Jornal Opção - Goiânia
Crise não abala os fundamentos do mais dinâmico sistema de produção articulado pelo homem e o governo deve resistir aos profetas do apocalipse Há ditadores que a história não perdoa, nem pode perdoar, sobretudo porque sanguinários. Na lista estão criminosos como Stálin (teria mandado matar 30 milhões de soviéticos — muitos morreram de fome), Hitler (autorizou a morte de cerca de 10 milhões de pessoas, entre judeus, comunistas, pessoas com necessidades especiais, ciganos), Mao Tsé-tung (ordenou o assassinato de 70 milhões de chineses) e Fidel Castro (os números não são precisos, mas calcula-se que enviou para o paredón de 15 a 25 mil cubanos, fora os 4 milhões que tiveram de sair para não serem encarcerados). Os quatro ditadores vermelhos (o fascismo de Hitler aproximava-se, de algum modo, da ortodoxia socialista) — faltou citar outros, como Pol Pot — serão eternamente lembrados como políticos cruéis e avessos à democracia. Entretanto, se há ditadores não perdoáveis, aos quais a história carimbou na testa o estigma de assassinos seriais, há ditadores, como Getúlio Vargas, que são tratados de forma quase benigna. Talvez os historiadores, mesmo o rigoroso Boris Fausto, de esquerda, sejam, no geral, condescendentes com Vargas. Mas podem ressaltar que, se houve tortura e mortes nos porões da ditadura de Vargas — a judia Olga Benario, mulher de Luiz Carlos Prestes, foi entregue aos nazistas —, o assassinato não se transformou numa espécie de sistema, como na União Soviética, na Alemanha, na China e em Cuba. Ressalve-se que historiadores seriíssimos, como Maria Luiza Tucci Carneiro, autora de “O Anti-Semitismo na Era Vargas”, registraram, com fartura documental, que o governo Vargas impediu a entrada de vários judeus no Brasil. Muitos deles morreram nos campos de concentração e extermínio de Hitler. No aspecto puramente da repressão política na Era Vargas, mesmo antes do Estado Novo (1937-1945), a história não está inteiramente contada. Entretanto, se sabemos que o governo Vargas não tratava os opositores com luvas de pelica, e sim com pau de arara e exílio, por que sua imagem ainda é extremamente positiva, mesmo na esquerda, inclusive o presidente Lula da Silva o cita com freqüência, nunca em termos depreciativos? Pode-se dizer que há vários motivos, mas não há espaço para discutir a maioria deles. Apontemos, pois, alguns. Ao contrário de Hitler, que também fortaleceu o Estado nacional, mas avaliou que precisava destruir os judeus, Vargas fortaleceu o Estado regulador — similar ao que estão cobrando para debelar a crise financeira internacional —, mas sem transformar em meta destruir povos (repita-se que suas prisões ficaram apinhadas de democratas e comunistas) e conquistar países. Planejou dotar o Brasil de um Estado forte com o objetivo de consolidar o desenvolvimento, a industrialização. Para tanto, Vargas jogou com os interesses norte-americanos, durante a Segunda Guerra Mundial, e fortaleceu o mercado interno e a indústria siderúrgica. O resultado final foi positivo? Desde que não se ignore um dos lados da questão, a extinção da democracia e a perseguição aos adversários, pode-se dizer, 54 anos depois da morte de Vargas, que o saldo de seu governo foi positivo, porque, mesmo em períodos de crise — o início de seu governo pegou o mundo em depressão, depois do crash de 1929 —, soube investir em setores estratégicos. Feito o registro histórico, de um governante que contribuiu para recuperar a economia brasileira às custas do investimento público, da mesma forma que fez Franklin D. Roosevelt nos Estados Unidos, discutamos os tempos atuais, os do presidente Lula da Silva. Num primeiro momento, sem experiência e açulado pela matilha hobbesiana de José Dirceu, Lula quase partiu para o confronto com os capitalistas brasileiros, avaliando que bastava o contato com os pobres. Um pouco antes da queda de Dirceu, mas sobretudo depois, Lula percebera que o capitalismo é um sistema muito mais complexo e moderno do que pensava. Por exemplo: