Vistos etc.,
Nilson Roberto Areal de Almeida e Jairo Cassiano Barbosa interpuseram, separadamente, recurso especial eleitoral contra v. acórdão proferido pelo e. Tribunal Regional Eleitoral do Acre, posteriormente complementado pelo acórdão que julgou os embargos de declaração dos recorrentes. Eis as respectivas ementas (fl. 362 e fl. 406):
RECURSO ELEITORAL - AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO - ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO - AGENTE PÚBLICO PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL E INTEGRANTE DE CHAPA MAJORITÁRIA - EMISSÃO DE CHEQUE DA CÂMARA MUNICIPAL - PAGAMENTO DE LOCAÇÃO DE IMÓVEL PARA FINS ELEITORAIS - CASSAÇÃO DO MANDATO - RECURSO PROVIDO.
Em sede de ação de impugnação de mandato eletivo, impõe-se cassação do mandato do agente que integrou chapa majoritária e comprovadamente utilizou-se do cargo de Presidente da Câmara Municipal e de verba do mesmo órgão, em benefício próprio e de terceiro, mediante conduta que teve a potencialidade de influir no equilíbrio da disputa, pelas inegáveis vantagens advindas da disponibilidade de um prédio para a sua campanha eleitoral e da emissão de cheques em prol da mesma candidatura, estendendo-se a cassação ao beneficiário do ato, que integrou a mesma chapa.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - QUESTÕES NÃO SUSCITADAS EM RECURSO ELEITORAL - REDISCUSSÃO DE MATÉRIA - INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO - REJEIÇÃO.
Rejeitam-se os embargos de declaração que visam, ora suscitar questões novas, caracterizando verdadeira intenção de aditamento do recurso eleitoral, ora rediscutir os fundamentos da decisão embargada, com deduções que destoam da realidade dos autos.
Na espécie, cuida-se de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) ajuizada pela Coligação Por uma Sena Melhor, Atalício Barbosa Cavalcante e Antônia Franca de Oliveira Vieira, contra a Coligação Frente Popular de Sena Madureira, Nilson Roberto Areal de Almeida e Jairo Cassiano Barbosa, almejando a cassação dos mandatos eletivos dos impugnados e, por conseguinte, a diplomação dos impugnantes, cuja chapa alcançou a segunda colocação no pleito.
O juiz da instância inicial julgou improcedente o pedido exibido na peça inicial por entender não ter sido comprovada a prática de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude pelos impugnados.
Em desfavor dessa decisão, a impugnante interpôs recurso perante o e. TRE/AC, que deu provimento ao recurso, nos termos da ementa transcrita, o que ensejou a oposição de embargos declaratórios pelos ora recorrentes, os quais foram rejeitados.
Daí a interposição dos presentes recursos especiais eleitorais, sendo que Nilson Roberto Areal de Almeida argumenta, sinteticamente, que
a) o v. acórdão recorrido violou os arts. 93, IX, da Constituição Federal, bem como o 275 do Código Eleitoral e 535 do Código de Processo Civil, haja vista não ter se pronunciado acerca das matérias tratadas nos arts. 5º, LIV, LV, LVI e LVII, da CF, 302 e 333 do CPC, e 23 da LC nº 64/90, quando do julgamento dos embargos declaratórios;
b) "(...) a convicção do julgador foi formada através da conjugação do suposto silêncio dos Recorrentes (...). A primeira violação decorre do reconhecimento da confissão e da presunção de veracidade dos fatos supostamente não impugnados, afrontando-se diretamente o art. 302, I e III, do CPC (...) na medida em que no direito eleitoral não se admite a confissão (...)" (fls. 429-430);
c) ¿Diante, portanto, da deficiência probatória dos autos, decorrente a ausência de elementos idôneos e suficientes à condenação, a solução encontrada pelo Regional foi exatamente inverter o ônus da prova. Dessa forma, importante ressaltar que a convicção do TRE/AC foi formada com a adoção de elementos probatórios meramente indiciários (indicação de números e canhotos de cheques, além de mera afirmação de que foram utilizados com finalidade eleitoral), `aliado¿, conjugado com meio probatório ilegítimo (o suposto silêncio dos Recorrentes). Em outras palavras, não fosse a inversão do ônus da prova não haveria elementos a justificar e embasar a condenação imposta. Mutatis mutandis, o Tribunal Superior Eleitoral já decidiu que a convicção do julgador não pode estar contaminada por elementos probatórios inválidos ou não admitidos pelo ordenamento jurídico" (fls. 432-433);
d) ¿em condições tais não há que se falar em abuso de poder político ou de autoridade justamente pela ineficácia do ato de autoridade, no caso o título de crédito que não poderia e não produziu efeito jurídico, fato de conhecimento da própria sociedade (...). O que se pode cogitar, quando muito, é da tentativa de abuso de poder político. Mas a jurisprudência eleitoral não admite a tentativa, exigindo a efetiva conseqüência da atuação do poder público em favor de candidatos ou partidos" (fl. 437). Assim, houve violação aos arts. 22, XV, da LC nº 64/90, e 14, § 10, da CF;
e) não houve abuso de poder econômico, uma vez que o pagamento do aluguel foi feito com recursos privados, e, ¿ainda que fosse possível conjecturar que o pagamento ocorreu com recursos públicos, o fato se amoldaria às espécies de condutas vedadas previstas no art. 73 da Lei 9.504/97, e não propriamente abuso de poder econômico pelo pequeno
valor do cheque e do aluguel" (fl. 440). Nesse ponto,
o v. acórdão recorrido ofendeu os arts. 22, XV, da LC nº 64/90, e 14, § 9º, da CF;
f) não cabe discutir abuso de poder político em AIME;
g) deve-se observar o princípio da proporcionalidade, sendo que ¿equivocou-se o Tribunal Regional Eleitoral do Acre ao considerar que basta a irregularidade ou ilegalidade da conduta para incidência das graves penas de cassação do mandato eletivo. A pena é extremamente desproporcional e, portanto, merece reforma para restabelecer a sentença por afronta ao art. 5º, LIV, da CF/88" (fl. 444);
h) é ônus do impugnante demonstrar a potencialidade,
sendo que, in casu, estes não se desincubiram do ônus de demonstrá-la.
