Pular para o conteúdo principal

A cédula de votação


Lucia Hippolito

Durante a Colônia, não existia cédula eleitoral. Os representantes eram escolhidos através de declaração oral dos eleitores. O voto era dado de viva voz.

A cédula eleitoral surge no Império, a partir da primeira lei eleitoral (1824). Os eleitores depositavam na urna uma lista com os nomes e profissões dos candidatos escolhidos.

Na década de 1840, o eleitor passou a entregar a lista, que era numerada, rubricada e depositada na urna por um funcionário da mesa eleitoral. Com a lei de 1846, os eleitores voltam a depositar pessoalmente o voto na urna.

A Lei Saraiva, de 1881, entre outras alterações no processo eleitoral, determinou que o voto fosse escrito em papel branco ou azulado. Depois de dobrado, deveria ser fechado e colocado em envelope, também fechado e depositado na urna.

A República Velha não introduziu alterações significativas no processo de votação. O voto continuou facultativo e passou a ser a descoberto, embora a Constituição consagrasse o voto secreto.

No dia da eleição, o eleitor levava duas cédulas e as assinava diante da mesa eleitoral. Os mesários conferiam e datavam as cédulas, colocando-as em envelopes. Um era depositado na urna e o outro era devolvido ao eleitor, como comprovante da votação.

A mesa apurava os votos e lavrava as atas, forjando resultados, na maioria das vezes, através das famosas “atas falsas” – as eleições da República Velha ficaram conhecidas como eleições “a bico-de-pena”.

Entretanto, não bastava ser eleito – muitas vezes através de fraude. Na ausência de uma Justiça Eleitoral, funcionava no Senado a Comissão de Verificação de Poderes, que ratificava ou não a eleição de deputados e senadores. Firmemente controlada pela elite governista, a comissão impedia que a oposição tivesse sua eleição reconhecida -- era o mecanismo conhecido como “degola”. (A Comissão de Verificação de Poderes era firmemente controlada pelo senador Pinheiro Machado. Relembre o que foi publicado aqui sobre o senador).

Voto secreto, moralização das eleições, fim do “bico-de-pena” e criação de instância autônoma para administrar as eleições constituíram importantes bandeiras da Revolução de 30.

Com a vitória da Revolução, muitas de suas bandeiras foram implementadas, mas as cédulas eleitorais permaneceram individuais e confeccionadas pelo candidato ou pelo próprio eleitor – era o chamado “voto marmita”, porque o eleitor já trazia praticamente pronto, de casa, o envelope onde estavam as cédulas dos seus candidatos.

Mas foram adotados alguns mecanismos para aumentar o sigilo do voto, protegendo a independência do eleitor. Embora as cédulas continuassem individuais, foi exigido o envelope oficial no qual o eleitor inseria sua cédula. O envelope era rubricado pelos mesários antes de ser depositado na urna.

O objetivo era evitar os envelopes coloridos fornecidos pelos partidos, que permitiam o controle do voto.

O segundo mecanismo foi a adoção da cabine indevassável para garantir a privacidade do eleitor na hora de votar.

No início da década de 50, as cédulas passaram a ser impressas e distribuídas pelos partidos. Como o PSD era o único a possuir diretórios em todos os municípios do país, isto lhe dava enorme vantagem. Cédulas de seus candidatos chegavam a todos os recantos do Brasil.

Para anular esta vantagem, surgiu na campanha presidencial de 1955 o projeto da cédula oficial, apresentado pela UDN: as cédulas seriam impressas e distribuídas pela Justiça Eleitoral, em vários lotes de um milhão, variando a ordem em que apareciam os candidatos.

Com este artifício, a UDN contava anular milhares de votos dos eleitores semi-analfabetos do interior, que seguiam as ordens do “coronel” de votar, por exemplo, no primeiro nome da cédula. Sem ordem fixa, aumentaria o risco de anulação, o que supostamente beneficiaria a UDN.

A cédula oficial teve apoio da Igreja e das Forças Armadas, mas o PSD contra-atacou com a cédula única, de autoria de José Maria Alkmin, Ulysses Guimarães e Renato Archer: cédula impressa segundo modelo do TSE e distribuída pelos partidos. Apoiada pelo TSE, a cédula única foi transformada em lei e utilizada já nas eleições presidenciais de 55. O lugar do candidato na cédula foi determinado pela ordem de registro da candidatura no TSE: Juarez Távora, Ademar de Barros, Plínio Salgado e Juscelino Kubitschek.

