Pular para o conteúdo principal

Em SP, 70 mil morreram na fila de precatórios

Por Ricardo Falleiros Lebrão

Estima-se que mais de 70 mil credores alimentares já tenham falecido no estado de São Paulo na fila dos precatórios, que está estacionada no orçamento estadual de 1998, sem receber em vida os créditos que lhes eram devidos. Como os pagamentos do governo paulista seguem em ritmo de tartaruga, é possível que mais credores sejam vítimas da mesma sina, já que muitos são aposentados, têm idade avançada e padecem de doenças comuns a sua faixa etária. O mesmo pode acontecer com a segunda geração, formada pelos filhos e herdeiros dos titulares originais dos precatórios — já que muitos deles estão também em idade avançada.

Se a situação é injusta e inaceitável para todos os credores, mesmo para aqueles que gozam de boa saúde, esta situação é ainda mais deplorável quando envolve pessoas acometidas por doenças graves, muitas vezes incuráveis, que não dispõem de recursos próprios para custear tratamentos que levem à cura ou, pelo menos, que sirvam para minorar a dor.

Não podíamos, diante do sofrimento de muitos de nossos clientes, assistir impassíveis ao transcorrer inexorável das tragédias que se anunciavam à nossa frente. Decidimos buscar os tribunais com base no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, para antecipar o pagamento a esses credores com base no princípio constitucional da “dignidade da pessoa humana”.

Tínhamos consciência de que não há diploma legal para dar amparo efetivo à tese da antecipação do pagamento, salvo, justamente, a defesa da dignidade da pessoa humana. Acreditamos, no entanto, que valeria a pena lutar para buscar a reparação desse quadro tão crítico de injustiça. Para essas pessoas, gravemente enfermas, ou haveria Justiça a tempo e a hora, para que fosse cumprida a sentença que lhes deu ganho de causa, ou a Justiça chegaria tarde demais.

A dignidade da pessoa humana é princípio central do sistema jurídico, como sustenta a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, hoje ministra do Supremo Tribunal Federal. Em artigo publicado na Edição 4/1999, da revista Interesse Público, a ministra afirma que o “princípio da dignidade da pessoa humana emergiu como imposição do Direito contra todas as formas de degradação humana”.

Encontramos no então presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Celso Limongi, um ouvinte atento e um magistrado sensível à situação crítica que lhe foi apresentada. Limongi acatou, em 2008, vários pedidos de sequestro de receitas públicas para o pagamento de precatórios alimentares, atribuindo sua decisão a razões de “natureza humanitária”.

Foi possível assim disponibilizar aos autores os recursos financeiros para que pudessem dar sequência a seu tratamento de saúde, assegurando-lhes o mínimo existencial durante o período da moléstia. Centenas de outros pedidos semelhantes foram ajuizados junto ao TJ de São Paulo e aguardam julgamento. Dos 250 pedidos apresentados, 170 sequestros de receitas já foram autorizados desde o ano passado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Tais decisões representam, sem dúvida, apenas uma pequena gota de água pura no oceano poluído da inadimplência pública. Faz-se necessário uma solução definitiva para todos os 500 mil credores alimentares que padecem na fila dos precatórios alimentares. Mas, enquanto isso não acontece, as decisões de sequestro representam um alívio para centenas de credores.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os Farrapos dos olhos azuis

Cláudio Ribeiro - Demitri Túlio, do Jornal O Povo, de Fortaleza A íris clara, azulzíssima em muitos deles, é a digital do povo Farrapo. Também é da identidade a pele branca avermelhada, carimbada pelo sol forte que não cessa em Sobral. Isso mais entre os que vivem na zona rural. Gostam de exaltar o sobrenome. É forte. Farrapo não é apelido. Não são uma etnia, mas são tratados assim. São “da raça dos Farrapos”, como nos disse quem os indicou a procurá-los. Os Farrapos têm história a ser contada. Praticaram a endogamia por muito tempo. Casamentos em família, entre primos, mais gente do olho azul de céu que foi nascendo e esticando a linhagem. Sempre gostaram de negociar, trocar coisa velha. São um pouco reclusos. Vivem sob reminiscências de judaísmo. Há estudo disso, mas muito ainda a ser (re)descoberto. Os Farrapos são citados, por exemplo, no livro do padre João Mendes Lira, Presença dos Judeus em Sobral e Circunvizinhanças e a Dinamização da Economia Sobralense em Função do Capital Ju...

Erros judiciários: Caso Mignonette - Estado de necessidade

A 5 de Julho de 1884 naufragou o iate inglês La Mignonette. Depois de vários dias no mar, o imediato, que era o mais jovem de todos, foi morto pelos companheiros, que mais tarde alegaram estado de necessidade perante o júri. Sustentaram que não teriam sobrevivido caso não se utilizassem do cadáver para matar a fome. O júri deu um "veredicto especial", reconhecendo apenas a matéria de fato, mas deixando a questão jurídica para que a corte superior decidisse. Lord Coleridge, um dos juízes superiores, disse, entre outras considerações, o seguinte: Conservar a própria vida é, falando em geral, um dever: mas sacrificá-la pode ser o mais claro e alto dever. A necessidade moral impõe deveres dirigidos não à conservação mas ao sacrifício da sua vida pelos outros. Não é justo dizer que há uma incondicionada e ilimitada necessidade de conservar a própria vida. Necesse est ut eam, non ut viram (é necessário que eu caminhe, não que eu viva) disse Lord Bacon. Quem deve julgar o estado de ...

Astronomia: Milhares de cometas escuros podem colidir com a Terra

Da Lusa - Agência de Notícias de Portugal Londres, (Lusa) - Milhares de cometas que circulam no sistema solar podem ser um perigo para a Terra, por serem indetectáveis, o que dificulta a antecipação de um eventual impacto, alertaram quarta-feira vários astrónomos britânicos. São cerca de três mil os cometas que circulam no sistema solar e apenas 25 podem ser avistados a partir da Terra, lê-se no artigo da revista "New Scientist", assinado por Bill Napier, da Universidade de Cardiff, e por David Asher, astrónomo do Observatório da Irlanda do Norte. "Devemos alertar para o perigo invisível mas significativo que são os cometas escuros", dizem os astronómos, explicando que um cometa fica escuro quando perde a cola brilhante. Desprovido desta substância, "o trajecto de um cometa que esteja em rota de colisão com o planeta Terra pode passar despercebido ao telescópio", afirmam Napier e Asher. Nos últimos séculos, o cometa de que há registo de ter passado mais pr...