De outra parte, Jairo Cassiano Barbosa alega, nas razões do seu apelo especial, que:
a) houve violação ao art. 275, II, do Código Eleitoral, uma vez que o v. aresto recorrido não se manifestou acerca das questões tratadas nos arts. 6
º do CPC c.c. o 6º da Lei nº 9.504/97, 333 do CPC, 14, § 10, da CF, e 22 da LC nº 64/90;
b) a coligação recorrida não tem legitimidade para figurar no polo ativo da presente AIME, já que ¿as coligações existem para as eleições, sendo-lhes atribuídas prerrogativas e obrigações no curso das eleições" (fl. 460); esgotado o pleito eleitoral, não há falar em legitimidade ativa das coligações;
c) ¿a Corte a quo se valeu de mera presunção quanto à utilização dos referidos cheques em prol da candidatura de Jairo Cassiano, incorrendo em indevida inversão do direito probatório, já que, conforme o art. 333, I, do CPC, o ônus da prova incumbe `ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito" (fl. 464);
d) não se configurou abuso de poder econômico diante do fato de ter o cheque em comento sido sustado e, portanto, não se efetivou o benefício pretendido; nesse ponto, menciona que ¿a jurisprudência do Eg. TSE há muito já assentou que a mera tentativa de abuso (poder político ou econômico) não implica a perda do mandato eletivo" (fl. 466);
e) ¿a Corte Regional nem ao menos se preocupou em trazer concretos elementos ou demonstrar a potencialidade do alegado abuso de poder político/econômico na espécie"
(fl. 469);
f) há necessidade de se aplicar a proporcionalidade.
A d. Procuradoria-Geral Eleitoral emitiu parecer pelo não conhecimento dos recursos, nos termos da ementa (fl. 482):
RECURSOS ESPECIAIS ELEITORAIS. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. I - DEFICIÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF.
II - DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADO. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. NÃO REALIZAÇÃO DE COTEJO ANALÍTICO. III - REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS Nº 7/STJ E Nº 279/STF.
IV - PARECER PELO NÃO CONHECIMENTO DOS RECURSOS.
É o relatório. Decido.
Os recorrentes alegaram violação aos arts. 93, IX, da Constituição Federal e 275 do Código Eleitoral. Contudo, entendo que não houve violação a tais dispositivos, haja vista a manifesta intenção de reexame da matéria quando da interposição dos embargos de declaração.
Os recorrentes argumentaram não ser cabível a presente ação de impugnação a mandato eletivo, ao argumento de tratar-se, in casu, de abuso de poder político.
De fato, segundo a jurisprudência do e. TSE é incabível AIME com fundamento tão somente em abuso de poder político strictu sensu, haja vista que esta ação se destina a apurar abuso de poder econômico, corrupção e fraude (Precedente: REspe nº 28007/BA, Rel. Min. José Gerardo Grossi, DJ de 23.9.2008).
Nesse ponto, imprescindível comentar que, na sessão de 22.4.2008, a e. Corte Eleitoral passou a entender pela possibilidade de apurar o abuso de poder econômico entrelaçado ao abuso de poder político em AIME: ¿se o abuso de poder político consistir em conduta configuradora de abuso de poder econômico ou corrupção (entendida essa no sentido coloquial e não tecnicamente penal), é possível o manejo da ação de impugnação de mandato eletivo" (REspe nº 28.040-BA, Rel. Min. Ayres Britto, DJ de 1º.7.2008).
Desse modo, não merece prosperar a tese apresentada pelo recorrente, tendo em vista que a causa de pedir da AIME também se reporta à existência de abuso de poder econômico.
Ainda, o recorrente Jairo Cassiano Barbosa alegou ilegitimidade ativa da coligação para a propositura de AIME.
Quanto a esse ponto, o c. TSE já firmou entendimento de que as coligações são partes legítimas para propor ação de impugnação de mandato eletivo. Senão, veja precedente desta c. Corte:
"Recurso especial. Ação de impugnação de mandato eletivo. Alegações de ilegitimidade ativa e irregularidade de representação da coligação que propôs a ação. Rejeição. Prova emprestada. Possibilidade. Abuso do poder econômico. Comprometimento da lisura e do resultado do pleito. Comprovação. Reexame de matéria fática.
1. As coligações partidárias têm legitimidade para a propositura de ação de impugnação de mandato eletivo, conforme pacífica jurisprudência desta Corte (Acórdão nº 19.663).
(...)" (g.n.)
(Ag 4410/SP, Rel. Min. Fernando Neves, DJ de 7.11.2003)
De outra parte, argumentam os recorrentes que o e. TRE/AC inverteu o ônus da prova ao analisar a finalidade dos cheques indicados na peça inaugural. Nesse contexto, decidiu o regional:
"Acrescente-se que também restou provado nos autos a emissão de outros cheques da Câmara Municipal (fls. 87/88), cujos canhotos foram apresentados em Juízo por força de requisição judicial, neles constando as inscrições `Cancelado¿, `Jairo¿ e `J¿. É certo que referidos cheques foram expedidos sem o devido processo administrativo. Nem a Câmara Municipal e nem Jairo Cassiano informaram a que se destinaram, nem as razões pelas quais estão com as inscrições referidas.
