Por Celso Lungaretti - de São Paulo
Os folhetins, o cinema e a TV nos acostumaram a observar os complexos dramas das pessoas, povos e nações a partir de uma ótica simplista: heróis-vilãos-vítimas. Ou, simplificando mais ainda, a acreditarmos que quem causa sofrimento às vítimas são os bandidos e quem as defende, os mocinhos.
No fundo, trata-se do velho e obtuso maniqueísmo, a que os pensadores marxistas contrapuseram a dialética: Bem e Mal não existem como instâncias metafísicas que, desde os píncaros do paraíso celestial ou das profundezas do inferno, teleguiam a práxis humana, mas sim como resultado das decisões e ações adotadas pelos homens em cada situação.
No primeiro caso, alguns encarnam o Bem absoluto e o Mal absoluto, sem nuances: os mocinhos são sempre mocinhos e os bandidos, eternamente bandidos.
Na análise marxista, os papéis vão sendo assumidos a cada instante, de forma que o mocinho de ontem poderá ser o bandido de hoje, e vice-versa.
Infelizmente, a esquerda mundial até hoje não se recuperou do pesadelo stalinista, que, como Isaac Deutscher bem assinalou, foi um amálgama do pensamento sofisticado dos revolucionários europeus com a religiosidade primitiva da Santa Mãe Rússia.
E a História, infelizmente, favoreceu essa perda de densidade crítica por parte da esquerda. O nazifascismo parecia mesmo encarnar o Mal absoluto, colocando os que o combatiam na condição de cruzados do Bem absoluto.
Veio a guerra fria e a estreiteza de visão se consolidou definitivamente, de ambos os lados. A política mundial se tornou um mero western daqueles tempos em que os mocinhos se vestiam sempre de branco e os bandidos só usavam trajes negros.
Então, desde que os EUA se colocaram como protetores de Israel e os soviéticos se compuseram com o líder egípcio Gamal Abdel Nasser, na década de 1950, ficou estabelecido que a única forma progressista de encararmos os conflitos do Oriente Médio é beatificando os árabes e satanizando os judeus.
A questão no Oriente Médio é muito mais complexa.
Em primeiro lugar, temos um povo (o judeu) milenarmente perseguido, não só devido à maldade intrínseca dos poderosos de todos os tempos, mas também a uma certa vocação para o martírio: nunca quis misturar-se aos outros povos e conviver harmoniosamente com eles, fazendo, pelo contrário, questão de preservar sua identidade cultural/religiosa e de ostentá-la aos olhos de todos.
Então, mais do que a outros povos, fazia-lhe imensa falta um território próprio. Constituindo uma colônia minoritária em outros países e segregando-se rigidamente dos naturais desses países, neles despertava previsível hostilidade.
Ademais, os judeus eram invejados pelos gênios da cultura e da ciência que produziam (Marx, Freud, Einstein e tantos outros) e por seu êxito nas finanças, além de despertarem a hostilidade dos governos pela participação marcante que tinham em movimentos libertários/revolucionários.
É sintomático, aliás, que a esquerda hoje esqueça ou omita a importantíssima contribuição do Bund (União Judaica Trabalhista da Lituânia, Polônia e Rússia) para a gestação do movimento revolucionário russo, no início do século passado.
Holocausto
Ao buscar um inimigo comum contra o qual unir a nação alemã, Hitler não precisou pensar muito: os judeus eram a opção óbvia.
Finda a II Guerra Mundial, a indignação que o Holocausto causou à consciência civilizada fez com que a idéia do lar judaico passasse a ser vista com simpatia generalizada.
Foi quando os judeus cometeram seu maior erro de todos os tempos: aceitando a liderança espúria de fundamentalistas religiosos/terroristas sanguinários, implantaram seu estado nacional numa região em que se chocariam necessariamente com outros fundamentalistas religiosos/terroristas sanguinários.
A Inglaterra, império decadente, bem que tentou impedir, em vão. E as pombas desnorteadas, judeus imbuídos dos melhores ideais, acabaram aderindo em massa ao plano sinistro dos falcões.
Então, uma das experiências socialistas mais avançadas que a humanidade conheceu, a dos kibutzim (comunidades coletivas voluntárias israelenses), acabou sendo tentada num país que logo viraria bunker – e, melancolicamente, foi definhando, até quase nada diferir hoje das cooperativas dos países capitalistas.
As nações árabes só não exterminaram até agora o estado judeu porque jamais o enfrentaram juntas e disciplinadas, sob um verdadeiro comando militar. Mesmo quando vários exércitos combateram Israel, atuaram praticamente como unidades independentes, em função das querelas e disputas de poder entre os reis, sheiks, sultões, califas, emires, etc., de países cuja organização política e social ainda é feudal.
