados Especiais. No ponto, tem sido comum, em uma única reclamação, a suspensão de todos os processos relacionados à matéria litigiosa na reclamação. No ponto, é importante destacar que atualmente milhares de processos estão suspensos nos juizados, sobre os mais variados temas, especialmente envolvendo os chamados litigantes de massa.
No dia 23 de dezembro de 2009, poucos dias depois do advento da Resolução 12/2009, foi publicada a Lei 12.153/2009, que dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública.
Os arts. 18 a 21 da 12.153/2009 instituíram um sistema de uniformização de jurisprudência muito semelhante ao sistema da Lei 10.259/2001 (Juizados Especiais Cíveis e Criminais Federais), inclusive com algumas situações previstas na Resolução 12/2009, como, por exemplo, a possibilidade de suspensão de todos os julgamentos em andamento no País sobre a matéria litigiosa na reclamação, presentes os requisitos legais para tanto.
Diante do quadro acima, ao menos duas questões se colocam.
A primeira é saber se o modelo de uniformização de jurisprudência regulamentado pela Lei 12.153/2009 se aplica a todos os Juizados Especiais (Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública) ou apenas aos Juizados Especiais da Fazenda Pública.
E a segunda, saber se o sistema de uniformização de jurisprudência da Lei 12.153/2009 revogou a Resolução 12/2009 do STJ, por incompatibilidade.
Pois bem. A leitura do art. 1º, parágrafo único, da Lei 12.153/2009, torna mais clara a existência do que a lei chamou de “Sistema de Juizados Especiais”. Esse sistema é formado, basicamente, pelas Leis 9.099/1995, 10.259/2001 e 12.153/2009.
O citado parágrafo único assim dispõe: “Art. 1º (...). Parágrafo único. O sistema dos Juizados Especiais dos Estados e do Distrito Federal é formado pelos Juizados Especiais Cíveis, Juizados Especiais Criminais e Juizados Especiais da Fazenda Pública”.
Ainda cuidando desse sistema, especificamente quanto às turmas recursais, o art. 17 da Lei 12.153/2009 estabelece: “Art. 17. As Turmas Recursais do Sistema dos Juizados Especiais são compostas por juízes em exercício no primeiro grau de jurisdição, na forma da legislação dos Estados e do Distrito Federal, com mandato de 2 (dois) anos, e integradas, preferencialmente, por juízes do Sistema dos Juizados Especiais”.
Ninguém duvida que os arts. 1º, parágrafo único, e 17 tratam dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública, ou seja, de todos os juizados do Sistema de Juizados Especiais.
Neste contexto, parece razoável concluir que os arts. 18 e seguintes da Lei 12.153/2009 (que tratam do pedido de uniformização de interpretação de lei) também se aplicam aos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Ou seja, não se aplicam apenas aos Juizados Especiais da Fazenda Pública, pois são normas aplicáveis a todo o Sistema de Juizados Especiais.
Ora, sendo assim, é forçoso concluir que a Resolução 12/2009 do STJ restou revogada, haja vista que agora deve ser aplicado o sistema de uniformização de jurisprudência regulamentado pela Lei 12.153/2009, que tratou de toda a matéria e não pode, evidentemente, ser substituído por uma simples resolução, norma sabidamente inferior.
A diferença de aplicar um sistema (da Resolução 12/2009) ou outro (da Lei 12.153/2009) é que o modelo de uniformização de interpretação de lei da Lei 12.153/2009 é muito mais restritivo que o modelo da Resolução 12/2009. Na lei, a atuação do STJ ocorre apenas quando há decisão contrária a súmula (§ 3º do art. 18 e art. 19, caput), enquanto na resolução sua atuação é ilimitada, bastando que haja decisão contrária a jurisprudência (não exige violação a súmula).
Conclusão em sentido diverso é o mesmo que admitir que, tratando do mesmo tema, uma simples resolução do STJ pode mais do que uma lei federal, ampliando, em conflito com a lei, a competência do STJ.
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