Também, releva notar que nos autos da AIME o representante indicou expressamente os números dos citados cheques e afirmou terem sido utilizados com a mesma finalidade do cheque de fl. 10. Tal afirmação não foi contestada por Jairo Cassiano, que, no ponto em destaque limitou-se a dizer que os cheques citados não estavam em julgamento, porquanto `esta demanda não é de investigação judicial e sim de impugnação, onde, necessariamente, as provas devem ser pré-constituídas¿ (fl. 31). Assim, comprovada a emissão irregular dos cheques a que se referem os canhotos de fls. 87/88, e diante da omissão de Jairo Cassiano em demonstrar que não foram utilizados em benefício de sua campanha eleitoral, tenho que eles, tal como o cheque de fl. 12, tiveram a destinação indicada na petição inicial." (fl. 374).
Do exame do excerto acima, observo que, de fato,
a i. julgadora da Corte de origem entendeu pela destinação dos ¿cheques a que se referem os canhotos de fls. 87/88" em benefício da campanha eleitoral dos recorrentes com fundamento na sua irregular emissão e também no fato de não ter o recorrente comprovado que a sua emissão não se prestou a beneficiar sua campanha eleitoral.
A bem da verdade, para a interposição de ação de impugnação ao mandato eletivo não se exige prova pré-constituída, devendo, todavia, dada a seriedade da demanda, ser a peça inicial instruída com ¿um razoável início de provas do alegado, indicativo relativamente seguro do fumus boni juris de natureza documental. O que se exige é uma prova inicial que mostre a viabilidade de êxito da ação e que espanque, ab initio, a aguição por temeridade ou má-fé" .
São os precedentes do e. TSE:
"(...) 3. A ação de impugnação de mandato eletivo exige a presença de prova forte, consistente e inequívoca. (...)"(g.n.)
(RESpe 28.928/AC, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJe de 25.2.2010)
¿2. A Ação de Impugnação de Mandato Eletivo não exige para o seu ajuizamento prova pré-constituída, mas tão-somente indícios idôneos do cometimento de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude." (g.n.)
(REspe 16.257/PE, Rel. Min. Edson Carvalho Vidigal, DJ de 11.8.2000)
Desse modo, percebo que quanto aos ¿cheques a que se referem os canhotos de fls. 87/88" , não restou comprovada a sua real destinação, tendo a ilustre relatora do v. aresto ora recorrido decidido com fundamento na ausência de defesa dos recorrentes, o que configura, de fato, inversão do ônus da prova.
Contudo, por outro lado, noto ser inquestionável a emissão de cheque pela Câmara de Vereadores do Município de Sena Madureira/AC, destinado ao recorrente Jairo Cassiano, no valor de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos) reais, e é com alicerce nesse fato que decido os méritos dos apelos especiais, os quais passo a examinar.
Ressalto os seguintes pontos incontroversos e conclusões exibidos no v. acórdão recorrido:
- no final do mês de agosto de 2008, Jairo Cassiano, então Presidente da Câmara Municipal de Sena Madureira/AC, subscreveu e colocou em circulação cheque daquela Casa Legislativa no valor de R$ 1.500,00, com data de 23.9.2008, sem atender aos requisitos previstos no Regimento Interno;
- Jairo Cassiano assinou, em 24.8.2008, contrato de promessa de locação de imóvel situado na Av. Guanabara s/n, Bairro
do Bosque, Sena Madureira/AC, para início da locação em 3.11.2008 e término em 3.11.2009, com valor mensal de
R$ 1.500,00;
- o cheque em comento foi sustado pelo Banco da Amazônia em 10.9.2008;
- na data de 1.9.2008, Wanderley Zaire Lopes assinou contrato de locação do mesmo imóvel acima citado, pelo valor de R$ 300,00, para o período de 1.9.2008 a 10.10.2008.
- ¿resulta claro que a fixação do valor do aluguel indicado no contrato (R$ 1.500,00) teve como critério o valor da [verba disponibilizada pela Câmara Legislativa aos vereadores], e não o valor do bem para fins de locação" (fl. 370);
- ¿considerando as datas do cheque e de sua circulação, tenho como certo que em setembro de 2008, Jairo Cassiano já era locatário do imóvel onde funcionou comitê eleitoral do então candidato a vereador Wanderley Zaire, sendo ali divulgada propaganda política de Nilson Areal e Jairo Cassiano (...) o contrato entre Evaldo e Wanderley não altera a conclusão acima, pois além de ter sido firmado no calor da discussão pública sobre a emissão irregular de cheque da Câmara de Vereadores pelo então candidato a vice-prefeito, contempla data de início abrangida em plena vigência do contrato de locação entre Evaldo e Jairo Cassiano, referente ao mesmo imóvel, contratação concretizada quando da emissão do cheque de fl. 10, sem o alegado caráter de garantia (...)" (g.n.) (fl. 372), ou seja, tinha a nítida finalidade de mascarar a locação do imóvel por Jairo Cassiano;
- ¿resta claro que outra não foi a motivação do citado contrato senão a tentativa de romper a evidência da locação do imóvel de Jairo Cassiano mediante utilização de cheque da Câmara Municipal. A contratação, realizada de afogadilho, contempla lacuna injustificável, consistente na falta de indicação da data de pagamento, realizado, aliás, no dia 16/09/2008, dezesseis dias depois da data indicada para início da locação, como demonstram os documentos de fls. 233/235. Além disso, não se sabe ao certo o período da locação, pois o período
de `01 mês¿ contado a partir do dia 01/09 terminaria no dia 30/09 e não no dia 10/10. Não tem assim o referido contrato qualquer credibilidade para afastar a conclusão de que em setembro de 2008 Jairo Cassiano já era locatário do imóvel, sendo ali divulgada propaganda política da chapa na qual Jairo Cassiano figurava como candidato a vice-prefeito e Nilson Areal como prefeito" (fl. 373).
