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Erros comuns na dosimetria da pena


Adauto Dias Tristão, publicado no Carta Forense

A palavra sentença, deriva, etimologicamente, do latim sentire, dando a idéia de que através da sentença o Juiz declara o que sente. Já a palavra decidir, em sua origem latina, vem de decadere, cortar o nó, extinguir o ponto de discórdia, acabar com a controvérsia.

Os críticos dos magistrados costumam dizer que os juízes começam errando a sentença logo no "Vistos etc", ao colocar uma vírgula inexistente, separando as palavras.

Ao ler o artigo 68 do CP fica claro que o método adotado pelo Código Penal Brasileiro não é o Bifásico capitaneado por Roberto Lyra, mas o trifásico, defendido por Nelson Hungria. Funciona da seguinte forma: primeiramente é fixada a pena-base, avaliando-se as circunstâncias judicias encontradas no artigo 59, "caput", em seguida, já na segunda fase, é feito o cálculo da pena provisória, computando as possíveis atenuantes (artigos 65 e 66 do Código Penal ) e agravantes (artigos 61 e 62 do Código Penal). Por fim, na terceira e última fase, chega-se a pena definitiva, computando-se as eventuais causas de diminuição e de aumento.

Os erros de dosimetria da sentença penal condenatória geram um grande número de recursos. Os equívocos mais frequentes estão relacionados às circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal. Isto ocorre pela falta de fundamentação adequada, consoante prevê a Constituição Federal no artigo 93, IX. A fundamentação é essencial para que o princípio da ampla defesa e contraditório sejam efetivamente atendidos, pois a defesa tem o direito de conhecer a motivação para saber quais argumentos usar em caso de recurso. Além disso, os fundamentos da sentença são primordiais para uma competente fiscalização do Poder Judiciário, seja, pelo Ministério Público, seja pela sociedade ou pelo próprio Judiciário.

As circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal muitas vezes não são fundamentadas de forma adequada pelos magistrados. Não podem ser aplicadas de forma genérica, muito pelo contrário, os casos devem ser analisados em suas concretudes e especificações.

Erro comum relacionado ao artigo 59 do Código Penal é quanto aos antecedentes. Bons antecedentes, não se confundem com primariedade. Primário é o que nunca foi condenado por sentença definitiva. A absolvição ou o arquivamento de inquérito, por exemplo, não caracteriza presunção de maus antecedentes. Os antecedentes servem para demonstrar se o crime foi ou não um episódio esporádico da vida do réu.

Importante registrar que o prazo qüinqüenal previsto no artigo 64, I do Código Penal, denominado período depurados, utilizado para efeitos de reincidência tem sido alvo de certa divergência doutrinária e jurisprudencial, O STJ entende ser possível sua utilização para desconsiderar o aspecto negativo inserido nos antecedentes do agente, enquanto a outra linha de pensamento, firmada pelo STF entende que este dispositivo legal somente deverá ser usado para os casos de reincidência, pois o prazo de cinco anos não apaga a mancha produzida pela vida pregressa do agente.

A conduta social que são as atitudes adotadas pelo réu no trabalho, sua conduta na comunidade, mormente onde reside, bem como seu relacionamento com a família. Deve ser examinado, por exemplo, se era homem caridoso, trabalhador, voltado para a família, integrado à comunidade ou não. Veja, não basta registrar "a conduta social do réu é ruim". É essencial mencionar, por exemplo, "é ruim porque leva vida desregrada, trata muito mal seus familiares, vizinhos e colegas de trabalho, conforme a prova produzida". Já a personalidade do agente diz respeito à índole do acusado, à sua maneira de agir e sentir. Refere-se a seus atributos pessoais. É o exame do caráter, cultura, sua estrutura psicológica.

Os motivos do crime por sua vez que são todos os fatos que moveram o réu a cometer o delito, em alguns casos, são previstos também como circunstâncias legais genéricas (art. 61 a 65, CP). Por exemplo: motivo fútil, motivo torpe, motivo de relevante valor social e moral. Nesses casos, só devem ser considerados para agravar ou diminuir a pena do réu, conforme o caso. Não podem refletir na quantidade de pena-base, sob pena de caracterizar o bis in idem.

