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CNJ devolve à União terras griladas no AM

Felipe Recondo, BRASÍLIA

Sem poder para mandar prender integrantes de uma máfia de grileiros com atuação no Amazonas, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) "expropriou" as terras que eram ilegalmente negociadas pelo grupo. O CNJ devolveu, em setembro, 587 mil hectares de terras griladas na região ao governo federal, uma área do tamanho do Distrito Federal.

Os imóveis, localizados no município de Pauini (AM), ficam em área de segurança nacional e eram grilados num esquema complexo que envolvia cartórios, empresas privadas e, desconfiam procuradores federais, juízes do Amazonas. As terras griladas eram vendidas para empresas, principalmente de Mato Grosso do Sul e São Paulo, que tinham consciência das irregularidades, mas estavam interessadas em usar o terreno para negociar com a União o abatimento de dívidas com o INSS.

O esquema começava com a disputa por um terreno menor, nesse caso de 1.400 hectares, localizado no município de Pauini (AM). Os grileiros ocupavam a região, entravam na Justiça comum com ações por usucapião e demarcação de terra, registravam a propriedade em diversos cartórios sem nenhum documento que comprovasse a posse da área e, a partir daí, iniciavam um processo de aumento e "clonagem" das terras. A cada registro novo que faziam da mesma terra em cartório diferente aumentavam a extensão da propriedade. O terreno que antes media 1.400 hectares chegou, por esse caminho, a 640 mil hectares.

Após toda essa seqüência de ilegalidades, juízes de primeira instância do Amazonas proferiam decisões confirmando a transferência das terras da União para particulares. Era o último passo para coroar o esquema de grilagem. Além das irregularidades flagrantes do processo, os juízes passavam por cima da legislação para dar ganho de causa aos grileiros.

Como as áreas eram de segurança nacional, qualquer decisão desse tipo cabia à Justiça Federal. Os juízes, portanto, não tinham competência para analisar os casos.

"Constata-se que, embora houvesse toda a gama de precedentes de prática de grilagem no Amazonas, o procedimento adotado pelo Conselho da Magistratura do Estado do Amazonas no presente caso foi contrário à lei, merecendo rigorosa interferência desse Conselho Nacional de Justiça", argumentaram no pedido encaminhado em abril ao CNJ.

O conselheiro Antonio Umberto, relator do caso no CNJ, confirmou que a Justiça do Amazonas cometeu irregularidades, determinou o cancelamento da decisão do Conselho da Magistratura e dos registros nos cartórios de ofício. Porém, nenhum juiz será investigado ou punido.

Em 2001, o Ministério do Desenvolvimento Agrário pediu à Corregedoria-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Amazonas o cancelamento dos registros dos imóveis nos cartórios. Uma comissão especial foi criada para investigar e corrigir as irregularidades. Essa comissão cancelou uma das matrículas da terra, que aumentara a extensão da gleba para 640 mil hectares, mas esqueceu-se de anular as inscrições anteriores. Com isso, uma matrícula anterior serviu para procriar novas matrículas ilegais que ampliaram as terras para 587 mil hectares.

Perdido no cipoal jurídico do Estado, o caso chegou ao CNJ por representação dos procuradores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).


MÁFIA EM AÇÃO

A forma como os grileiros transformavam uma pequena
área em um latifúndio do tamanho do Distrito Federal

1. O grileiro ocupa uma pequena porção de terra devoluta da União e entra com ações de usucapião ou demarcação

2. Na primeira fase da grilagem, com a ajuda de um funcionário do cartório, a terra é registrada sem nenhum título que justifique seu tamanho de 571 mil hectares

3. Depois dessa fase do processo, o grileiro elabora um novo memorial descritivo da mesma terra

4. Com esse novo memorial, a terra é registrada novamente
e com um novo tamanho: 587 mil hectares

5. Em uma segunda fase, os grileiros apresentam uma certidão falsa do Instituto Fundiário do Amazonas (Ifam) para
que seja elaborado um novo registro da terra

6. Do documento, consta que a área tem 640 mil hectares. Com base nisso, juízes transferiam terras da União para grileiros


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