Ante a detalhada análise exibida no v. acórdão recorrido, mormente tendo em vista os pontos anteriormente destacados, entendo que, ao revés do que argumentaram os recorrentes, o cheque no valor de R$ 1.500,00, a despeito de ter sido sustado, alcançou a finalidade para a qual foi proposta, haja vista que, conforme mencionou o Relator da Corte a quo,
¿o proprietário do imóvel recebeu o cheque de fl. 10, o qual poderia ser descontado, como ele próprio afirma `quando o Hermano assinasse¿, ou seja, em desconformidade com o compromisso de restituição do título no ato da assinatura do contrato de locação prometido" (fl. 372).
Consoante bem inferiu o e. TRE/AC, ¿está caracterizada a utilização do bem em benefício da chapa majoritária, durante período de locação contratada mediante utilização de verba da Câmara Municipal"
(fl. 373); portanto, tenho por certo que os recorrentes foram beneficiados com a emissão do cheque em comento, que foi sustado após o início do período de locação e no intuito de mascarar a real intenção do negócio, ou seja, configurou-se o ilícito eleitoral. Cabe, a partir de então, analisar a ocorrência ou não do abuso de poder econômico, isto é, identificar se houve, in casu, potencialidade.
Como entender potencialidade e legitimidade? Como destaquei no julgamento do RCED 671, de relatoria do e. Min. Eros Grau, entendo que, sem dúvida, só se chega à resposta quando se atém às peculiaridades de cada caso. Antes, porém, firmo duas premissas com esteio na doutrina e jurisprudência.
1º O exame da potencialidade não se prende ao resultado das eleições. Importam os elementos que podem influir no transcurso normal e legítimo do processo eleitoral, sem necessária vinculação com resultado quantitativo.
2º Legitimidade do pleito diz respeito ao tratamento isonômico (¿equilíbrio da disputa") entre candidatos e ao respeito à vontade popular.
Nesta linha está sedimentada a compreensão adotada por esta Corte Superior:
"3. A caracterização do abuso do poder econômico exige a comprovação da potencialidade lesiva da conduta a ensejar o claro desequilíbrio entre os candidatos ao pleito." (g.n.)
(RO 1.484/SP, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJe de 11.12.2009)
"RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. ELEIÇÕES 2006. DEPUTADO ESTADUAL. REMESSA. CORRESPONDÊNCIA. ELEITORES. UTILIZAÇÃO. CAIXA POSTAL. EMPRESA DE RÁDIO. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. AUSÊNCIA. PROVA. POTENCIALIDADE DA CONDUTA. NÃO PROVIMENTO.
I - Para a configuração do abuso de poder político e econômico é necessária, além da prova da conduta, a demonstração da sua potencialidade para interferir no resultado das eleições.
II - Recurso a que se nega provimento." (g.n.)
(RCED 689/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 19.11.2009)
A Corte de origem concluiu pela existência da potencialidade, ao argumento de que a conduta em debate influiu ¿no equilíbrio da disputa, pelas inegáveis vantagens advindas da disponibilidade de um prédio para a sua campanha eleitoral e da emissão de cheques em prol da mesma candidatura" (fl. 375).
Contudo, no caso em tela, não vislumbro ter o ilícito potencialidade para desequilibrar a disputa eleitoral, isto é, entendo não ter sido demonstrado como o cheque emitido pela Casa Legislativa do Município de Sena Madureira/AC, destinado ao pagamento do aluguel de imóvel para instalação de comitê eleitoral, poderia ofender a normalidade e a legitimidade das eleições, motivo pelo qual afasto qualquer penalidade advinda do ilícito eleitoral em comento, ante a ausência do imprescindível requisito da potencialidade.
Por fim, pondero que a este e. Tribunal compete identificar, somente, se as condutas narradas pelos recorrentes configuraram abuso do poder econômico, ou seja, se houve ilícito eleitoral e potencialidade. Assim, eventual ato de improbidade administrativa deve ser questionado por meio de ação apropriada no âmbito da Justiça Comum, conforme os seguintes precedentes:
"1. Não cabe à Justiça Eleitoral julgar eventual prática de ato de improbidade administrativa, o que deve ser apurado por intermédio de ação própria. Precedente: Acórdão nº 612."
(RO 725/GO, Rel. Min. Luiz Carlos Madeira, Rel. Designado
Min. Caputo Bastos, DJ de 18.11.2005)
"(...) 9. À Justiça Eleitoral não cabe julgar a eventual prática de ato de improbidade. Compete a este c. Tribunal investigar, tão somente, a ocorrência de eventual interferência ilícita no pleito, seja política ou econômica, visando a beneficiar e fortalecer candidaturas (Rel. Min. Luiz Carlos Madeira, DJ de 18.11.2005). (...)"
(RCED 698/TO, de minha relatoria, DJE 12.8.2009)
Com essas considerações, dou provimento aos recursos especiais eleitorais, nos termos do art. 36, § 7º, do RI-TSE, para reformar o v. acórdão recorrido e afastar a cassação dos mandatos eletivos de Nilson Roberto Areal de Almeida e Jairo Cassiano Barbosa.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 18 de março de 2010.
