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Revolução Acreana: um elogio ao capital





Por Eduardo de Araújo Carneiro




O texto confronta a história oficial da revolução acreana que defende que a motivação dos "revolucionários" tenha sido o patriotismo. O artigo dá outra versão ao fato e deixa claro a idéia das motivações materiais.
Revolução Acreana: um elogio ao capital “Capital é uma forma especifica de relação social, na qual os burgueses empregam o trabalho dos despossuídos dos meios de produção para produzir mais-valia... é a contínua expansão do valor através do processo de produção e circulação de mercadorias” (Paul Singer).

Este artigo deseja ser uma contribuição ao debate sobre a “encantada” Revolução Acreana. A historiografia oficial muito já fez para se acreditar que a origem dessa guerra está no sentimento antiimperialista de Plácido de Castro e no patriotismo daqueles que fizeram a “revolução pelo direito de serem cidadãos de um país que os negava”.

Ao contrário desse raciocínio que forja um passado heróico, expondo em primeiro plano o idealismo dos combatentes, numa perspectiva econômica, pretendemos tornar a “Revolução” mais transparente aos olhos dos leigos, ressaltando a latente cobiça dos “coronéis de barranco”. Porquanto “Não é a consciência dos homens que determina a realidade; ao contrário, é a realidade social que determina sua consciência” Marx.
A “guerra do Acre” fez parte de uma conjuntura internacional em que a busca pelo lucro foi levada ao extremo através da política imperialista dos países “centrais”. A conquista territorial e o domínio econômico sobre outras nações eram vitais para a sobrevivência das indústrias; por meio do controle das fontes de matérias-primas, pretendia-se vencer a “encarniçada” concorrência.

No final do século XIX, o Acre torna-se um dos principais alvos do capital, por ter a maior fonte de látex, elemento essencial à indústria pneumática. O capital chega ao Acre em seu modelo selvagem e constrói toda a engrenagem do sistema de aviamento. Em busca de inversão lucrativa rompe as “veias acreanas” e, indiferente às danosas conseqüências sociais, suga o máximo de seu látex.
Para obter o excedente, o capital não tem ética – invade as terras bolivianas, destrói a floresta, extermina os índios, submete as pessoas à semi-escravidão, encobre a corrupção, apóia a sonegação fiscal, promove conflitos, produz o subdesenvolvimento e até patrocina historiografias capazes de justificar suas ações.

Mas não se pode esquecer que havia quem, no âmbito local, se enriquecia com tudo isso: os seringalistas e os governadores do Amazonas e do Pará. Inegavelmente o Acre pertencia à Bolívia. Na verdade essas terras nunca se configuraram como brasileiras, tratados e acordos não faltam para comprovar esta afirmação, desde a “Bula Papal Intercoetera” assinada em 1493, até a definição da linha “Cunha-Gomes” em 1898 (não considerando o ‘Uti Possidetis’).

No entanto, seringalistas brasileiros financiados pelas casas aviadoras, trouxeram milhares de nordestinos para essa área, a fim de explorá-los até produzirem a derradeira mais-valia absoluta. Os seringueiros “trabalhavam para se escravizar” enquanto garantia o lucro dos “coronéis de barranco” e os impostos dos governadores.

O sistema funcionou “harmoniosamente” até a Bolívia exigir “as terras não descobertas” de volta. A Bolívia soube da invasão de suas terras em 1894, pelo coronel boliviano Manuel Pando. A partir de então, começaram os conflitos que culminariam na “Revolução Acreana”.

O governo do Brasil tudo fez para deixar a região com o verdadeiro titular e, após alguns acordos diplomáticos, em janeiro de 1899 a Bolívia constrói um posto aduaneiro em Puerto Alonso, lugar estratégico por onde trafegavam boa parte das embarcações.

A aduana boliviana cobrava impostos de até 40% em cima do valor do produto. Não havendo como repassar esse aumento às casas exportadoras, uma vez que estas já preestabeleciam os preços, os seringalistas tiveram que arcar com os prejuízos e os governadores com a diminuição drástica da arrecadação tributária.

Eis aí o verdadeiro elemento causador da Guerra do Acre: $ DINHEIRO $. Não aceitando a situação, o governador do amazonas aliado aos seringalistas começaram a contratar líderes que organizassem revoltas contra os bolivianos: em maio de 1899 o jornalista José de Carvalhos; em julho de 1899 o espanhol Galvez; em dezembro de 1900 os poetas da “expedição Floriano Peixoto”.

Não resolvendo o litígio, essas revoltas só pioraram a situação, já que o governo boliviano decide buscar ajuda dos ingleses e norte-americanos para “colonizar” o Acre. Surge o conhecido “Bolivian Syndicate”. Contra esse consórcio levanta-se nada menos que Plácido de Castro, o herói dos desavisados, que aceita participar da “epopéia acreana” por uma quantia de 250 mil contos de réis.

A guerra foi, do início ao fim, um elogio ao capital, pela “bela” coreografia apresentada aos dois países, pela sedução com a qual cativou-os ao engodo. O que estava no centro da questão não era a luta contra o imperialismo internacional, a região já estava dominada pelo capital internacional por meio do sistema de aviamento; a “Bolivian Syndicate” seria apenas um acesso “vip” ao “leite amazônico”.

Na verdade, bolivianos e “brasileiros do Acre” entraram em guerra, para saber com quem ficaria as “migalhas” dos gigantescos lucros que fluíam da “havea brasiliensis” para a Europa. “Todos os movimentos armados ou diplomáticos pela posse do Acre... foram motivados pela riqueza” Prof. Dr.Carlos Alberto. Por fim, as “revoluções acreanas” não se fazem só de ideologia, subjacentes a elas existem as profundas ambições de seus líderes e da classe que representam.

Comprovadamente a vida dos seringueiros em nada mudou, continuaram “trabalhando para se escravizarem”, as “revoluções” sempre se negam a ir ao encontro dos “pequeninos”. Em contrapartida, são benévolas com seus líderes. Plácido de Castro tornou-se um seringalista rico, dono de terras no Acre, Amazonas e Bolívia; foi governador do Acre meridional e depois prefeito do Alto Acre.

O dia 06 de agosto já se aproxima, novamente seremos lembrados de todos os feitos heróicos e patrióticos de nosso passado. Comemoremos!!! Afinal “temos um herói para dar a conhecer a todos os brasileiros” (citação extraída da apresentação do livro: O Estado Independente do Acre, de Genesco Castro reeditado em 2002).

* Eduardo de Araújo Carneiro é professor de história geral no Pré-Vetibular Universo, concludente do curso de economia, e pós-graduando em lingüística pela UFAC. Escreve no site http://eduardo.eginacarli.zip.net

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