Os israelenses, por enquanto, têm compensado sua inferioridade numérica com a superioridade de seus quadros e equipamentos militares, bem como com a repulsiva prática de promover massacres intimidatórios, reagindo de forma desproporcional e freqüentemente genocida aos ataques que sofre.
Os movimentos fundamentalistas/terroristas árabes agem como provocadores: sabem que jamais conseguirão enfrentar de igual para igual Israel, mas atraem retaliações contra seus povos, na esperança de que isto acabe trazendo as nações para o campo de batalha. Querem ser o estopim de uma guerra santa e não hesitam em sacrificar os seus em nome dos desígnios de Alá.
Os governantes feudais árabes, entretanto, têm mais medo de serem desalojados dos seus tronos do que ódio por Israel. Sabem que o despertar das massas contra o inimigo nacional pode derivar para levantes revolucionários em seus países. Preferem preservar o status quo, ao preço de fecharem os olhos a atrocidades como as que estão sendo cometidas contra os palestinos em Gaza.
Não se trata de nenhum filme de mocinho-e-bandido, pois só há vilãos entre os atores políticos; ninguém que mereça nossa simpatia e apoio.
Quanto às vítimas, estas sim são indiscutíveis: os civis que, nas últimas seis décadas, têm sido abatidos como moscas, devido à cegueira e (sejamos francos) imoralidade monstruosa desses atores políticos.
No fundo, a solução sensata seria o estabelecimento dos judeus noutro território qualquer – quantos países paupérrimos não lhes cederiam terras e autonomia administrativa, em troca de recursos e cooperação para seu desenvolvimento?
Mas não é a sensatez que rege o mundo e sim, como Edgar Allan Poe destacou, o horror e a fatalidade.
Então, os Hamas da vida continuarão ensejando carnificinas e os israelenses seguirão massacrando os vizinhos, trucidando seus velhos, mulheres e crianças, até que surja um novo Lawrence da Arábia e consiga levar à vitória a guerra santa sonhada pelos fundamentalistas/terroristas árabes.
O que temos no Oriente Médio é uma tragédia: os acontecimentos marcham insensivelmente para o pior desfecho e nada podemos fazer, exceto atenuar, tanto quanto possível, os banhos de sangue.
Celso Lungaretti é jornalista e escritor e mantém os blogs:
http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/
http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/
Os folhetins, o cinema e a TV nos acostumaram a observar os complexos dramas das pessoas, povos e nações a partir de uma ótica simplista: heróis-vilãos-vítimas. Ou, simplificando mais ainda, a acreditarmos que quem causa sofrimento às vítimas são os bandidos e quem as defende, os mocinhos.
No fundo, trata-se do velho e obtuso maniqueísmo, a que os pensadores marxistas contrapuseram a dialética: Bem e Mal não existem como instâncias metafísicas que, desde os píncaros do paraíso celestial ou das profundezas do inferno, teleguiam a práxis humana, mas sim como resultado das decisões e ações adotadas pelos homens em cada situação.
No primeiro caso, alguns encarnam o Bem absoluto e o Mal absoluto, sem nuances: os mocinhos são sempre mocinhos e os bandidos, eternamente bandidos.
Na análise marxista, os papéis vão sendo assumidos a cada instante, de forma que o mocinho de ontem poderá ser o bandido de hoje, e vice-versa.
Infelizmente, a esquerda mundial até hoje não se recuperou do pesadelo stalinista, que, como Isaac Deutscher bem assinalou, foi um amálgama do pensamento sofisticado dos revolucionários europeus com a religiosidade primitiva da Santa Mãe Rússia.
E a História, infelizmente, favoreceu essa perda de densidade crítica por parte da esquerda. O nazifascismo parecia mesmo encarnar o Mal absoluto, colocando os que o combatiam na condição de cruzados do Bem absoluto.
Veio a guerra fria e a estreiteza de visão se consolidou definitivamente, de ambos os lados. A política mundial se tornou um mero western daqueles tempos em que os mocinhos se vestiam sempre de branco e os bandidos só usavam trajes negros.
Então, desde que os EUA se colocaram como protetores de Israel e os soviéticos se compuseram com o líder egípcio Gamal Abdel Nasser, na década de 1950, ficou estabelecido que a única forma progressista de encararmos os conflitos do Oriente Médio é beatificando os árabes e satanizando os judeus.
A questão no Oriente Médio é muito mais complexa.
Em primeiro lugar, temos um povo (o judeu) milenarmente perseguido, não só devido à maldade intrínseca dos poderosos de todos os tempos, mas também a uma certa vocação para o martírio: nunca quis misturar-se aos outros povos e conviver harmoniosamente com eles, fazendo, pelo contrário, questão de preservar sua identidade cultural/religiosa e de ostentá-la aos olhos de todos.