MINISTRO FELIX FISCHER
Relator
Nilson Roberto Areal de Almeida e Jairo Cassiano Barbosa interpuseram, separadamente, recurso especial eleitoral contra v. acórdão proferido pelo e. Tribunal Regional Eleitoral do Acre, posteriormente complementado pelo acórdão que julgou os embargos de declaração dos recorrentes. Eis as respectivas ementas (fl. 362 e fl. 406):
RECURSO ELEITORAL - AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO - ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO - AGENTE PÚBLICO PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL E INTEGRANTE DE CHAPA MAJORITÁRIA - EMISSÃO DE CHEQUE DA CÂMARA MUNICIPAL - PAGAMENTO DE LOCAÇÃO DE IMÓVEL PARA FINS ELEITORAIS - CASSAÇÃO DO MANDATO - RECURSO PROVIDO.
Em sede de ação de impugnação de mandato eletivo, impõe-se cassação do mandato do agente que integrou chapa majoritária e comprovadamente utilizou-se do cargo de Presidente da Câmara Municipal e de verba do mesmo órgão, em benefício próprio e de terceiro, mediante conduta que teve a potencialidade de influir no equilíbrio da disputa, pelas inegáveis vantagens advindas da disponibilidade de um prédio para a sua campanha eleitoral e da emissão de cheques em prol da mesma candidatura, estendendo-se a cassação ao beneficiário do ato, que integrou a mesma chapa.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - QUESTÕES NÃO SUSCITADAS EM RECURSO ELEITORAL - REDISCUSSÃO DE MATÉRIA - INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO - REJEIÇÃO.
Rejeitam-se os embargos de declaração que visam, ora suscitar questões novas, caracterizando verdadeira intenção de aditamento do recurso eleitoral, ora rediscutir os fundamentos da decisão embargada, com deduções que destoam da realidade dos autos.
Na espécie, cuida-se de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) ajuizada pela Coligação Por uma Sena Melhor, Atalício Barbosa Cavalcante e Antônia Franca de Oliveira Vieira, contra a Coligação Frente Popular de Sena Madureira, Nilson Roberto Areal de Almeida e Jairo Cassiano Barbosa, almejando a cassação dos mandatos eletivos dos impugnados e, por conseguinte, a diplomação dos impugnantes, cuja chapa alcançou a segunda colocação no pleito.
O juiz da instância inicial julgou improcedente o pedido exibido na peça inicial por entender não ter sido comprovada a prática de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude pelos impugnados.
Em desfavor dessa decisão, a impugnante interpôs recurso perante o e. TRE/AC, que deu provimento ao recurso, nos termos da ementa transcrita, o que ensejou a oposição de embargos declaratórios pelos ora recorrentes, os quais foram rejeitados.
Daí a interposição dos presentes recursos especiais eleitorais, sendo que Nilson Roberto Areal de Almeida argumenta, sinteticamente, que
a) o v. acórdão recorrido violou os arts. 93, IX, da Constituição Federal, bem como o 275 do Código Eleitoral e 535 do Código de Processo Civil, haja vista não ter se pronunciado acerca das matérias tratadas nos arts. 5º, LIV, LV, LVI e LVII, da CF, 302 e 333 do CPC, e 23 da LC nº 64/90, quando do julgamento dos embargos declaratórios;
b) "(...) a convicção do julgador foi formada através da conjugação do suposto silêncio dos Recorrentes (...). A primeira violação decorre do reconhecimento da confissão e da presunção de veracidade dos fatos supostamente não impugnados, afrontando-se diretamente o art. 302, I e III, do CPC (...) na medida em que no direito eleitoral não se admite a confissão (...)" (fls. 429-430);
c) ¿Diante, portanto, da deficiência probatória dos autos, decorrente a ausência de elementos idôneos e suficientes à condenação, a solução encontrada pelo Regional foi exatamente inverter o ônus da prova. Dessa forma, importante ressaltar que a convicção do TRE/AC foi formada com a adoção de elementos probatórios meramente indiciários (indicação de números e canhotos de cheques, além de mera afirmação de que foram utilizados com finalidade eleitoral), `aliado¿, conjugado com meio probatório ilegítimo (o suposto silêncio dos Recorrentes). Em outras palavras, não fosse a inversão do ônus da prova não haveria elementos a justificar e embasar a condenação imposta. Mutatis mutandis, o Tribunal Superior Eleitoral já decidiu que a convicção do julgador não pode estar contaminada por elementos probatórios inválidos ou não admitidos pelo ordenamento jurídico" (fls. 432-433);
d) ¿em condições tais não há que se falar em abuso de poder político ou de autoridade justamente pela ineficácia do ato de autoridade, no caso o título de crédito que não poderia e não produziu efeito jurídico, fato de conhecimento da própria sociedade (...). O que se pode cogitar, quando muito, é da tentativa de abuso de poder político. Mas a jurisprudência eleitoral não admite a tentativa, exigindo a efetiva conseqüência da atuação do poder público em favor de candidatos ou partidos" (fl. 437). Assim, houve violação aos arts. 22, XV, da LC nº 64/90, e 14, § 10, da CF;
e) não houve abuso de poder econômico, uma vez que o pagamento do aluguel foi feito com recursos privados, e, ¿ainda que fosse possível conjecturar que o pagamento ocorreu com recursos públicos, o fato se amoldaria às espécies de condutas vedadas previstas no art. 73 da Lei 9.504/97, e não propriamente abuso de poder econômico pelo pequeno
valor do cheque e do aluguel" (fl. 440). Nesse ponto,
o v. acórdão recorrido ofendeu os arts. 22, XV, da LC nº 64/90, e 14, § 9º, da CF;
f) não cabe discutir abuso de poder político em AIME;
g) deve-se observar o princípio da proporcionalidade, sendo que ¿equivocou-se o Tribunal Regional Eleitoral do Acre ao considerar que basta a irregularidade ou ilegalidade da conduta para incidência das graves penas de cassação do mandato eletivo. A pena é extremamente desproporcional e, portanto, merece reforma para restabelecer a sentença por afronta ao art. 5º, LIV, da CF/88" (fl. 444);
h) é ônus do impugnante demonstrar a potencialidade,
sendo que, in casu, estes não se desincubiram do ônus de demonstrá-la.
