Por Vladimir Passos de Freitas
O centenário jornal paraense O Liberal, de 23 de janeiro passado, noticiou, na p. 4, que o juiz da 3ª Vara Cível de Porto Alegre determinou a um advogado que reduzisse a petição inicial de 130 folhas que lhe fora apresentada. A inusitada decisão judicial teve grande repercussão. Proferida no extremo sul do país, foi divulgada até na região norte. Reproduzo a primeira parte da decisão do magistrado gaúcho Mauro Caum Gonçalves:
“Recebo, por dia, cerca de 15 novas petições iniciais, a maioria com pedido de antecipação de tutela. Some-se a isso que tramita, em toda a Vara, algo em torno de 13 mil processos, o que faz com que me venham a despacho, por dia, algo na média de 350 processos. Essas são razões sobejas que me impedem de ficar lendo uma inicial, como a ora apresentada pela parte autora, de 130 folhas (maior do que muito livro ou monografia de mestrado, que andam por aí), com 17 pedidos de antecipação de tutela.”
A leitura da notícia leva a um primeiro pensamento: o juiz agiu corretamente, não é possível uma inicial ter 130 folhas. E o segundo pensamento será: mas pode o magistrado delimitar o tamanho da peça?
O problema é recente. No passado, a simplicidade era a regra. Lembro-me da lição de meu tio J.J. Alvim Passos, grande advogado criminalista: “As alegações finais não devem ultrapassar 3 folhas e um HC não deve ter mais do que 5”. Ele, com cerca de 50 anos de vida forense, sabia do que estava falando. Uma peça enxuta, clara e bem fundamentada é lida e tem chance de ser acatada. Já outra, com 50, 100 ou 150 folhas, provavelmente não.
Mas afinal, há necessidade de petições terem dezenas de folhas? Excluída a hipótese de uma ação de grande complexidade, é preciso escrever tanto para expor os fatos? Em verdade, petições e arrazoados começaram a se complicar com a introdução da informática no mundo forense. O copia e cola estimulou longas manifestações. Além disto, as discussões abstratas dos cursos de mestrado trouxeram aos Tribunais o hábito de alongar-se nas considerações. E há, ainda, referências totalmente inúteis. Por exemplo, justificar a competência da Justiça Federal em ação proposta contra a União, quando ninguém cogita do contrário.
Abstraído o aspecto lógico, vejamos a legalidade (ou não) da delimitação do tamanho. Evidentemente, não há artigo explícito no CPC sobre o assunto. Então, na ausência de norma, o juiz está obrigado a receber uma inicial com o tamanho de um livro?
Em minha opinião, não. Vejamos. O juiz tem o dever de velar pela rápida solução do litígio (CPC, arigo. 125, II). Assim, “deve o juiz, no exercício do poder de direção e para conferir efetividade à tutela jurisdicional, evitar que a demora do processo seja superior ao que se entende por razoável (Cód. de Proc. Civil Interpretado, A.C. Marcato, Atlas, p. 369). Pois bem, zelar pelo andamento célere não significa, apenas, cumprir o que determina a lei processual (p. ex., a reunião de processos para julgamento, artigo 105 do CPC). Significa, também, praticar todos os atos que, sem prejuízo ao exercício da ampla defesa, colaborem para o rápido desfecho da ação.
Outrossim, o controle de adequação da petição encontra amparo no princípio da razoabilidade. Ensina Luis Roberto Barroso que “é razoável o que seja conforme a razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar.” (Interpretação e aplicação da Constituição, Saraiva, p. 205-5).
O jovem professor Rômulo Sampaio, em artigo denominado “Breve Panorama do Ensino e Sistema Jurídico Norte-Americano”, observa que no curso de Direito nos EUA “os alunos são orientados a evitarem palavras e construções gramaticais muito sofisticadas. É limitado o número de palavras e consequentemente de páginas.” (www.ibrajus.org.br, Revista Online, 21.5.07). Por outro lado, os Tribunais norte-americanos tem o poder de fixar limites de folhas para as petições apresentadas. As duas coisas conjugadas (ensino e prática judiciária) preparam o profissional para ser claro e objetivo na sua fundamentação.
No Brasil, a ministra Ellen Gracie, então presidente do STF, em 9.10.06, ao visitar o presidente da OAB, sugeriu que se fizesse a regulamentação da forma das petições (www.conjur.com.br, 9.10.06). Ainda que não houvesse referência ao tamanho das peças, foi uma tentativa de aprimoramento.
No entanto, há que se temer o excesso do outro lado. Imagine-se que um magistrado, arbitrariamente, fixe duas folhas como o máximo para alegações finais em um intrincado crime contra a ordem econômica. Óbvio, aí, o cerceamento da defesa.
De todo o afirmado, conclui-se que a dificuldade está em saber qual o limite, o que é razoável. Mas isto só se definirá a partir de decisões de primeira instância e recursos aos Tribunais. A partir daí os parâmetros poderão ser construídos. Afinal, a solução interessa a todos. Que tal lembrar uma antiga expressão, hoje fora de moda: “Direito é bom senso.” Há bom senso em peças gigantescas, em um momento em que o Judiciário está assoberbado de processos e que tanto se reclama da demora nos julgamentos? Não, evidentemente.
