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Esquerda faz "desmanche social" para manter poder



Do blog da Amazônia - Altino Machado

Uma realidade bem diferente da imagem politicamente correta que se conhece do Acre, dominado por três governos consecutivos do PT de Chico Mendes, Marina Silva e dos irmãos Jorge e Tião Viana, começa a emergir formalmente de uma análise sobre participação da sociedade e da governança de espaços de definição de políticas públicas do Estado.

Financiado pelas organizações Rede Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), com apoio da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) e WWF-Brasil, o estudo foi conduzido pelo agrônomo Luis Meneses, 39, ex-coordenador do Programa Amazônia do WWF, que atualmente é consultor em governança institucional e gestão de programas ambientais.

A análise, suficientemente ácida para ferir o brio do “governo da floresta”, expõe o desmanche social promovido pelos partidos de esquerda, sobretudo o PT, para tentar se perpetuar no poder político do Acre. Expõe da mesma maneira a relação incestuosa à qual se submeteram diversas lideranças do movimento social.

Segundo a análise, as organizações de base reconhecem que o crescimento político do movimento de esquerda no Acre fez aumentar a ingerência de políticos junto ao movimento sindical. A situação tem reforçado um paternalismo onde sindicatos sentem-se subordinados ao governo e aos políticos e não podem se manifestar contra nada em função do estabelecimento de convênios e outros benefícios próprios de quem controla os cofres públicos.

No final dos anos 80, sendo a maior expressão do movimento social acreano, Chico Mendes forçou o Banco Mundial a financiar um plano de mitigação dos impactos socioambientais decorrentes do asaltamento do trecho da BR-364 entre Porto Velho (RO) e Rio Branco. Atualmente, seus antigos aliados constroem rodovias sem respeito às leis ambientais e defendem ou calam diante dos impactos gerados por diversas obras de infraestrutura na região.

O “governo da floresta”, que começou em 1999 com o engenheiro florestal Jorge Viana, poderá ter continuidade com o senador Tião Viana, a partir de 2011, como “governo do petróleo”. Existem até pretensos ambientalistas que aderiram à atividade agropecuária que tanto criticavam e se tornaram destacados articuladores e defensores do plantio de cana-de-açuçar para produção de etanol na região.

O marasmo do movimento social é crescente, não existe mais articulação, e isso resulta no arrefecimento do papel contestador e aguerrido dos anos 70 e 80, quando foi capaz de impulsionar uma ruptura na política local com a eleição de lideranças que hoje são respeitadas dentro e fora do país. Além disso, a cultura do cargo público comissionado tem enfraquecido a atuação do movimento e gerado confusão de papéis na interlocução com a sociedade.

- Isso é constatado pelas organizações entrevistadas e também foi observado em relação à ascensão do PT ao Governo Federal. Esses quadros, que representam as melhores cabeças do movimento, quando no governo, tendem a compreender que participação das organizações do movimento podem ser substituídas pelo histórico pessoal e político dessas pessoas - afirma Meneses.

Na semana passada, ao tomar conhecimento da existência da análise, o governador do Acre, Binho Marques (PT), conversou rapidamente com Luis Meneses e manifestou intenção de instituir no Estado um mecanismo de certificação de organizações não-governamentais.

Leia a entrevista com Luis Meneses a seguir:

Firmou-se no Brasil a imagem de que no Acre a sociedade civil tem espaços ideais de definição de políticas públicas. O Acre é mesmo uma ONG, conforme disse certa vez a economista Maria da Conceição Tavares?

Essa imagem remonta a outros tempos - o final da ditadura e inicio da reforma democrática do país, quando os governos civis tinham um posicionamento de direita ou de centro. Nesta época, a sociedade civil no Acre fez a diferença, pois se fez ouvir internacionalmente quando o movimento social extrativista descobriu a afinidade com o movimento ambientalista na pessoa do Chico Mendes. Neste embalo e nesta oportunidade de recursos, surgiram importantes ONGs que defenderam direitos e propuseram novas formas e idéias de relação e atendimento ao povo da floresta. A Comissão Pró-Índio e o Centro dos Trabalhadores da Amazônia, as mais antigas, lutaram por direitos de acesso a territórios. Foram pensadores e realizadores de uma nova forma de atender as comunidades extrativistas e indígenas, se dedicando à educação, saúde e, posteriormente, à viabilidade econômica das florestas como forma de geração de renda. No cenário político conservador do Acre de então, o movimento social e as ONGs pouco conseguiam influenciar as políticas públicas dos governos. A estratégia do barulho, da mobilização pública e da reivindicação, por vezes surtia algum efeito positivo para os interesses destes grupos. Há uma década, as ONGs do Acre desempenharam um papel de projeção de novas idéias em relação a floresta e seus povos. Isso se fez ouvir no país e lá fora, em maior grau, do que aqui no próprio Estado. Com o advento do governo petista, mais conhecido como “governo da floresta”, o papel das ONGs e das organizações do movimento social muda e, infelizmente, enfraquece.