De outra parte, Jairo Cassiano Barbosa alega, nas razões do seu apelo especial, que:
a) houve violação ao art. 275, II, do Código Eleitoral, uma vez que o v. aresto recorrido não se manifestou acerca das questões tratadas nos arts. 6
º do CPC c.c. o 6º da Lei nº 9.504/97, 333 do CPC, 14, § 10, da CF, e 22 da LC nº 64/90;
b) a coligação recorrida não tem legitimidade para figurar no polo ativo da presente AIME, já que ¿as coligações existem para as eleições, sendo-lhes atribuídas prerrogativas e obrigações no curso das eleições" (fl. 460); esgotado o pleito eleitoral, não há falar em legitimidade ativa das coligações;
c) ¿a Corte a quo se valeu de mera presunção quanto à utilização dos referidos cheques em prol da candidatura de Jairo Cassiano, incorrendo em indevida inversão do direito probatório, já que, conforme o art. 333, I, do CPC, o ônus da prova incumbe `ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito" (fl. 464);
d) não se configurou abuso de poder econômico diante do fato de ter o cheque em comento sido sustado e, portanto, não se efetivou o benefício pretendido; nesse ponto, menciona que ¿a jurisprudência do Eg. TSE há muito já assentou que a mera tentativa de abuso (poder político ou econômico) não implica a perda do mandato eletivo" (fl. 466);
e) ¿a Corte Regional nem ao menos se preocupou em trazer concretos elementos ou demonstrar a potencialidade do alegado abuso de poder político/econômico na espécie"
(fl. 469);
f) há necessidade de se aplicar a proporcionalidade.
A d. Procuradoria-Geral Eleitoral emitiu parecer pelo não conhecimento dos recursos, nos termos da ementa (fl. 482):
RECURSOS ESPECIAIS ELEITORAIS. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. I - DEFICIÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF.
II - DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADO. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. NÃO REALIZAÇÃO DE COTEJO ANALÍTICO. III - REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS Nº 7/STJ E Nº 279/STF.
IV - PARECER PELO NÃO CONHECIMENTO DOS RECURSOS.
É o relatório. Decido.
Os recorrentes alegaram violação aos arts. 93, IX, da Constituição Federal e 275 do Código Eleitoral. Contudo, entendo que não houve violação a tais dispositivos, haja vista a manifesta intenção de reexame da matéria quando da interposição dos embargos de declaração.
Os recorrentes argumentaram não ser cabível a presente ação de impugnação a mandato eletivo, ao argumento de tratar-se, in casu, de abuso de poder político.
De fato, segundo a jurisprudência do e. TSE é incabível AIME com fundamento tão somente em abuso de poder político strictu sensu, haja vista que esta ação se destina a apurar abuso de poder econômico, corrupção e fraude (Precedente: REspe nº 28007/BA, Rel. Min. José Gerardo Grossi, DJ de 23.9.2008).
Nesse ponto, imprescindível comentar que, na sessão de 22.4.2008, a e. Corte Eleitoral passou a entender pela possibilidade de apurar o abuso de poder econômico entrelaçado ao abuso de poder político em AIME: ¿se o abuso de poder político consistir em conduta configuradora de abuso de poder econômico ou corrupção (entendida essa no sentido coloquial e não tecnicamente penal), é possível o manejo da ação de impugnação de mandato eletivo" (REspe nº 28.040-BA, Rel. Min. Ayres Britto, DJ de 1º.7.2008).
Desse modo, não merece prosperar a tese apresentada pelo recorrente, tendo em vista que a causa de pedir da AIME também se reporta à existência de abuso de poder econômico.
Ainda, o recorrente Jairo Cassiano Barbosa alegou ilegitimidade ativa da coligação para a propositura de AIME.
Quanto a esse ponto, o c. TSE já firmou entendimento de que as coligações são partes legítimas para propor ação de impugnação de mandato eletivo. Senão, veja precedente desta c. Corte:
"Recurso especial. Ação de impugnação de mandato eletivo. Alegações de ilegitimidade ativa e irregularidade de representação da coligação que propôs a ação. Rejeição. Prova emprestada. Possibilidade. Abuso do poder econômico. Comprometimento da lisura e do resultado do pleito. Comprovação. Reexame de matéria fática.
1. As coligações partidárias têm legitimidade para a propositura de ação de impugnação de mandato eletivo, conforme pacífica jurisprudência desta Corte (Acórdão nº 19.663).
(...)" (g.n.)
(Ag 4410/SP, Rel. Min. Fernando Neves, DJ de 7.11.2003)
De outra parte, argumentam os recorrentes que o e. TRE/AC inverteu o ônus da prova ao analisar a finalidade dos cheques indicados na peça inaugural. Nesse contexto, decidiu o regional:
"Acrescente-se que também restou provado nos autos a emissão de outros cheques da Câmara Municipal (fls. 87/88), cujos canhotos foram apresentados em Juízo por força de requisição judicial, neles constando as inscrições `Cancelado¿, `Jairo¿ e `J¿. É certo que referidos cheques foram expedidos sem o devido processo administrativo. Nem a Câmara Municipal e nem Jairo Cassiano informaram a que se destinaram, nem as razões pelas quais estão com as inscrições referidas.