De lá para cá, uma única modificação substancial ocorreu com as cédulas eleitorais: sua impressão e distribuição passou à responsabilidade exclusiva da Justiça Eleitoral.

De 1964 em diante a Justiça Eleitoral passou a se encarregar da elaboração e distribuição das cédulas de votação.

A partir das eleições de 1996, urnas eletrônicas passaram a ser adotadas. Naquele ano, 57 municípios utilizaram este tipo de urna. Desde 2000, todos os eleitores brasileiros votam em urnas eletrônicas.

Fonte: Lucia Hippolito, PSD de raposas e reformistas. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985; Lucia Hippolito, "Como se vota no Brasil", in João Ubaldo Ribeiro, Política. Quem manda, por que manda, como manda. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1998

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Astronomia: Milhares de cometas escuros podem colidir com a Terra

Da Lusa - Agência de Notícias de Portugal Londres, (Lusa) - Milhares de cometas que circulam no sistema solar podem ser um perigo para a Terra, por serem indetectáveis, o que dificulta a antecipação de um eventual impacto, alertaram quarta-feira vários astrónomos britânicos. São cerca de três mil os cometas que circulam no sistema solar e apenas 25 podem ser avistados a partir da Terra, lê-se no artigo da revista "New Scientist", assinado por Bill Napier, da Universidade de Cardiff, e por David Asher, astrónomo do Observatório da Irlanda do Norte. "Devemos alertar para o perigo invisível mas significativo que são os cometas escuros", dizem os astronómos, explicando que um cometa fica escuro quando perde a cola brilhante. Desprovido desta substância, "o trajecto de um cometa que esteja em rota de colisão com o planeta Terra pode passar despercebido ao telescópio", afirmam Napier e Asher. Nos últimos séculos, o cometa de que há registo de ter passado mais pr

Os Farrapos dos olhos azuis

Cláudio Ribeiro - Demitri Túlio, do Jornal O Povo, de Fortaleza A íris clara, azulzíssima em muitos deles, é a digital do povo Farrapo. Também é da identidade a pele branca avermelhada, carimbada pelo sol forte que não cessa em Sobral. Isso mais entre os que vivem na zona rural. Gostam de exaltar o sobrenome. É forte. Farrapo não é apelido. Não são uma etnia, mas são tratados assim. São “da raça dos Farrapos”, como nos disse quem os indicou a procurá-los. Os Farrapos têm história a ser contada. Praticaram a endogamia por muito tempo. Casamentos em família, entre primos, mais gente do olho azul de céu que foi nascendo e esticando a linhagem. Sempre gostaram de negociar, trocar coisa velha. São um pouco reclusos. Vivem sob reminiscências de judaísmo. Há estudo disso, mas muito ainda a ser (re)descoberto. Os Farrapos são citados, por exemplo, no livro do padre João Mendes Lira, Presença dos Judeus em Sobral e Circunvizinhanças e a Dinamização da Economia Sobralense em Função do Capital Ju

Erros judiciários: Caso Mignonette - Estado de necessidade

A 5 de Julho de 1884 naufragou o iate inglês La Mignonette. Depois de vários dias no mar, o imediato, que era o mais jovem de todos, foi morto pelos companheiros, que mais tarde alegaram estado de necessidade perante o júri. Sustentaram que não teriam sobrevivido caso não se utilizassem do cadáver para matar a fome. O júri deu um "veredicto especial", reconhecendo apenas a matéria de fato, mas deixando a questão jurídica para que a corte superior decidisse. Lord Coleridge, um dos juízes superiores, disse, entre outras considerações, o seguinte: Conservar a própria vida é, falando em geral, um dever: mas sacrificá-la pode ser o mais claro e alto dever. A necessidade moral impõe deveres dirigidos não à conservação mas ao sacrifício da sua vida pelos outros. Não é justo dizer que há uma incondicionada e ilimitada necessidade de conservar a própria vida. Necesse est ut eam, non ut viram (é necessário que eu caminhe, não que eu viva) disse Lord Bacon. Quem deve julgar o estado de