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Corrupção vem se tornando comum no Poder Judiciário

Segunda leitura
por Vladimir Passos de Freitas


No dia 9 passado a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, cumprindo ordem judicial da Ministra Laurita Vaz, do STJ, prenderam, em Vitória (ES), 8 pessoas, entre elas o presidente do Tribunal de Justiça, mais 2 desembargadores, 1 juiz e 1 membro do MP, sob a acusação de venda de decisões judiciais e outros crimes contra a administração pública. A imprensa deu destaque ao fato. O Estado de S. Paulo registrou “PF prende número 1 da Justiça capixaba” (10 de dezembro de 2008, A8) e a Folha de S. Paulo “Procuradoria vê balcão de negócios no TJ-ES” (11 de dezembro de 2008, A-10).
Não interessa, nem seria adequado, aqui, fazer análise do caso. Mas o tema, corrupção no Judiciário, merece referência. É que tal tipo de ocorrência vem se tornando comum em todas as instâncias e ramos do Poder Judiciário (v.g. Inq. 2.424, STF recebe denúncia contra Ministro do STJ, Rev. Consultor Jurídico, 26.11.2008). O assunto não costuma ser enfrentado. Não há estudos, pesquisas ou discussões. Os magistrados preferem ignorá-lo. Os demais operadores do Direito, regra geral, optam por referências informais. Na Argentina, ao inverso, o assunto tem sido objeto de discussões e estudos (v.g. “Corrupción Judicial. Mecanismos para prevenirla y erradicarla”, E. Cárdenas e H. Chayer, Fores e La Ley, 2005).
Eugenio Zaffaroni, Ministro da Suprema Corte argentina, observa que “em comparação com os demais modelos judiciários latino-americanos, a estrutura brasileira aparece como a mais avançada de toda a região e praticamente a única que não corresponde ao modelo empírico-primitivo do resto” (Poder Judiciário, RT, p. 125). O elogio não é sem razão. Os tribunais têm autonomia administrativa e financeira e os juízes gozam de todas as garantias constitucionais, além de terem carreira estruturada e promoções com critérios objetivos. Mas escândalos que vêm se tornando freqüentes fragilizam o Judiciário brasileiro.
O tema corrupção, sem dúvida, é dos mais complexos. A começar pelo aspecto psicológico. O que leva um juiz a corromper-se? Detentor de um cargo vitalício, gozando de um “status” elevado na sociedade, recebendo vencimentos bem superiores à média nacional e que permitem uma existência digna, por qual motivo se deixariam cair em tentação? Na verdade, “não existem, no Brasil, estudos interdisciplinares a respeito do perfil psicológico do juiz” (Lídia R. Almeida Prado, O juiz e a emoção, Millennium, p. 46). Assim, sem o socorro da psicologia para entender o desvio de comportamento, a resposta só poderá ser baseada na experiência de vida. Com certeza, a corrupção é fruto, entre outros, de má formação familiar, ambição desmedida, consumismo irrefreado, descrença nos valores éticos e certeza da impunidade.
A segunda pergunta pode ser: como um desonesto consegue ser juiz? Aqui a resposta é mais simples. Concurso público não revela caráter. Portanto, desde que o candidato seja inteligente e estudioso, não lhe será difícil alcançar o objetivo. E não se esqueça que, mesmo tendo antecedentes, ele poderá ser aprovado e nomeado, valendo-se do princípio da presunção da inocência. Ademais, ninguém presta informações negativas, temendo sofrer ação de indenização por dano moral ou até mesmo algum tipo de vingança.
Em um terceiro momento se dirá: mas então, por que não são os corruptos excluídos da magistratura? Não há dificuldades na resposta. A prova de tais fatos é muito difícil. Confissão, nem pensar. Testemunhos, quase impossível. Esse tipo de crime tem alguém que corrompe e a este não interessa divulgar a fonte de seu lucro. Vai daí que não se encontra um mortal disposto a prestar tal tipo de depoimento. Os casos costumam ser descobertos através de interceptação telefônica. Eventualmente, por filmes ou requisição de documentos bancários.
Segue o raciocínio procurando explicações para o fenômeno. E se pensará no seguinte: mas como se deixa chegar a tal ponto? Aí outra resposta fácil. A culpa é dos omissos. A época dos ideais, da solidariedade, vem cedendo espaço a um individualismo egoísta. Ser feliz a qualquer preço é a tônica. Neste quadro, é óbvio que ninguém deseja envolver-se com desagradáveis acusações sobre corrupção.
E assim segue a vida. De tais problemas, não cogitava o Ministro Castro Nunes, do STF, ao escrever em 1943 a excelente obra “Teoria e Prática do Poder Judiciário”. Isto não significa que à época não existisse corrupção. Ela faz parte da condição humana. Mas era menor. Mais amadora. Atualmente, ela vem se alastrando de maneira profissional. Entrando em todas as esferas de poder, inclusive no próprio Poder Judiciário, de todos o que detém os melhores valores.
Será isto inevitável? Não, absolutamente. É possível e necessário reagir. Basta ter vontade. Neste particular, a mídia vem exercendo um papel de grande importância ao divulgar os fatos e obrigar a tomada de posições. O CNJ também tem assumido um papel efetivo no combate à corrupção.
Mas ainda é pouco. A sociedade civil não tem tido um papel de destaque. É preciso maior conscientização. Os corruptores devem pensar que de beneficiários um dia, poderão passar a vítimas no outro. Os Tribunais, através de seus magistrados, devem enfrentar o problema no início e não aguardar um escândalo, com péssima repercussão na mídia, para daí tomar providências. As associações de magistrados devem assumir posição menos corporativa e mais voltada ao interesse público e da própria magistratura.
Em suma, a existência de um Poder Judiciário respeitado e eficiente é do interesse de todos e requisito para a sobrevivência da democracia. Mas isto não cairá do céu, por milagre. É tarefa árdua para a qual todos são convidados.
Revista Consultor Jurídico, 14 de dezembro de 2008

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