Também, releva notar que nos autos da AIME o representante indicou expressamente os números dos citados cheques e afirmou terem sido utilizados com a mesma finalidade do cheque de fl. 10. Tal afirmação não foi contestada por Jairo Cassiano, que, no ponto em destaque limitou-se a dizer que os cheques citados não estavam em julgamento, porquanto `esta demanda não é de investigação judicial e sim de impugnação, onde, necessariamente, as provas devem ser pré-constituídas¿ (fl. 31). Assim, comprovada a emissão irregular dos cheques a que se referem os canhotos de fls. 87/88, e diante da omissão de Jairo Cassiano em demonstrar que não foram utilizados em benefício de sua campanha eleitoral, tenho que eles, tal como o cheque de fl. 12, tiveram a destinação indicada na petição inicial." (fl. 374).
Do exame do excerto acima, observo que, de fato,
a i. julgadora da Corte de origem entendeu pela destinação dos ¿cheques a que se referem os canhotos de fls. 87/88" em benefício da campanha eleitoral dos recorrentes com fundamento na sua irregular emissão e também no fato de não ter o recorrente comprovado que a sua emissão não se prestou a beneficiar sua campanha eleitoral.
A bem da verdade, para a interposição de ação de impugnação ao mandato eletivo não se exige prova pré-constituída, devendo, todavia, dada a seriedade da demanda, ser a peça inicial instruída com ¿um razoável início de provas do alegado, indicativo relativamente seguro do fumus boni juris de natureza documental. O que se exige é uma prova inicial que mostre a viabilidade de êxito da ação e que espanque, ab initio, a aguição por temeridade ou má-fé" .
São os precedentes do e. TSE:
"(...) 3. A ação de impugnação de mandato eletivo exige a presença de prova forte, consistente e inequívoca. (...)"(g.n.)
(RESpe 28.928/AC, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJe de 25.2.2010)
¿2. A Ação de Impugnação de Mandato Eletivo não exige para o seu ajuizamento prova pré-constituída, mas tão-somente indícios idôneos do cometimento de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude." (g.n.)
(REspe 16.257/PE, Rel. Min. Edson Carvalho Vidigal, DJ de 11.8.2000)
Desse modo, percebo que quanto aos ¿cheques a que se referem os canhotos de fls. 87/88" , não restou comprovada a sua real destinação, tendo a ilustre relatora do v. aresto ora recorrido decidido com fundamento na ausência de defesa dos recorrentes, o que configura, de fato, inversão do ônus da prova.
Contudo, por outro lado, noto ser inquestionável a emissão de cheque pela Câmara de Vereadores do Município de Sena Madureira/AC, destinado ao recorrente Jairo Cassiano, no valor de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos) reais, e é com alicerce nesse fato que decido os méritos dos apelos especiais, os quais passo a examinar.
Ressalto os seguintes pontos incontroversos e conclusões exibidos no v. acórdão recorrido:
- no final do mês de agosto de 2008, Jairo Cassiano, então Presidente da Câmara Municipal de Sena Madureira/AC, subscreveu e colocou em circulação cheque daquela Casa Legislativa no valor de R$ 1.500,00, com data de 23.9.2008, sem atender aos requisitos previstos no Regimento Interno;
- Jairo Cassiano assinou, em 24.8.2008, contrato de promessa de locação de imóvel situado na Av. Guanabara s/n, Bairro
do Bosque, Sena Madureira/AC, para início da locação em 3.11.2008 e término em 3.11.2009, com valor mensal de
R$ 1.500,00;
- o cheque em comento foi sustado pelo Banco da Amazônia em 10.9.2008;
- na data de 1.9.2008, Wanderley Zaire Lopes assinou contrato de locação do mesmo imóvel acima citado, pelo valor de R$ 300,00, para o período de 1.9.2008 a 10.10.2008.
- ¿resulta claro que a fixação do valor do aluguel indicado no contrato (R$ 1.500,00) teve como critério o valor da [verba disponibilizada pela Câmara Legislativa aos vereadores], e não o valor do bem para fins de locação" (fl. 370);
- ¿considerando as datas do cheque e de sua circulação, tenho como certo que em setembro de 2008, Jairo Cassiano já era locatário do imóvel onde funcionou comitê eleitoral do então candidato a vereador Wanderley Zaire, sendo ali divulgada propaganda política de Nilson Areal e Jairo Cassiano (...) o contrato entre Evaldo e Wanderley não altera a conclusão acima, pois além de ter sido firmado no calor da discussão pública sobre a emissão irregular de cheque da Câmara de Vereadores pelo então candidato a vice-prefeito, contempla data de início abrangida em plena vigência do contrato de locação entre Evaldo e Jairo Cassiano, referente ao mesmo imóvel, contratação concretizada quando da emissão do cheque de fl. 10, sem o alegado caráter de garantia (...)" (g.n.) (fl. 372), ou seja, tinha a nítida finalidade de mascarar a locação do imóvel por Jairo Cassiano;
- ¿resta claro que outra não foi a motivação do citado contrato senão a tentativa de romper a evidência da locação do imóvel de Jairo Cassiano mediante utilização de cheque da Câmara Municipal. A contratação, realizada de afogadilho, contempla lacuna injustificável, consistente na falta de indicação da data de pagamento, realizado, aliás, no dia 16/09/2008, dezesseis dias depois da data indicada para início da locação, como demonstram os documentos de fls. 233/235. Além disso, não se sabe ao certo o período da locação, pois o período
de `01 mês¿ contado a partir do dia 01/09 terminaria no dia 30/09 e não no dia 10/10. Não tem assim o referido contrato qualquer credibilidade para afastar a conclusão de que em setembro de 2008 Jairo Cassiano já era locatário do imóvel, sendo ali divulgada propaganda política da chapa na qual Jairo Cassiano figurava como candidato a vice-prefeito e Nilson Areal como prefeito" (fl. 373).
