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SUPREMO, MENDES, BARBOSA E ACUSAÇÃO QUE VEM DE UM PANFLETO PARTIDÁRIO


Reinado Azevedo


Escrevo este texto antes de ler os jornais na Internet. Pressinto, com as exceções de sempre, o aroma nauseabundo do meio-termismo dos "analistas": tanto Joaquim Barbosa como Gilmar Mendes teriam se excedido, e isso daria conta da crise do Judiciário, que estaria oscilando entre posturas distintas. Os meio-termistas estão convictos de que Salomão realmente queria dividir a criança ao meio. Eu não sou meio-termista. Escolho as leis democraticamente instituídas e sua aplicação por intermédio do estado de direito. Para rico e para mendigo. Se o mundo não deveria ter nem ricos nem mendigos, bem, aí é outra conversa. Por isso repudio, de forma clara, explícita, veemente, a atitude de ontem do ministro Joaquim Barbosa. Mais: seu comportamento é só mais um sinal de que há quem prefira o protagonismo destrambelhado à letra fria da lei. E o nome disso é desinstitucionalização do país.

Leitores e supostos leitores
Antes que continue, um recado a quem entrou no blog fingindo-se de meu leitor habitual pra se dizer decepcionado. Não! Quem é meu leitor habitual não se decepcionou, não. Porque me viu a defender o que sempre defendi. Quem entra nesta página para falar em nome da “voz das ruas”, aquelas que servem de conselheiras a Barbosa, nada tem a fazer aqui. Nada! Não posso impedir que me leiam, mas rejeito sua colaboração. Reitero: não publicarei manifestações de solidariedade a Barbosa. E a razão é simples: ele está errado. Está errado no fundamento. Está errado na postura. Está errado no vocabulário. Está errado no decoro — ou na falta dele. “Então não te leio mais”, tentam ameaçar. É um favor que me fazem. Há milhares de blogs por aí. Por que insistem em emplacar suas bobagens no meu?

Aqueles que realmente são os meus leitores sabem que repudio justiceiros nas favelas e nos palácios, na polícia e na Justiça, na imprensa ou nos tribunais. Digo lá no primeiro parágrafo quais são os meus parâmetros: as leis democraticamente instituídas e sua aplicação por intermédio do estado democrático e de direito. Lá do mundo das sombras, do subjornalismo a soldo, veio a corrente industriada de indignação com Gilmar Mendes. “Estamos vingados”, escreveram muitos. No extremo do mau-caratismo, leitores dos blogs a soldo invadiram esta página com comentários racistas, como se fosse essa uma abordagem aceita nesta página. Como se, para este blogueiro, ser o ministro preto, branco, pardo, amarelo ou cor-de-rosa tivesse alguma especial importância nas besteiras que fez e disse. E pouco se me dá se isso tem ou não importância para ele próprio. Lido com pessoas, não com cor de pele. O temperamento de Barbosa me parece amiúde impróprio para consumo humano. E isso nada tem a ver com a sua origem.

Agora ao caso
Publiquei a transcrição do bate-boca porque os vídeos tornados públicos distorceram a verdade. Barbosa está errado no fundamento porque visivelmente ignorava o caso que estava sendo debatido — havia faltado à sessão. E, no que concerne à desinformação, pouco importa de faltou por necessidade ou desídia. Dá na mesma. Está errado na postura porque, mais uma vez, decidiu bater boca de forma áspera com os colegas, opondo impressionismo e opinionismo a questões que são de natureza técnica. Está errado no vocabulário porque, dado a cantar as próprias virtudes, supõe que outras pretendam diminuí-las. E, ao fazê-lo, em seu modo destrambelhado, ofende os seus pares, como se a sua independência de espírito fosse maior do que a dos demais. Às vezes, tenho a impressão de que Barbosa é apenas mais independente em relação às leis... E está errado no decoro porque, definitivamente, seu papel não é pôr os demais juízes sob suspeição, como faz de hábito.

Publiquei a transcrição do bate-boca. Fica evidente o momento em que Barbosa ultrapassa linha e sugere que os ministros que discordam dele não são “atentos às conseqüências” das suas decisões — vale dizer: são irresponsáveis. Lendo-se a transcrição, resta claro — e, não por acaso, todos os ministros presentes, à exceção do próprio Barbosa, se solidarizaram com Mendes — que, batido na questão técnica e também na, digamos, moral (afinal, criava embaraços sobre matéria que ignorava), restou-lhe o argumento ad hominem; restou-lhe atacar Gilmar Mendes pessoalmente.