No que diz respeito às circunstâncias do crime, que é o estado de ânimo do réu, as condições de tempo, lugar, maneira de agir, ocasião. É totalmente contrária ao réu, por exemplo, a circunstância de haver eliminado alguém dentro de uma igreja ou na casa da vítima. É bom lembrar que não podem ser levadas em consideração, quando da análise do art. 59 do CP, circunstâncias tais como "atenuantes", "agravantes", "privilegiadoras" ou "qualificadoras", pois o exame destas será feito posteriormente.

As conseqüências do crime, a que alude o Código são as conseqüências extrapenais, vão além do tipo. São os efeitos da conduta do réu, o menor ou maior dano para os familiares da vítima ou para a coletividade. Por exemplo, é menos grave o homicídio em que a vítima é uma pessoa solteira sem filhos, do que aquele cuja vítima morre deixando nove órfãos!

Deve ser dada muita importância também ao comportamento da vítima. Tem de ser analisado o grau de colaboração, negligência ou provocação da vítima. Casos há em que a participação da vítima quase se confunde com a do meliante. Pode-se citar a título de exemplo os casos de golpes como o do bilhete premiado, o conto do paco, onde a vítima procura tirar proveito do delito. É a denominada torpeza bilateral.

A individualização da pena também deve ser levada em conta, ou seja, se houver mais de um apenado, deve ser feita uma dosimetria para cada um destes. O mesmo ocorrerá se houver concurso de crimes.

A aplicação das qualificadoras também merece atenção especial. Diferem das agravantes, que são circunstâncias legais genéricas, em que o aumento deve ser de alguns meses, a critério do juiz. A pena-base irá ser confeccionada com base no lastro sancionatório prescrito no tipo qualificado.

Fundamental lembrar que diferentemente do que ocorre com as agravantes e atenuantes de mesma espécie, não é possível fazer a compensação entre uma causa de aumento e uma causa de diminuição, uma vez que o cálculo da pena é feito de forma cumulativa, é o chamado cálculo por cascata. A causa de aumento ou de diminuição terá como objeto de incidência o quantum encontrado na operação anterior.

Muito corrente também é o equívoco provocado pela confusa redação do parágrafo único do artigo 68 do Código Penal, que se refere ao concurso entre causas de aumento e, também no concurso entre causas de diminuição. Muitos se confundem entendendo que o concurso previsto neste dispositivo é entre as causas de aumento e diminuição. O parágrafo único do artigo 68 teve escopo de orientar o magistrados nestes casos. Portanto, quando houver concurso entre duas ou mais causas de aumento aplica-se a que mais aumenta, por outro lado, se houver concurso entre causas de diminuição, aplica-se a que mais diminua. Mister salientar que esta prerrogativa só poderá ser usada pelo juiz quando o concurso for entre causas majorantes ou minorantes inseridas na parte especial do Código Penal.

Registre-se que em muitos casos, a dosimetria de pena é feita em casos desnecessários. Situações nas quais o mais correto seria aplicar o princípio da insignificância. É de se espantar que chegue ao Supremo Tribunal Federal casos como o de Habeas Corpus de pessoa apenada com pena privativa de liberdade pelo furto de bambolê, por exemplo.

Estas, em linhas gerais, breves considerações sobre dosagem ou dosimetria da pena.


Adalto Dias Tristão é Desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Pós-graduado pela Universidade Gama Filho - RJ; Mestre em Processo Penal pela PUC/SP; Professor da Escola da Magistratura/ES; Professor/Membro do Conselho Pedagógico - FAESA/ES.Autor do livro "Sentença Criminal: Prática de Aplicação de Pena e Medida de Segurança" 7ª edição. Revista, Atualizada e Ampliada.Belo Horizonte. Del Rey, 2008.

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