Pular para o conteúdo principal

A primeira inspeção do CNMP

Estadão

Obrigado a agir com maior morosidade do que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por não dispor dos mesmos recursos, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) começou a fazer as primeiras inspeções nos Estados e está descobrindo um cenário assustador. O órgão é responsável pelo controle externo do Ministério Público (MP) - instituição que teve suas competências ampliadas pela Constituição de 88, passando a gozar de autonomia funcional semelhante à do Poder Judiciário.

Para a primeira auditoria, o CNMP escolheu o Ministério Público do Piauí. E o relatório preliminar, com 53 páginas, descreve casos tão escabrosos quanto os que o CNJ encontrou no Tribunal de Justiça de Mato Grosso, onde acaba de afastar sete juízes e três desembargadores que integravam um esquema de desvio de dinheiro público. Entre as irregularidades encontradas no MP piauiense estão a sonegação de Imposto de Renda, a contratação de estagiários com salários acima de R$ 5 mil mensais e o pagamento de vencimentos de até R$ 61 mil a alguns procuradores de Justiça.

Esse valor é duas vezes e meia superior ao teto fixado pela Constituição de 88 para a administração pública. Para aumentar a retirada mensal de seus integrantes, entre 2005 e 2008 o MP piauiense pagou aos seus membros, além dos salários, jetons de R$ 2 mil a R$ 3 mil por participação em reuniões. E também lhes concedeu gratificações que variavam de R$ 1 mil a R$ 9 mil por mês, independentemente da assiduidade ao trabalho. Segundo o CNMP, as folhas de pagamento do órgão jamais foram enviadas para o Tribunal de Contas do Estado.

Outras irregularidades constatadas envolvem malversação de recursos públicos, tráfico de influência e nepotismo. Os corregedores do CNMP descobriram que um prédio anexo do MP piauiense foi comprado sem concorrência. Além de fraudes na realização de licitações para a aquisição de bens e a contratação de serviços, eles encontraram recibos de pagamento de arranjos florais superfaturados e notas fiscais com valores muito acima dos preços de mercado na compra de presunto, peito de peru, queijos, pães recheados, brioches, biscoitos e até caldo de carne.

Em matéria de contratações de pessoal e nomeações para cargos comissionados, a equipe do CNMP está investigando um promotor piauiense que estaria morando em Santa Catarina e a situação de uma funcionária que recebeu salários como estagiária e como "assessora especial" da Procuradoria-Geral de Justiça do Piauí, apesar de atuar como advogada. Além da situação de conflito funcional, ela está lotada em Teresina, mas mora na cidade de Picos, a 320 quilômetros de distância, e namora o filho de um antigo procurador-geral de Justiça do Piauí, que pediu aposentadoria assim que sua gestão começou a ser investigada pelo CNMP.

Os corregedores do órgão descobriram ainda que alguns promotores e procuradores piauienses são filiados a agremiações partidárias e exercem atividades políticas, o que é proibido expressamente pelo Tribunal Superior Eleitoral, uma vez que esses profissionais atuam como promotores eleitorais. A situação é tão grave e preocupante que, desde o início da devassa, o corregedor-geral do CNMP, Sandro José Neis, já assinou mais de 170 deliberações para enquadrar o MP do Piauí. "O órgão sofre de problemas crônicos pela falta de transparência e pela inexistência de métodos efetivos de controle externo. É pesaroso concluir que os gestores do MP do Piauí o fizeram trilhar caminhos escusos, desgarrando-se de sua destinação constitucional e, o que é pior, perpetrando ilícitos que tinham por missão combater", diz o relatório do CNMP.

No plano administrativo, as punições a serem aplicadas pelo órgão aos promotores e procuradores piauienses envolvidos em irregularidades vão da advertência à aposentadoria compulsória. Como também podem ser acionados judicialmente, ainda podem perder a aposentadoria. Custa crer que esses abusos tenham ocorrido justamente no âmbito de uma instituição cuja missão é zelar pela moralidade na administração pública e pelo respeito à ordem jurídica. O temor da corregedoria do CNMP é de que outros MPs estaduais apresentem problemas semelhantes aos encontrados no Piauí.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os Farrapos dos olhos azuis

Cláudio Ribeiro - Demitri Túlio, do Jornal O Povo, de Fortaleza A íris clara, azulzíssima em muitos deles, é a digital do povo Farrapo. Também é da identidade a pele branca avermelhada, carimbada pelo sol forte que não cessa em Sobral. Isso mais entre os que vivem na zona rural. Gostam de exaltar o sobrenome. É forte. Farrapo não é apelido. Não são uma etnia, mas são tratados assim. São “da raça dos Farrapos”, como nos disse quem os indicou a procurá-los. Os Farrapos têm história a ser contada. Praticaram a endogamia por muito tempo. Casamentos em família, entre primos, mais gente do olho azul de céu que foi nascendo e esticando a linhagem. Sempre gostaram de negociar, trocar coisa velha. São um pouco reclusos. Vivem sob reminiscências de judaísmo. Há estudo disso, mas muito ainda a ser (re)descoberto. Os Farrapos são citados, por exemplo, no livro do padre João Mendes Lira, Presença dos Judeus em Sobral e Circunvizinhanças e a Dinamização da Economia Sobralense em Função do Capital Ju...

Erros judiciários: Caso Mignonette - Estado de necessidade

A 5 de Julho de 1884 naufragou o iate inglês La Mignonette. Depois de vários dias no mar, o imediato, que era o mais jovem de todos, foi morto pelos companheiros, que mais tarde alegaram estado de necessidade perante o júri. Sustentaram que não teriam sobrevivido caso não se utilizassem do cadáver para matar a fome. O júri deu um "veredicto especial", reconhecendo apenas a matéria de fato, mas deixando a questão jurídica para que a corte superior decidisse. Lord Coleridge, um dos juízes superiores, disse, entre outras considerações, o seguinte: Conservar a própria vida é, falando em geral, um dever: mas sacrificá-la pode ser o mais claro e alto dever. A necessidade moral impõe deveres dirigidos não à conservação mas ao sacrifício da sua vida pelos outros. Não é justo dizer que há uma incondicionada e ilimitada necessidade de conservar a própria vida. Necesse est ut eam, non ut viram (é necessário que eu caminhe, não que eu viva) disse Lord Bacon. Quem deve julgar o estado de ...

Astronomia: Milhares de cometas escuros podem colidir com a Terra

Da Lusa - Agência de Notícias de Portugal Londres, (Lusa) - Milhares de cometas que circulam no sistema solar podem ser um perigo para a Terra, por serem indetectáveis, o que dificulta a antecipação de um eventual impacto, alertaram quarta-feira vários astrónomos britânicos. São cerca de três mil os cometas que circulam no sistema solar e apenas 25 podem ser avistados a partir da Terra, lê-se no artigo da revista "New Scientist", assinado por Bill Napier, da Universidade de Cardiff, e por David Asher, astrónomo do Observatório da Irlanda do Norte. "Devemos alertar para o perigo invisível mas significativo que são os cometas escuros", dizem os astronómos, explicando que um cometa fica escuro quando perde a cola brilhante. Desprovido desta substância, "o trajecto de um cometa que esteja em rota de colisão com o planeta Terra pode passar despercebido ao telescópio", afirmam Napier e Asher. Nos últimos séculos, o cometa de que há registo de ter passado mais pr...