Ante a detalhada análise exibida no v. acórdão recorrido, mormente tendo em vista os pontos anteriormente destacados, entendo que, ao revés do que argumentaram os recorrentes, o cheque no valor de R$ 1.500,00, a despeito de ter sido sustado, alcançou a finalidade para a qual foi proposta, haja vista que, conforme mencionou o Relator da Corte a quo,
¿o proprietário do imóvel recebeu o cheque de fl. 10, o qual poderia ser descontado, como ele próprio afirma `quando o Hermano assinasse¿, ou seja, em desconformidade com o compromisso de restituição do título no ato da assinatura do contrato de locação prometido" (fl. 372).
Consoante bem inferiu o e. TRE/AC, ¿está caracterizada a utilização do bem em benefício da chapa majoritária, durante período de locação contratada mediante utilização de verba da Câmara Municipal"
(fl. 373); portanto, tenho por certo que os recorrentes foram beneficiados com a emissão do cheque em comento, que foi sustado após o início do período de locação e no intuito de mascarar a real intenção do negócio, ou seja, configurou-se o ilícito eleitoral. Cabe, a partir de então, analisar a ocorrência ou não do abuso de poder econômico, isto é, identificar se houve, in casu, potencialidade.
Como entender potencialidade e legitimidade? Como destaquei no julgamento do RCED 671, de relatoria do e. Min. Eros Grau, entendo que, sem dúvida, só se chega à resposta quando se atém às peculiaridades de cada caso. Antes, porém, firmo duas premissas com esteio na doutrina e jurisprudência.
1º O exame da potencialidade não se prende ao resultado das eleições. Importam os elementos que podem influir no transcurso normal e legítimo do processo eleitoral, sem necessária vinculação com resultado quantitativo.
2º Legitimidade do pleito diz respeito ao tratamento isonômico (¿equilíbrio da disputa") entre candidatos e ao respeito à vontade popular.
Nesta linha está sedimentada a compreensão adotada por esta Corte Superior:
"3. A caracterização do abuso do poder econômico exige a comprovação da potencialidade lesiva da conduta a ensejar o claro desequilíbrio entre os candidatos ao pleito." (g.n.)
(RO 1.484/SP, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJe de 11.12.2009)
"RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. ELEIÇÕES 2006. DEPUTADO ESTADUAL. REMESSA. CORRESPONDÊNCIA. ELEITORES. UTILIZAÇÃO. CAIXA POSTAL. EMPRESA DE RÁDIO. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. AUSÊNCIA. PROVA. POTENCIALIDADE DA CONDUTA. NÃO PROVIMENTO.
I - Para a configuração do abuso de poder político e econômico é necessária, além da prova da conduta, a demonstração da sua potencialidade para interferir no resultado das eleições.
II - Recurso a que se nega provimento." (g.n.)
(RCED 689/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 19.11.2009)
A Corte de origem concluiu pela existência da potencialidade, ao argumento de que a conduta em debate influiu ¿no equilíbrio da disputa, pelas inegáveis vantagens advindas da disponibilidade de um prédio para a sua campanha eleitoral e da emissão de cheques em prol da mesma candidatura" (fl. 375).
Contudo, no caso em tela, não vislumbro ter o ilícito potencialidade para desequilibrar a disputa eleitoral, isto é, entendo não ter sido demonstrado como o cheque emitido pela Casa Legislativa do Município de Sena Madureira/AC, destinado ao pagamento do aluguel de imóvel para instalação de comitê eleitoral, poderia ofender a normalidade e a legitimidade das eleições, motivo pelo qual afasto qualquer penalidade advinda do ilícito eleitoral em comento, ante a ausência do imprescindível requisito da potencialidade.
Por fim, pondero que a este e. Tribunal compete identificar, somente, se as condutas narradas pelos recorrentes configuraram abuso do poder econômico, ou seja, se houve ilícito eleitoral e potencialidade. Assim, eventual ato de improbidade administrativa deve ser questionado por meio de ação apropriada no âmbito da Justiça Comum, conforme os seguintes precedentes:
"1. Não cabe à Justiça Eleitoral julgar eventual prática de ato de improbidade administrativa, o que deve ser apurado por intermédio de ação própria. Precedente: Acórdão nº 612."
(RO 725/GO, Rel. Min. Luiz Carlos Madeira, Rel. Designado
Min. Caputo Bastos, DJ de 18.11.2005)
"(...) 9. À Justiça Eleitoral não cabe julgar a eventual prática de ato de improbidade. Compete a este c. Tribunal investigar, tão somente, a ocorrência de eventual interferência ilícita no pleito, seja política ou econômica, visando a beneficiar e fortalecer candidaturas (Rel. Min. Luiz Carlos Madeira, DJ de 18.11.2005). (...)"
(RCED 698/TO, de minha relatoria, DJE 12.8.2009)
Com essas considerações, dou provimento aos recursos especiais eleitorais, nos termos do art. 36, § 7º, do RI-TSE, para reformar o v. acórdão recorrido e afastar a cassação dos mandatos eletivos de Nilson Roberto Areal de Almeida e Jairo Cassiano Barbosa.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 18 de março de 2010.
MINISTRO FELIX FISCHER
Relator
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