Então, mais do que a outros povos, fazia-lhe imensa falta um território próprio. Constituindo uma colônia minoritária em outros países e segregando-se rigidamente dos naturais desses países, neles despertava previsível hostilidade.
Ademais, os judeus eram invejados pelos gênios da cultura e da ciência que produziam (Marx, Freud, Einstein e tantos outros) e por seu êxito nas finanças, além de despertarem a hostilidade dos governos pela participação marcante que tinham em movimentos libertários/revolucionários.
É sintomático, aliás, que a esquerda hoje esqueça ou omita a importantíssima contribuição do Bund (União Judaica Trabalhista da Lituânia, Polônia e Rússia) para a gestação do movimento revolucionário russo, no início do século passado.
Holocausto
Ao buscar um inimigo comum contra o qual unir a nação alemã, Hitler não precisou pensar muito: os judeus eram a opção óbvia.
Finda a II Guerra Mundial, a indignação que o Holocausto causou à consciência civilizada fez com que a idéia do lar judaico passasse a ser vista com simpatia generalizada.
Foi quando os judeus cometeram seu maior erro de todos os tempos: aceitando a liderança espúria de fundamentalistas religiosos/terroristas sanguinários, implantaram seu estado nacional numa região em que se chocariam necessariamente com outros fundamentalistas religiosos/terroristas sanguinários.
A Inglaterra, império decadente, bem que tentou impedir, em vão. E as pombas desnorteadas, judeus imbuídos dos melhores ideais, acabaram aderindo em massa ao plano sinistro dos falcões.
Então, uma das experiências socialistas mais avançadas que a humanidade conheceu, a dos kibutzim (comunidades coletivas voluntárias israelenses), acabou sendo tentada num país que logo viraria bunker – e, melancolicamente, foi definhando, até quase nada diferir hoje das cooperativas dos países capitalistas.
As nações árabes só não exterminaram até agora o estado judeu porque jamais o enfrentaram juntas e disciplinadas, sob um verdadeiro comando militar. Mesmo quando vários exércitos combateram Israel, atuaram praticamente como unidades independentes, em função das querelas e disputas de poder entre os reis, sheiks, sultões, califas, emires, etc., de países cuja organização política e social ainda é feudal.
Os israelenses, por enquanto, têm compensado sua inferioridade numérica com a superioridade de seus quadros e equipamentos militares, bem como com a repulsiva prática de promover massacres intimidatórios, reagindo de forma desproporcional e freqüentemente genocida aos ataques que sofre.
Os movimentos fundamentalistas/terroristas árabes agem como provocadores: sabem que jamais conseguirão enfrentar de igual para igual Israel, mas atraem retaliações contra seus povos, na esperança de que isto acabe trazendo as nações para o campo de batalha. Querem ser o estopim de uma guerra santa e não hesitam em sacrificar os seus em nome dos desígnios de Alá.
Os governantes feudais árabes, entretanto, têm mais medo de serem desalojados dos seus tronos do que ódio por Israel. Sabem que o despertar das massas contra o inimigo nacional pode derivar para levantes revolucionários em seus países. Preferem preservar o status quo, ao preço de fecharem os olhos a atrocidades como as que estão sendo cometidas contra os palestinos em Gaza.
Não se trata de nenhum filme de mocinho-e-bandido, pois só há vilãos entre os atores políticos; ninguém que mereça nossa simpatia e apoio.
Quanto às vítimas, estas sim são indiscutíveis: os civis que, nas últimas seis décadas, têm sido abatidos como moscas, devido à cegueira e (sejamos francos) imoralidade monstruosa desses atores políticos.
No fundo, a solução sensata seria o estabelecimento dos judeus noutro território qualquer – quantos países paupérrimos não lhes cederiam terras e autonomia administrativa, em troca de recursos e cooperação para seu desenvolvimento?
Mas não é a sensatez que rege o mundo e sim, como Edgar Allan Poe destacou, o horror e a fatalidade.
Então, os Hamas da vida continuarão ensejando carnificinas e os israelenses seguirão massacrando os vizinhos, trucidando seus velhos, mulheres e crianças, até que surja um novo Lawrence da Arábia e consiga levar à vitória a guerra santa sonhada pelos fundamentalistas/terroristas árabes.
O que temos no Oriente Médio é uma tragédia: os acontecimentos marcham insensivelmente para o pior desfecho e nada podemos fazer, exceto atenuar, tanto quanto possível, os banhos de sangue.
Celso Lungaretti é jornalista e escritor e mantém os blogs:
http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/
http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/
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