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Caso de caixa 2 revela contradições entre lei e interpretação judicial

Gazeta do Povo

A conclusão da Procuradoria Regional Eleitoral do Paraná sobre o uso de caixa 2 na campanha de reeleição de Beto Richa (PSDB) em 2008 é um exemplo de como as normas eleitorais são contraditórias e podem se anular. O parecer do procurador eleitoral Néviton Guedes, finalizado na semana passada, aponta a movimentação de recursos irregulares, mas afirma que o prefeito não teve responsabilidade no caso.

A Resolução 22.175/2008 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) diz que os candidatos são responsáveis solidários por qualquer informação ou ilegalidade que ocorra durante a disputa eleitoral. Por outro lado, muitas decisões do próprio TSE estão criando a interpretação judicial (jurisprudência) de que a punição só ocorre quando o erro tiver potencial para modificar o resultado da eleição.

O prefeito de Curitiba, Beto Richa (PSDB), comemorou na semana passada o fato de ter sido isentado da responsabilidade no caso do Comitê Lealdade. Já o presidente do Comitê Financeiro da campanha de reeleição do tucano em 2008, Fernando Ghignone, atribuiu a responsabilidade pelos recursos não contabilizados aos coordenadores do comitê. Em entrevista à Gazeta do Povo na semana passada, ele afirmou que o PSDB não tem nenhuma relação com os valores pagos aos dissidentes do PRTB. “O PSDB desconhece qualquer recurso não contabilizado. Toda a arrecadação e despesas pagas pelo PSDB foram contabilizadas e declaradas na prestação de contas.”

De acordo com o parecer encaminhado pela Procuradoria ao Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) na semana passada, Beto Richa não teve participação direta na distribuição de dinheiro aos cabos eleitorais contratados pelo Comitê Lealdade – formado por dissidentes do PRTB que apoiavam a candidatura tucana. Reportagem da Ga­­­zeta do Povo de 21 de junho revelou que 23 pessoas receberam, cada uma, R$ 1,6 mil do coor­­­denador do comitê, Ale­­­xandre Gar­­­dolinski, por serviços prestados à campanha de Richa. O nome delas, no entanto, não consta da prestação de contas entregue ao TRE pelo comitê financeiro do PSDB – o que indica caixa 2 eleitoral.

Para o procurador eleitoral Néviton de Oliveira Batista Guedes, “do ponto de vista eleitoral, não há dúvida de que o candidato Beto Richa responde também pelos fatos eventualmente ocorridos no interior daquele comitê”. No entanto, ele mesmo concluiu que as eventuais irregularidades ocorridas no Comitê Lealdade não modificariam o resultado da eleição – o tucano venceu as eleições no primeiro turno, com 77,2% dos votos válidos. Guedes requereu ao TRE o arquivamento da investigação contra Richa. Mas a apuração de uso de caixa 2 na campanha continua.

Potencialidade

O entendimento de que só erros com potencial para mudar o resultado das urnas devem ser punidos é equivocado. Essa é a opinião de especialistas em direito eleitoral ouvidos pela reportagem. “A meu ver, é irrelevante se houve impacto no resultado da eleição ou não”, diz Luiz Gustavo Arruda Camargo Luz, membro da Comissão de Direito Político da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP).

Segundo ele, o artigo 30-A, incluído na Lei Eleitoral (9.504/1997) em 2006, após o escândalo do mensalão (o suposto pagamento de propina a parlamentares do Congresso), veda qualquer forma de captação ou de gasto ilícito nas campanhas e prevê a negativa de diploma eleitoral ou a cassação do mandato de quem foi eleito. “Se fica comprovada a existência de caixa 2, não importa se o resultado é afetado ou não. O que se quer punir é a prática do delito”, acrescenta Luz.

O advogado Alessandro Balbi Abreu, presidente do comitê de Direito Eleitoral da OAB de Santa Catarina, tem opinião semelhante. “A potencialidade não se verifica pelo resultado da eleição, mas pelo dano à competição eleitoral, que independe do valor utilizado indevidamente”, diz ele. No entanto, Abreu ressalta que, quando a ilegalidade envolve somas pequenas, dificilmente será aplicada a pena prevista, que é a cassação. A campanha de Richa custou R$ 6,8 milhões. O pagamento de R$ 1,6 mil a 23 pessoas totaliza R$ 36,8 mil.

Na opinião de Abreu, o Código Eleitoral deveria ser reformado, de modo a prever diferentes punições para os crimes cometidos. O que não pode, segundo ele, é o candidato se eximir da culpa.

Carlos Alberto Mariano, outro membro do Comitê de Direito Eleitoral da OAB-SP, ressalta que a tese de potencialidade é “equivocada”. Ele também diz que o uso do caixa 2, mesmo que envolva poucos recursos, deve ser punido. “Digamos que alguém não declare um mês de rendimentos no Imposto de Renda. Para a Receita Federal, essa arrecadação menor não fará quase nenhuma diferença. Mas houve ilícito, que tem de ser investigado e punido”, compara. Segundo ele, se as contas de campanha já aprovadas voltarem a ser investigadas e rejeitadas, o candidato pode se tornar inelegível para as eleições seguintes.

Os três especialistas falaram em tese e não tinham conhecimento do parecer feito pelo procurador Néviton Guedes. O presidente do Colégio de Corre­­­gedores da Justiça Eleitoral, desembargador Walter de Al­­­meida, também comentou para a Gazeta o assunto, em tese. Ele, no entanto, defendeu a possibilidade de isentar os candidatos. “É preciso investigar para provar se existiu uma participação do candidato no caixa 2. Se não é possível provar essa relação, ele não pode ser responsabilizado.”

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