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Justiça mal administrada

Estadão

Um levantamento sobre as condições de trabalho dos juízes de primeira instância, realizado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), mostra um retrato preocupante da infraestrutura do Poder Judiciário. Além da precariedade das instalações físicas da maioria das varas e cartórios, onde faltam até sanitários, o número de servidores técnicos, analistas judiciais e oficiais de Justiça não chega à metade do que seria necessário para atender à demanda dos tribunais, onde tramitam cerca de 68 milhões de processos.

Elaborado com base em entrevistas com 1.228 juízes de primeira instância em todo o País, o que equivale a 7,7% da magistratura brasileira, o estudo da AMB também detectou que 85% das varas da Justiça Federal estão sobrecarregadas, havendo em cada uma mais de mil processos em andamento. Só em 15% das varas tramitam até mil processos, número considerado aceitável pelos juízes. A situação mais grave é das Regiões Sul e Sudeste, onde 70% das varas federais têm, em média, mais de 2,5 mil ações em curso.

Nas Regiões Norte e Nordeste existem varas federais e estaduais com mais de 5 mil processos. E há casos de varas em que os juízes trabalham com mais de 10 mil ações, não têm apoio de pessoal especializado e ainda têm que fazer os despachos à mão. Em pelo menos um terço das varas não há nem mesmo as velhas máquinas datilográficas. Além disso, 40% dos magistrados nortistas e nordestinos consideram ruim ou péssima a qualificação de sua própria equipe. "Não prestamos um bom serviço à sociedade", reconhece o juiz Mozart Valadares Pires, presidente da AMB.

Na opinião dos magistrados entrevistados, o número médio de técnicos em cada unidade judicial deveria ser de 5,7 - ante os 3,3 existentes hoje. Eles também afirmam que o número de oficiais de Justiça deveria dobrar. Atualmente, há, em média, 2,3 oficiais por vara. Os juízes também se queixam do anacronismo da legislação, que exige um número excessivo de carimbos, da falta de equipamentos de informática para registro eletrônico de dados, da ausência de um sistema integrado de informações e de problemas de segurança, por falta de policiamento.

O levantamento da AMB revelou que 99% dos magistrados entrevistados confessaram não saber qual é o porcentual do orçamento do tribunal para sua unidade de trabalho. Eles reivindicaram uma distribuição mais racional dos recursos. Como os critérios são superados e a gestão orçamentária é pouco transparente, isso resulta em gastos equivocados e desnecessários, além de extravagâncias, como a aquisição de automóveis de luxo para desembargadores e ministros e a construção de suntuosas sedes para os tribunais de segunda e terceira instâncias. Segundo a AMB, a desorganização administrativa e a bagunça financeira no Poder Judiciário chegaram a tal ponto que, para o fórum da pequena comarca de Chaves, uma cidade com 17,3 mil habitantes do Estado do Pará, o Tribunal de Justiça encaminhou no ano passado mais móveis do que as instalações físicas das varas comportavam.

O levantamento da AMB mostra como a inépcia administrativa e a má gestão dos recursos financeiros do Poder Judiciário, conjugadas com o anacronismo dos Códigos de Processo Civil e Penal e com a falta de juízes e servidores técnicos em número suficiente, acabam provocando morosidade na tramitação dos processos e congestionando a primeira instância da instituição.

Como reconhece o presidente da AMB, os problemas de morosidade e congestionamento do Poder Judiciário não são só da insuficiência de verbas orçamentárias para ampliação do quadro de pessoal e informatização. Ele também decorre da má gestão dos recursos disponíveis, por parte da instituição. Os responsáveis pelo Orçamento na União e nos Estados há muito criticam a falta de prioridades e os gastos perdulários do dinheiro público na Justiça. Esta foi a primeira vez que uma entidade de juízes reconheceu, publicamente, essa situação. Além da necessária reforma dos códigos de processo, a Justiça precisa, para ser rápida e eficiente, passar por um choque de gestão.

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