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Estudo mostra defasagem legal das súmulas

Por Alessandro Cristo
Criadas para sedimentar a jurisprudência e direcionar o julgamento de processos judiciais, as súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça precisam urgentemente de uma revisão. Boa parte delas — 300, para ser exato — se baseia em precedentes firmados na década de 1950, quando muitas das leis de hoje não eram sequer projetos, e sob o guarda-chuva de Constituições ultrapassadas.

O efeito disso é impactante. Das 1.137 súmulas não vinculantes editadas pelas duas cortes, pelo menos 320 merecem ser reavaliadas ou canceladas. Os números vêm de uma pesquisa feita pelo advogado Thomaz Thompson Flores Neto, especialista no assunto, e publicada recentemente no livro Súmulas do STF e STJ anotadas – Quais perderam a aplicabilidade?, da editora Verbo Jurídico.

“Nunca houve uma grande revisão sumular”, explica o advogado, que não atribui ao tempo a desatualização dos enunciados, e sim à incompatibilidade com normas atuais. “A Súmula 1 do STF continua perfeitamente válida até hoje. Já a segunda bate de frente com uma lei recente”, exemplifica. A segunda súmula editada pela corte suprema diz: “Concede-se liberdade vigiada ao extraditando que estiver preso por prazo superior a 60 dias”. Porém, a Lei 6.815, sancionada em 1980, afirma, no parágrafo único do artigo 84: “A prisão perdurará até o julgamento final do Supremo Tribunal Federal, não sendo admitidas a liberdade vigiada, a prisão domiciliar, nem a prisão albergue”.

O papel das súmulas, mesmo as não vinculantes, é definitivo em todas as instâncias do Judiciário. Só para se ter uma ideia, com base nelas, um juiz de primeiro grau pode negar sumariamente uma apelação se os argumentos contrariarem a jurisprudência dos colegiados superiores. Nos tribunais, se um acórdão recorrido confrontar súmula do Superior Tribunal de Justiça, o relator, sozinho, poderá conhecer e dar provimento ao recurso. Até a Fazenda Pública, que quando sofre uma derrota pode ter os fatos reanalizados em apelação, perde esse direito se o que diz contrariar os enunciados de última instância.

Na Justiça Trabalhista, em que a subida de recursos ao Tribunal Superior do Trabalho é filtrada ao extremo, decisões que afrontem súmulas ganham automaticamente o direito de chegar à instância máxima. O mesmo acontece depois da recente reforma do Judiciário, que especificou critérios para a admissão de recursos no Supremo Tribunal Federal. Recursos que atribuam a decisões de segundo grau contrariedade em relação a súmulas da corte tornam imediatamente o assunto tratado tema de Repercussão Geral, que pode chegar ao Plenário.

Uma das súmulas que, segundo o advogado, merecem ser canceladas com urgência é a 691, do STF. O enunciado impede que o Supremo analise pedido de Habeas Corpus contra decisão monocrática em HC de tribunal superior, mas é frequentemente afastado pelos ministros. “O Tribunal se vê na obrigação de admitir o exame prévio do mérito para, depois, afirmar a admissibilidade do recurso”, criticou o ministro Cezar Peluso ao julgar o Agravo Regimental em Habeas Corpus 89.025-3-SP. “Há um vício de lógica”, aponta Flores, para quem um formalismo não pode impedir que um cidadão fique preso indevidamente — entendimento que vem sendo reafirmado pelo próprio Supremo.

Para comprovar que a idade das súmulas não tem nada a ver com sua aplicabilidade ou não, o advogado dá como exemplo as mais recentes do STJ. Das 20 últimas, publicadas desde maio, quatro precisam ser reavaliadas, de acordo com o estudo. “Nos últimos tempos, houve quantidade considerável de súmulas não tão dormidas ou pensadas”, observa.

Uma das mais criticadas é a 381, que prevê: “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas”. Flores lembra, no entanto, que há até bem pouco tempo a corte afirmava não haver “julgamento extra petita quando o juiz ou tribunal pronunciar-se de ofício sobre matérias de ordem pública, entre as quais se incluem as cláusulas contratuais consideradas abusivas”, conforme acórdão da 2ª Turma do STJ, proferido em outubro do ano passado. “Parece inexistir substrato lógico-jurídico que respalde a guinada jurisprudencial”, afirma o advogado.

De acordo com a avaliação detalhada no livro por Flores, das 736 súmulas não vinculantes do STF, 45 precisam de revisão ou têm aplicação restrita, 110 precisam ser canceladas e 160 não têm função alguma. Oito já foram canceladas pela corte. No STJ, dos 401 enunciados, 28 merecem ser revistos ou são aplicáveis apenas em alguns casos, 15 poderiam ser cancelados e 11 já foram riscadas da jurisprudência.

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