Pular para o conteúdo principal

Battisti: solução constitucional

WALTER CENEVIVA, publicado na Folha de S. Paulo

NÃO É SURPRESA A variedade de opiniões dos juristas sobre a situação do italiano Cesare Battisti, beneficiado por asilo político pelo ministro da Justiça. A palavra final será do STF (Supremo Tribunal Federal), tendo o ministro Cesar Peluso denegado pedido liminar da Itália pela extradição, em correta decisão individual.

No mérito, porém, o conjunto dos ministros poderá conceder ou negar a extradição -ou nem uma coisa nem outra. Sim, o STF pode até resolver que o asilo é da exclusiva responsabilidade do Executivo.

No Brasil, a função precípua de guarda da Constituição é do STF. Está no artigo 102, mas há outros a serem lidos: artigos 1º (a soberania é fundamento da República Federativa do Brasil); 4º (afirma a independência nacional e a autoridade para concessão de asilo político, nos incisos I e X). Refiro, ainda, o artigo 5º, inciso LII (proíbe a extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião). No artigo 102, já mencionado (inciso I, letra "g"), o STF tem competência originária para decidir extradição solicitada por Estado estrangeiro, mas não o asilo.

Encontrar o fio da meada, no meio da cansativa mistura de disposições constitucionais, não é fácil, até porque também há leis ordinárias sobre o assunto. Deixo-as de lado. Não cabem no meu número de toques de computador e não tem tanto relevo para a visão constitucional.

Vamos, pois, ao que interessa: discutir o que pode acontecer com Battisti. Muito possivelmente a primeira parte da discussão, no STF, desagrade quem não for do ramo: os ministros debaterão se é caso de debater o caso.

O paradoxo é só aparente, pois é princípio nacional (mais amplo que a própria lei) dar asilo ao refugiado político, concedido pelo Executivo. Se a discussão terminar com a negativa de competência do Supremo, a votação acabará na preliminar. Se for ao mérito, fará a difícil distinção entre ato político (Battisti fica no Brasil) e ato de terrorismo (Battisti vai para a Itália).
Qualquer que seja o rumo da maioria, o STF será inspirado pelo princípio da soberania, cujo característico é o de julgar segundo a lei brasileira, por seus componentes, as questões a serem resolvidas no Brasil. Quando a Itália foi à nossa Suprema Corte, condicionou-se a aceitar o que ficar decidido. Mostrou que a terra de onde se espalhou pelo mundo o direito romano compreende a essência da discussão. De seu lado, o ministro Berlusconi sabe que amigos são amigos, mesmo que não tenha ouvido falar dos pugilistas cubanos devolvidos a seu país, muito discretamente, muito rapidamente, muito informalmente, o que explicaria o asilo atual.

Os fatos imputados a Battisti, na Itália, ocorreram há mais de 30 anos, circunstância que, no Brasil, resulta na extinção da pena. Lá ele foi condenado, em 1988, excluindo a prescrição em concreto. Se a maioria do STF avaliar o mérito da concessão pelo Executivo brasileiro, o debate será mais interessante.

Lembro ao leitor: o Supremo não apreciará se sentença dos tribunais italianos foi justa ou injusta. Considerará, porém, que Battisti foi condenado a prisão perpétua e exigirá que a Itália se comprometa a mantê-lo preso pelo período máximo admitido pela legislação brasileira. Exigência soberana.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os Farrapos dos olhos azuis

Cláudio Ribeiro - Demitri Túlio, do Jornal O Povo, de Fortaleza A íris clara, azulzíssima em muitos deles, é a digital do povo Farrapo. Também é da identidade a pele branca avermelhada, carimbada pelo sol forte que não cessa em Sobral. Isso mais entre os que vivem na zona rural. Gostam de exaltar o sobrenome. É forte. Farrapo não é apelido. Não são uma etnia, mas são tratados assim. São “da raça dos Farrapos”, como nos disse quem os indicou a procurá-los. Os Farrapos têm história a ser contada. Praticaram a endogamia por muito tempo. Casamentos em família, entre primos, mais gente do olho azul de céu que foi nascendo e esticando a linhagem. Sempre gostaram de negociar, trocar coisa velha. São um pouco reclusos. Vivem sob reminiscências de judaísmo. Há estudo disso, mas muito ainda a ser (re)descoberto. Os Farrapos são citados, por exemplo, no livro do padre João Mendes Lira, Presença dos Judeus em Sobral e Circunvizinhanças e a Dinamização da Economia Sobralense em Função do Capital Ju...

Erros judiciários: Caso Mignonette - Estado de necessidade

A 5 de Julho de 1884 naufragou o iate inglês La Mignonette. Depois de vários dias no mar, o imediato, que era o mais jovem de todos, foi morto pelos companheiros, que mais tarde alegaram estado de necessidade perante o júri. Sustentaram que não teriam sobrevivido caso não se utilizassem do cadáver para matar a fome. O júri deu um "veredicto especial", reconhecendo apenas a matéria de fato, mas deixando a questão jurídica para que a corte superior decidisse. Lord Coleridge, um dos juízes superiores, disse, entre outras considerações, o seguinte: Conservar a própria vida é, falando em geral, um dever: mas sacrificá-la pode ser o mais claro e alto dever. A necessidade moral impõe deveres dirigidos não à conservação mas ao sacrifício da sua vida pelos outros. Não é justo dizer que há uma incondicionada e ilimitada necessidade de conservar a própria vida. Necesse est ut eam, non ut viram (é necessário que eu caminhe, não que eu viva) disse Lord Bacon. Quem deve julgar o estado de ...

Astronomia: Milhares de cometas escuros podem colidir com a Terra

Da Lusa - Agência de Notícias de Portugal Londres, (Lusa) - Milhares de cometas que circulam no sistema solar podem ser um perigo para a Terra, por serem indetectáveis, o que dificulta a antecipação de um eventual impacto, alertaram quarta-feira vários astrónomos britânicos. São cerca de três mil os cometas que circulam no sistema solar e apenas 25 podem ser avistados a partir da Terra, lê-se no artigo da revista "New Scientist", assinado por Bill Napier, da Universidade de Cardiff, e por David Asher, astrónomo do Observatório da Irlanda do Norte. "Devemos alertar para o perigo invisível mas significativo que são os cometas escuros", dizem os astronómos, explicando que um cometa fica escuro quando perde a cola brilhante. Desprovido desta substância, "o trajecto de um cometa que esteja em rota de colisão com o planeta Terra pode passar despercebido ao telescópio", afirmam Napier e Asher. Nos últimos séculos, o cometa de que há registo de ter passado mais pr...