Direito achado na rua
E o fez de uma maneira grotesca, procurando, no Supremo, mimetizar o comportamento que um delegado Protógenes tem na Polícia Federal. Acusou Gilmar Mendes de estar destruindo o Judiciário, de não ouvir as ruas e de ter capangas. A fala é de uma irresponsabilidade grotesca. E se Mendes fosse hostilizado amanhã nas tais “ruas”? Joaquim Barbosa não se sentiria ao menos um incentivador da turba? A presidência do Supremo é rotativa. Chegará a sua vez. Estará ele com os olhos e os ouvidos mais voltados para as ruas do que para as leis? Afinal, senhores leitores, qual é o papel institucional do Supremo e por que o estado — que tem a nossa procuração — paga os ministros? Suponho que esperamos deles que cumpram a letra das leis e da Constituição. Nada além disso.
A JUSTIÇA É CEGA, LEMBRA-SE, MINISTRO BARBOSA? TEM OS OLHOS VENDADOS. POIS SUGIRO AO SENHOR QUE TAPE TAMBÉM OS OUVIDOS, INCLUSIVE AOS APLAUSOS FÁCEIS QUE LHE DISPENSAM AGORA POR CONTA DA CENA LAMENTÁVEL QUE VOSSA EXCELÊNCIA PROTAGONIZOU.

Panfleto, blogs e PT
A acusação a que Barbosa deu eco no tribunal foi publicada num panfleto que se esforça, sem sucesso, para se parecer com uma revista semanal. Não existiria sem a verba publicitária do governo federal e das estatais. Seu alinhamento é tal, que os filiados ao PT têm 50% de desconto na assinatura. Ainda assim, arrasta-se na irrelevância. Um ou outro blogs de ex-jornalistas a soldo, ideológica e financeiramente comprometidos com o establishment, se encarregam do trabalho de difamação daquele que consideram um empecilho a seus anseios políticos. Não! Não se trata de uma daquelas mirabolantes teorias conspiratórias a que se dedicam esses delinqüentes. Trata-se de matéria de fato: um dos difamadores de Gilmar Mendes é difamador oficial MESMO, assalariado MESMO. Nem é nem tenta parecer honesto. Foi essa gente que Barbosa repetiu ao fazer aquela acusação.

Provocação e hipertrofia do Executivo
Peço-lhes um tanto de paciência. Releiam a seqüência do bate-boca — ou bate-bocas, já que, de fato, há dois. Na primeira parte, Barbosa chega a acusar Mendes de sonegar informações — informações públicas, debatidas em sessão à qual não compareceu. Fico, às vezes, com a impressão de que Mendes, um homem correto, caiu numa espécie de armadilha. Notem que Barbosa poderia ter usado o seu saber jurídico — deve estar lá porque é sabido nessa área, não? — para contestar o presidente do Supremo. Gente que chega à sua posição tem as leis na ponta da língua, recita a constituição de fio a pavio, dos pés à cabeça, de cor e salteado. Mas ele nem mesmo esboçou uma reação nessa área. Nada! Partiu para acusações generalistas, vindas do submundo político-partidário. Relendo a seqüência, perguntei-me se aquele texto não estava pronto, à espera apenas de um pretexto.

Chegamos ao ponto. O Executivo tem feito o que bem entende no país. O Poder Legislativo enfrenta aquela que talvez seja a pior crise de sua história. E deputados e senadores tardaram a descobrir o que estava em curso. Tentam, com enorme esforço, levantar-se da lona. No Judiciário, Mendes, que tem sido uma das vozes mais eloqüentes na defesa da Constituição e do estado de direito — ou Barbosa prove por que não —, é alvo de um ataque boçal, injustificado, que apenas reproduz o que anda na boca do submundo, na escória do jornalismo, da Justiça e da política. Eu já sei... A turma do meio-termismo vem para dizer que os dois lados se excederam. Que o bom tribunal talvez não deva ter nem Mendes nem Barbosa...

Falando para Lula entender, diria que há gente se comportando como aquele zagueiro do Santos que entrou para provocar Diego Souza, do Palmeiras, no segundo jogo da semifinal. Os dois acabaram expulsos. Quem perde um zagueiro que se presta àquele papel não perde nada. Quem perde Diego Souza perde a chance, mesmo remota, de virar a partida. Por isso os técnicos precisam tomar cuidado com os agentes provocadores. Ah, sim: os comentaristas esportivos disseram que os dois erraram.

Volto ao caso. O que se fez ontem no tribunal foi coisa feia. Na escala das feiúras, só é superado por homem que bate em mulher. Ih, tou cheio de metáforas populares nesta madrugada...

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