não há incompatibilidade entre a economia de ponta, liderada por capitalistas que fariam sucesso em qualquer outro país, como Eike Batista, e um programa de matiz pré-capitalista, como o Bolsa Família. O capitalismo, se não incorporar formas não-capitalistas, não doa — empresta, com juros, porque isto faz girar o mercado de modo mais acelerado, criando conexões. O Bolsa Família é uma transferência de renda aos pobres a fundo perdido, o que o capitalismo, o mercado, não pode fazer. A recompensa é o incentivo aos filhos para que estudem e não sigam os passos dos pais. Trata-se de pensar na “libertação” futura, porque, no caso de muitos pobres, por se tratar de uma geração praticamente perdida, do ponto de vista da integração ao mercado, o governo terá de sustentá-los pelo resto de suas vidas. Se Lula da Silva entendeu o mecanismo de funcionamento do capitalismo, e combinando com o atendimento à premência da questão social, no início da atual crise financeira, o presidente avaliou, erradamente, que era apenas americana e, por isso, decidiu dizer que a economia brasileira estava blindada. Aos poucos, sobretudo por ser aconselhado por quem entende de mercado financeiro, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, Lula deixou de lado a tese de blindagem local. Meirelles mostrou-se sempre preocupado, mas sem alarmar o mercado. Sabe-se, no e fora do governo, que Meirelles é sinal de equilíbrio e, portanto, de que o governo não vai fazer nada errado. Mesmo ao cair na real, Lula adotou um discurso dúplice. Primeiro, apresentou-se otimista, sugerindo que o Brasil fez a lição de casa, e fez mesmo, mas para uma situação sem crise, ou de crise em menor escala. O presidente chegou a dizer que todos os prefeitos e governadores que procurassem o governo federal receberiam recursos. Segundo, adotou um comportamento pessimista e admitiu que vai fazer cortes no orçamento. Falou-se em cortes de 30 bilhões de reais, mas setores menos otimistas avaliam que os cortes poderão ser ainda maiores. Obras de infra-estrutura pesada, como portos e hidrelétricos, serão deixadas de lado. Porque não haverá dinheiro no mercado para bancá-las. Não será surpresa se, ao contingenciar recursos por conta de um possível agravamento da crise, o governo federal paralisar trechos da Ferrovia Norte-Sul. Porém, na crise, é hora de parar os investimentos? É óbvio que certos investimentos, os não-essenciais, podem ser cortados momentaneamente, mas investimentos que permitam o aceleramento dos empreendimentos capitalistas, e a atração de novos investidores, não deveriam ser paralisados. Lula tem a missão de ser criativo, e não desesperar, para evitar que o desenvolvimento do país, por falta de infra-estrutura, seja retardado por mais alguns anos. No campo estadual, o secretário do Planejamento, Oton Nascimento, também sugeriu que alguns cortes deverão ser feitos. O governo Alcides não teve tempo e recursos para fazer investimentos em infra-estrutura, e agora que começa a ter os recursos, por conta do aumento da arrecadação, da contenção do déficit mensal e do apoio do governo federal, não deve aderir ao pessimismo dominante. Nas crises, que em grego significa crescimento, os governantes e os empreendedores privados que arriscarem, claro que sem irresponsabilidade, podem sair-se melhor do que aqueles que se acomodarem ou tivesse receio de investir. Ao finalizar o Editorial, reservamos uma palavra de um dos mais importantes intelectuais franceses, Guy Sorman. Ele diz que a crise não atinge os fundamentos do capitalismo (a própria regulação por parte do Estado não é anti-capitalista, diria John Maynard Keynes). Trata-se muito mais de uma crise do mercado financeiro que atingiu o setor produtivo da economia. Mas o capitalismo, apesar dos arranhões, continua e, depois da crise, talvez mais sólido. Porque é maior do que o Império Romano e do que o Império Americano. Não chega a ser o fim da história, mas, como disse Winston Churchill a respeito da democracia, não se inventou nada melhor.