Como explicar o fato de que o movimento social definha no Acre na mesma proporção em que se conquista poder político?

Primeiramente, é importante definir dois fatores internos do movimento social e ambientalista que estão associados a este definhar, associados a uma crise financeira e outra de lideranças. Hoje, o movimento social e ambientalista, que são as organizações de representação de trabalhadores rurais e urbanos, de povos indígenas, e as ONGs com atuação urbana e rural, se encontram com sérios problemas de recursos para manutenção de suas atividades e pagamento de dívidas, principalmente trabalhistas. Esta situação tem origem na diminuição do fluxo de recursos financeiros, principalmente internacionais. Recursos de agências de cooperação bilateral, aquelas associadas a governos, e fundações internacionais que ajudaram o movimento socioambientalista a se estruturar na Amazônia. Houve uma redução significativa após o 11 de setembro em função de prioridades mais associadas com a redução do terrorismo. Outro problema, está associado à visão estratégica dessas organizações em um mundo de constantes mudanças. Esse fato está diretamente relacionado com a crise de liderança do movimento social e ambientalista. Essa crise nasce no empréstimo dos seus melhores quadros ao governo e se agrava em função da não renovação e não formação de novas lideranças.

Como assim?

Na relação com o governo, a partir do momento que este adota pautas de políticas que eram bandeiras do movimento, ocorre uma nova demanda para o movimento. O papel reivindicatório é trocado por uma necessidade de proposição, de auxiliar no desenho, na estratégia, na forma de fazer acontecer aquela política. E aí a falta de visão estratégica e de conhecimento sobre como fazer a máquina funcionar impedem uma relação mais qualificada entre governo e sociedade.

Por que ocorre de modo tão atabalhoado a governança dos espaços de definição de políticas públicas justamente quando se tem à frente deles pessoas que tiveram razoável inserção na organização das demandas da sociedade?

Governança de processos, projetos, organizações e espaços devem ter três aspectos desenvolvidos: estrutura (quem faz o que, relacionado à definição de papéis e responsabilidades), funcionamento (o como) e o indivíduo, tendo em vista o desenvolvimento do indivíduo para desempenhar aquilo que se espera do projeto ou da organização. O que se observa na gestão destes espaços é que não há uma abordagem que pense nestas diversas dimensões. A estrutura é mais bem pensada e rígida, e visam propiciar o controle do estado sobre o espaço. O funcionamento não está baseado nas reais necessidades daquele coletivo e no cumprimento de suas competências. Os regimentos internos destes espaços são cópias uns dos outros. São leis mortas que o governo não cobra porque sabe que não faz sua parte adequadamente. Por sua vez, a sociedade também não cobra porque igualmente não desempenha suas funções adequadamente.

Então o que falta?

Falta profissionalização da gestão destes espaços e isto requer pessoas com habilidade de empreender as dinâmicas requeridas por esses espaços. Falta estrutura adequada (espaço, recursos, staff) e falta qualificação de representante para quem participa. Outro fator interessante é a origem das pessoas do governo. Como a maioria dos integrantes do governo tem origem no movimento social, essa maioria parece considerar que este fato da origem já qualifica a participação do movimento social nas definições de políticas.

No final dos anos 80, Chico Mendes forçou o Banco Mundial a financiar um plano de mitigação dos impactos socioambientais da BR-364. Atualmente, seus antigos aliados constroem estradas ou se calam diante dos impactos delas e de outras obras de infraestrutura na região. O que está acontecendo?

Na minha opinião e de outras pessoas da sociedade civil que foram entrevistadas neste trabalho da UICN, WWF e GTA, a identidade partidária faz com que a participação do movimento social e ambientalista não seja tão forte, pois devem aceitar, não contrapor e ter paciência com as propostas do governo. Por isso, vemos que o papel de contestação que o movimento social e ambientalista sempre teve nos governos é arrefecido. Esse fato pôde ser observado no Ministério do Meio Ambiente. Como a ministra era Marina Silva, não se podia bater forte. Ela gozava do voto de credibilidade do movimento. Embora sofresse críticas, as críticas não eram tão duras.

O que mais contribui para o marasmo do movimento social decorrente do que você chama de “silenciosa acomodação política dos conflitos”?

Este marasmo, que se traduz na falta de articulação e comunicação entre as organizações da sociedade civil e no arrefecimento do papel contestador e aguerrido do movimento social e ambientalista, pode ser decorrente de fatores como ausência de um projeto político do coletivo dessas organizações. Na verdade não há mais uma bandeira de luta definida do que a sociedade civil quer para o Acre e, preocupante, boa parte das ONGs está sem estratégia de longo prazo para suas próprias organizações. As organizações estão reativas às pautas do governo e sem capacidade de intervir e propor políticas. Outro fator está associado ao compadrio partidário, onde há dificuldade de discutir questões em função das alianças atuais e históricas tendo em vista as relações pessoais e políticas.