Vladimir Passos de Freitas é desembargador aposentado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e professor de Direito Ambiental da PUC/PR.Revista Consultor Jurídico, 1º de fevereiro de 2009
“Recebo, por dia, cerca de 15 novas petições iniciais, a maioria com pedido de antecipação de tutela. Some-se a isso que tramita, em toda a Vara, algo em torno de 13 mil processos, o que faz com que me venham a despacho, por dia, algo na média de 350 processos. Essas são razões sobejas que me impedem de ficar lendo uma inicial, como a ora apresentada pela parte autora, de 130 folhas (maior do que muito livro ou monografia de mestrado, que andam por aí), com 17 pedidos de antecipação de tutela.”
A leitura da notícia leva a um primeiro pensamento: o juiz agiu corretamente, não é possível uma inicial ter 130 folhas. E o segundo pensamento será: mas pode o magistrado delimitar o tamanho da peça?
O problema é recente. No passado, a simplicidade era a regra. Lembro-me da lição de meu tio J.J. Alvim Passos, grande advogado criminalista: “As alegações finais não devem ultrapassar 3 folhas e um HC não deve ter mais do que 5”. Ele, com cerca de 50 anos de vida forense, sabia do que estava falando. Uma peça enxuta, clara e bem fundamentada é lida e tem chance de ser acatada. Já outra, com 50, 100 ou 150 folhas, provavelmente não.
Mas afinal, há necessidade de petições terem dezenas de folhas? Excluída a hipótese de uma ação de grande complexidade, é preciso escrever tanto para expor os fatos? Em verdade, petições e arrazoados começaram a se complicar com a introdução da informática no mundo forense. O copia e cola estimulou longas manifestações. Além disto, as discussões abstratas dos cursos de mestrado trouxeram aos Tribunais o hábito de alongar-se nas considerações. E há, ainda, referências totalmente inúteis. Por exemplo, justificar a competência da Justiça Federal em ação proposta contra a União, quando ninguém cogita do contrário.
Abstraído o aspecto lógico, vejamos a legalidade (ou não) da delimitação do tamanho. Evidentemente, não há artigo explícito no CPC sobre o assunto. Então, na ausência de norma, o juiz está obrigado a receber uma inicial com o tamanho de um livro?
Em minha opinião, não. Vejamos. O juiz tem o dever de velar pela rápida solução do litígio (CPC, arigo. 125, II). Assim, “deve o juiz, no exercício do poder de direção e para conferir efetividade à tutela jurisdicional, evitar que a demora do processo seja superior ao que se entende por razoável (Cód. de Proc. Civil Interpretado, A.C. Marcato, Atlas, p. 369). Pois bem, zelar pelo andamento célere não significa, apenas, cumprir o que determina a lei processual (p. ex., a reunião de processos para julgamento, artigo 105 do CPC). Significa, também, praticar todos os atos que, sem prejuízo ao exercício da ampla defesa, colaborem para o rápido desfecho da ação.
Outrossim, o controle de adequação da petição encontra amparo no princípio da razoabilidade. Ensina Luis Roberto Barroso que “é razoável o que seja conforme a razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar.” (Interpretação e aplicação da Constituição, Saraiva, p. 205-5).
O jovem professor Rômulo Sampaio, em artigo denominado “Breve Panorama do Ensino e Sistema Jurídico Norte-Americano”, observa que no curso de Direito nos EUA “os alunos são orientados a evitarem palavras e construções gramaticais muito sofisticadas. É limitado o número de palavras e consequentemente de páginas.” (www.ibrajus.org.br, Revista Online, 21.5.07). Por outro lado, os Tribunais norte-americanos tem o poder de fixar limites de folhas para as petições apresentadas. As duas coisas conjugadas (ensino e prática judiciária) preparam o profissional para ser claro e objetivo na sua fundamentação.
No Brasil, a ministra Ellen Gracie, então presidente do STF, em 9.10.06, ao visitar o presidente da OAB, sugeriu que se fizesse a regulamentação da forma das petições (www.conjur.com.br, 9.10.06). Ainda que não houvesse referência ao tamanho das peças, foi uma tentativa de aprimoramento.
No entanto, há que se temer o excesso do outro lado. Imagine-se que um magistrado, arbitrariamente, fixe duas folhas como o máximo para alegações finais em um intrincado crime contra a ordem econômica. Óbvio, aí, o cerceamento da defesa.
De todo o afirmado, conclui-se que a dificuldade está em saber qual o limite, o que é razoável. Mas isto só se definirá a partir de decisões de primeira instância e recursos aos Tribunais. A partir daí os parâmetros poderão ser construídos. Afinal, a solução interessa a todos. Que tal lembrar uma antiga expressão, hoje fora de moda: “Direito é bom senso.” Há bom senso em peças gigantescas, em um momento em que o Judiciário está assoberbado de processos e que tanto se reclama da demora nos julgamentos? Não, evidentemente.
Vladimir Passos de Freitas é desembargador aposentado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e professor de Direito Ambiental da PUC/PR.Revista Consultor Jurídico, 1º de fevereiro de 2009
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