Crise não abala os fundamentos do mais dinâmico sistema de produção articulado pelo homem e o governo deve resistir aos profetas do apocalipse Há ditadores que a história não perdoa, nem pode perdoar, sobretudo porque sanguinários. Na lista estão criminosos como Stálin (teria mandado matar 30 milhões de soviéticos — muitos morreram de fome), Hitler (autorizou a morte de cerca de 10 milhões de pessoas, entre judeus, comunistas, pessoas com necessidades especiais, ciganos), Mao Tsé-tung (ordenou o assassinato de 70 milhões de chineses) e Fidel Castro (os números não são precisos, mas calcula-se que enviou para o paredón de 15 a 25 mil cubanos, fora os 4 milhões que tiveram de sair para não serem encarcerados). Os quatro ditadores vermelhos (o fascismo de Hitler aproximava-se, de algum modo, da ortodoxia socialista) — faltou citar outros, como Pol Pot — serão eternamente lembrados como políticos cruéis e avessos à democracia. Entretanto, se há ditadores não perdoáveis, aos quais a história carimbou na testa o estigma de assassinos seriais, há ditadores, como Getúlio Vargas, que são tratados de forma quase benigna. Talvez os historiadores, mesmo o rigoroso Boris Fausto, de esquerda, sejam, no geral, condescendentes com Vargas. Mas podem ressaltar que, se houve tortura e mortes nos porões da ditadura de Vargas — a judia Olga Benario, mulher de Luiz Carlos Prestes, foi entregue aos nazistas —, o assassinato não se transformou numa espécie de sistema, como na União Soviética, na Alemanha, na China e em Cuba. Ressalve-se que historiadores seriíssimos, como Maria Luiza Tucci Carneiro, autora de “O Anti-Semitismo na Era Vargas”, registraram, com fartura documental, que o governo Vargas impediu a entrada de vários judeus no Brasil. Muitos deles morreram nos campos de concentração e extermínio de Hitler. No aspecto puramente da repressão política na Era Vargas, mesmo antes do Estado Novo (1937-1945), a história não está inteiramente contada. Entretanto, se sabemos que o governo Vargas não tratava os opositores com luvas de pelica, e sim com pau de arara e exílio, por que sua imagem ainda é extremamente positiva, mesmo na esquerda, inclusive o presidente Lula da Silva o cita com freqüência, nunca em termos depreciativos? Pode-se dizer que há vários motivos, mas não há espaço para discutir a maioria deles. Apontemos, pois, alguns. Ao contrário de Hitler, que também fortaleceu o Estado nacional, mas avaliou que precisava destruir os judeus, Vargas fortaleceu o Estado regulador — similar ao que estão cobrando para debelar a crise financeira internacional —, mas sem transformar em meta destruir povos (repita-se que suas prisões ficaram apinhadas de democratas e comunistas) e conquistar países. Planejou dotar o Brasil de um Estado forte com o objetivo de consolidar o desenvolvimento, a industrialização. Para tanto, Vargas jogou com os interesses norte-americanos, durante a Segunda Guerra Mundial, e fortaleceu o mercado interno e a indústria siderúrgica. O resultado final foi positivo? Desde que não se ignore um dos lados da questão, a extinção da democracia e a perseguição aos adversários, pode-se dizer, 54 anos depois da morte de Vargas, que o saldo de seu governo foi positivo, porque, mesmo em períodos de crise — o início de seu governo pegou o mundo em depressão, depois do crash de 1929 —, soube investir em setores estratégicos. Feito o registro histórico, de um governante que contribuiu para recuperar a economia brasileira às custas do investimento público, da mesma forma que fez Franklin D. Roosevelt nos Estados Unidos, discutamos os tempos atuais, os do presidente Lula da Silva. Num primeiro momento, sem experiência e açulado pela matilha hobbesiana de José Dirceu, Lula quase partiu para o confronto com os capitalistas brasileiros, avaliando que bastava o contato com os pobres. Um pouco antes da queda de Dirceu, mas sobretudo depois, Lula percebera que o capitalismo é um sistema muito mais complexo e moderno do que pensava. Por exemplo: não há incompatibilidade entre a