O Presidente da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), cardeal Raymundo Damasceno, afirmou no
dia 14 do mês em curso, em entrevista concedida ao jornal Estadão, que "não
se pode instrumentalizar a religião para angariar votos". O cardeal disse
ainda que "no mundo democrático não cabe à igreja assumir papel
político-partidário".
A Constituição brasileira de 1824
estabelecia em seu artigo 5º:. “A religião Católica Apostólica Romana
continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras religiões serão
permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso
destinadas, sem forma alguma exterior do templo”.
Contudo, a atual Constituição não
repete tal disposição, nem institui qualquer outra religião como sendo a
oficial do Estado. Ademais estabeleceu em seu artigo 19, inciso I, o seguinte:
“É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I –
estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o
funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência
ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.”
Com fulcro nesta disposição, o
Estado brasileiro é caracterizado como laico,
palavra que, conforme o dicionário Aurélio, é sinônimo de leigo e antônimo de
clérigo (sacerdote católico), pessoa que faz parte da própria estrutura da
Igreja.
Neste conceito, Estado leigo se
difere de Estado religioso, no qual a religião faz parte da própria
constituição do Estado. São exemplos de Estados religiosos o Vaticano, os
Estados islâmicos e as vizinhas Argentina e Bolívia, em cujas constituições
dispõem, respectivamente: “Art. 2. El
Gobierno Federal sostiene el culto Católico Apostólico Romano” – “Art. 3.
Religion Oficial – El Estado reconoce y sostiene la religion Católica
Apostólica y Romana. Garantiza el ejercício público de todo otro culto. Las
relaciones con la Iglesia Católica se regirán mediante concordados y acuerdos
entre el Estado Boliviano y la Santa Sede.”
O programa eleitoral da Frente
Popular de Rio Branco, exibido ontem, dia 24, sem necessidade de citarmos os
nomes das religiosas envolvidas, até por uma questão de respeito, eis que são
pessoas da mais alta autoridade moral – e provavelmente ignoram que estejam
sendo manejadas politicamente para fins nada republicanos ou até mesmo cristãos
– na fala das irmãs Servas de Maria, simplesmente as levou a desconsiderar
posições superiores assumidas pela Igreja de Roma.
Só para reforçar, vejamos outra passagem
da fala do Presidente da CNBB, superior das irmãs Servas de Maria: "A
posição da Igreja Católica, enquanto instituição, é de que não deve assumir
nenhuma posição político-partidária. O papa Bento 16, numa de suas encíclicas,
Deus É Amor, foi muito claro ao dizer que a
Igreja não pode nem deve tomar nas suas mãos a batalha política. Isso é
próprio dos políticos, dos leigos. A Igreja não pode ter pretensões de
poder."
Eis uma pequena passagem da Encíclica
Deus é Amor, de Bento XVI:
“A atividade caritativa cristã deve ser independente dos partidos e
das ideologias. O programa do cristão – o programa do Bom Samaritano, o
programa de Jesus – é “um coração que vê”. Este coração vê onde há necessidade
de amor e atua em consequência”.
Ora, convenhamos, o papel que
cabe, no espaço de discussão democrática, aos políticos e aos religiosos não é
o mesmo. Ao contrário, o papel da igreja deve, salvo melhor juízo,
restringir-se à função de orientar o eleitor.
Com efeito, qualquer tentativa
destas [igrejas] de assumirem papel de protagonistas no campo político, ofendem
o caráter laico do próprio Estado Democrático de Direito. Enfim: as igrejas
devem apoiar tudo que diz respeito ao bem da sociedade, independente de partido
ou opinião política.
Deste modo, a Igreja Católica do
Acre deveria consumir suas energias espirituais com orientações para o voto consciente,
contra o balcão de negócios eleitorais e contra a corrupção eleitoral de toda
ordem, estimulando a união e a solidariedade, como simples mediadora, e não,
jamais - seja em nome de Jesus ou de Maria de Nazaré, ou de qualquer santo ou
líder espiritual - como protagonista, posto que tal ativismo exacerbado em prol
de certas candidaturas ofendem os conceitos mais simples da ética cristã e do
Estado Democrático de Direito.
Edinei Muniz é advogado e
professor.
Comentários