A migração de quadros do movimento social para o Governo enfraquece a atuação do próprio movimento gerando uma confusão de papéis destas pessoas na interlocução com a sociedade?

Sim. Isso é constatado pelas organizações entrevistadas e também foi observado em relação à ascensão do PT ao Governo Federal. Esses quadros, que representam as melhores cabeças do movimento, quando no governo, tendem a compreender que participação das organizações do movimento podem ser substituídas pelo histórico pessoal e político dessas pessoas.

O governo do Acre dá sinais de que considera o extrativismo inviável para o desenvolvimento econômico e já estamos com um pé no agronegócio da produção de etanol. Existe o risco de passarmos de “governo da floresta” para “governo do petróleo”. O que a sociedade pode fazer para preservar a identidade que a levou a conquistar tanto poder no Acre?

As ONGs que têm sobrevivido a essa crise, que não é só acreana, mas amazônica, têm se firmado como os chamados think tanks, ou seja, núcleos de pensamento. Essas organizações, que podemos citar como Ipam, Imazon, ISA, que, historicamente, têm investido em pesquisa e geração de conhecimento, desempenham um papel fundamental e reconhecido hoje, que é o de propor e contrapor políticas públicas. Precisamos de ONGs que ajudem a pensar mais estrategicamente o desenvolvimento do Acre. Para isso, precisa de investimentos e tempo na formação de quadros. Outra oportunidade mais imediata, está na segunda fase deste processo proposto por UICN, WWF e GTA, de elaboração de uma agenda de políticas socioambientais da sociedade civil do Acre. A proposta é gerar metas e estratégias de pautas políticas prioritárias para um coletivo de organizações que permita avançar nas prioridades e interesses destas organizações. Este processo da agenda também tem importância fundamental de propor uma reflexão da forma de atuação do coletivo de organização quanto à discussão de políticas públicas e buscar uma nova governança do processo que permita fortalecer o movimento na sua relação com o governo estadual.

O seu diagnóstico assinala que organizações de base dizem que o crescimento político do movimento de esquerda no Acre aumentou a ingerência de políticos junto ao movimento sindical, reforçando um paternalismo onde sindicatos sentem-se subordinados ao governo e aos políticos, não podendo se manifestar contra em função do estabelecimento de convênios e outros benefícios. Como romper essa relação incestuosa?

As organizações precisam encontrar seu propósito e sua função para o século 21, desenvolver análises de contexto e visões de longo prazo. E assim começar a talhar as lideranças que precisa para alcançar os seus projetos. Tendo rumo e identidade, e, claro, controle interno de suas bases, é menos provável que esta ingerência política se perpetue baseada no interesse de poucos.

O movimento dos povos indígenas pela conquista de seus territórios inspirou, por exemplo, as lutas dos trabalhadores rurais no Acre em defesa da floresta. Agora, ambos se mostram desarticulados, embora haja várias organizações atuando em nome deles. Ainda existe algo de novo a ser dito pelas populações tradicionais da Amazônia?

Interessante observar que a projeção e conquista de direitos destes povos estão muito associados a lideranças com carisma interno e externo e visão estratégica que traga novos referenciais e bandeiras. Hoje, tanto o movimento indígena quanto o extrativista, carece de lideranças com este perfil. E tampouco as ONGs de assessoria, como são chamadas, respondem às demandas destes povos ou têm legitimidade para desencadear processos de mudanças necessárias de ordem política. Estes povos não querem mais intermediários, mas também não possuem hoje a qualificação necessária que lhes permita influenciar políticas com a qualidade, que leve aos resultados esperados. A qualificação de lideranças é algo fundamental para que estes movimentos consigam atingir outros patamares. E, nesse caso, vejo que os povos indígenas têm avançado muito mais que os extrativistas. Hoje em Rio Branco, existem mais de 12 índios cursando universidades. Isto trará resultados para dentro das aldeias e na visão política do movimento indígena.

O governador petista Binho Marques, que é originário do movimento social, prometeu que o Acre será o melhor lugar para se viver na Amazônia até o final de 2010. Você acredita que seja possível a reversão dos indicadores sociais até lá?

Essa é uma meta ambiciosa em função do prazo e interessante porque incorpora a dimensão emocional da felicidade como meta política. Hoje, na Europa, políticos têm levantado a bandeira da felicidade em países cujos problemas não são saúde ou educação ou infra-estrutura, mas muito mais de suicídios, drogas, entre outros, que estão associados à “infelicidade do indivíduo”. O desafio acreano é abrange os direitos básicos a e infra-estrutura e, muito importante, o desenvolvimento do indivíduo. Neste sentido, as políticas locais e nacionais têm sido pouco consistentes e persistentes para termos cidadãos preparados para o século 21.

Altino Machado

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