economia de ponta, liderada por capitalistas que fariam sucesso em qualquer outro país, como Eike Batista, e um programa de matiz pré-capitalista, como o Bolsa Família. O capitalismo, se não incorporar formas não-capitalistas, não doa — empresta, com juros, porque isto faz girar o mercado de modo mais acelerado, criando conexões. O Bolsa Família é uma transferência de renda aos pobres a fundo perdido, o que o capitalismo, o mercado, não pode fazer. A recompensa é o incentivo aos filhos para que estudem e não sigam os passos dos pais. Trata-se de pensar na “libertação” futura, porque, no caso de muitos pobres, por se tratar de uma geração praticamente perdida, do ponto de vista da integração ao mercado, o governo terá de sustentá-los pelo resto de suas vidas. Se Lula da Silva entendeu o mecanismo de funcionamento do capitalismo, e combinando com o atendimento à premência da questão social, no início da atual crise financeira, o presidente avaliou, erradamente, que era apenas americana e, por isso, decidiu dizer que a economia brasileira estava blindada. Aos poucos, sobretudo por ser aconselhado por quem entende de mercado financeiro, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, Lula deixou de lado a tese de blindagem local. Meirelles mostrou-se sempre preocupado, mas sem alarmar o mercado. Sabe-se, no e fora do governo, que Meirelles é sinal de equilíbrio e, portanto, de que o governo não vai fazer nada errado. Mesmo ao cair na real, Lula adotou um discurso dúplice. Primeiro, apresentou-se otimista, sugerindo que o Brasil fez a lição de casa, e fez mesmo, mas para uma situação sem crise, ou de crise em menor escala. O presidente chegou a dizer que todos os prefeitos e governadores que procurassem o governo federal receberiam recursos. Segundo, adotou um comportamento pessimista e admitiu que vai fazer cortes no orçamento. Falou-se em cortes de 30 bilhões de reais, mas setores menos otimistas avaliam que os cortes poderão ser ainda maiores. Obras de infra-estrutura pesada, como portos e hidrelétricos, serão deixadas de lado. Porque não haverá dinheiro no mercado para bancá-las. Não será surpresa se, ao contingenciar recursos por conta de um possível agravamento da crise, o governo federal paralisar trechos da Ferrovia Norte-Sul. Porém, na crise, é hora de parar os investimentos? É óbvio que certos investimentos, os não-essenciais, podem ser cortados momentaneamente, mas investimentos que permitam o aceleramento dos empreendimentos capitalistas, e a atração de novos investidores, não deveriam ser paralisados. Lula tem a missão de ser criativo, e não desesperar, para evitar que o desenvolvimento do país, por falta de infra-estrutura, seja retardado por mais alguns anos. No campo estadual, o secretário do Planejamento, Oton Nascimento, também sugeriu que alguns cortes deverão ser feitos. O governo Alcides não teve tempo e recursos para fazer investimentos em infra-estrutura, e agora que começa a ter os recursos, por conta do aumento da arrecadação, da contenção do déficit mensal e do apoio do governo federal, não deve aderir ao pessimismo dominante. Nas crises, que em grego significa crescimento, os governantes e os empreendedores privados que arriscarem, claro que sem irresponsabilidade, podem sair-se melhor do que aqueles que se acomodarem ou tivesse receio de investir. Ao finalizar o Editorial, reservamos uma palavra de um dos mais importantes intelectuais franceses, Guy Sorman. Ele diz que a crise não atinge os fundamentos do capitalismo (a própria regulação por parte do Estado não é anti-capitalista, diria John Maynard Keynes). Trata-se muito mais de uma crise do mercado financeiro que atingiu o setor produtivo da economia. Mas o capitalismo, apesar dos arranhões, continua e, depois da crise, talvez mais sólido. Porque é maior do que o Império Romano e do que o Império Americano. Não chega a ser o fim da história, mas, como disse Winston Churchill a respeito da democracia, não se inventou nada melhor.
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