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Sucessão no Congresso - De gato a punhais

Noblat

Entre Belém e Brasília, à bordo do avião presidencial na tarde da última sexta-feira, Lula foi provocado por um amigo a dizer o que pensava sobre a adesão do PSDB à Tião Viana (AC), candidato do PT a presidente do Senado.

Depois de cofiar a barba em silêncio durante alguns segundos, o nosso Norberto Bobbio filosofou: “Tem gato na tuba”.

Fez sucesso no carnaval de 1948 a marchinha “Tem gato na tuba” de autoria da dupla João de Barro e Alberto Ribeiro. Ela fala do gato que entrou na tuba de Serafim, músico de uma banda de coreto. Desde então a tuba passou a soar assim: “Pum, pum, pum – miau”.

Estranho, pois. À primeira vista, tão estranho quanto o PSDB se juntar a Tião. O natural seria que apoiasse José Sarney (AP), candidato do PMDB. Tudo contra o PT!

Na tarde do sábado, Lula atendeu a uma ligação de Sarney. Ouviu queixas contra seus auxiliares empenhados em cabalar votos para Tião – entre eles, Gilberto Carvalho, chefe de gabinete da presidência da República.

Lula respondeu que se mantém distante da eleição do Senado. E que assim como ministros do PMDB trabalham por Sarney, nada mais natural que os do PT trabalhem por Tião.

Lula jamais engoliu a candidatura de Sarney ao Senado. Por três vezes Sarney lhe disse que não seria candidato. Alegou cansaço e a idade avançada - 78 anos.

Por cinco vezes Sarney procurou Tião e lhe garantiu seu voto. Finalmente, quando Sarney foi a Lula e contou que cedera à pressão do PMDB para concorrer, o diálogo entre os dois azedou. Sarney imaginou que Lula forçaria Tião a desistir. Lula recusou-se a fazê-lo.

- Mas o Tião não se viabilizou como candidato – argumentou Sarney. Ao que Lula retrucou:

- Como ele poderia ter se viabilizado se você negava que seria candidato, prometia votar nele, mas se articulava para ser?

Sarney foi embora do Palácio do Planalto emburrado. Lula ficou emburrado. Tião continuou atrás de voto com a esperança de pelo menos se livrar de uma surra humilhante. Até que de repente o PSDB se enfiou na tuba de Tião.

O que moveu o PSDB a dar meia volta não foi apenas o desejo de disseminar a cizânia entre os partidos aliados do governo.

O PSDB fez doce antes de procurar Sarney para lhe entregar seus 13 votos. E quando o procurou foi esnobado pelo senador Renan Calheiros (PMDB-AL), corpo e alma da candidatura de Sarney.

Arthur Virgílio (AM), líder do PSDB, listou os cargos de direção do Senado ambicionados por seu partido.

- Tenho de consultar antes o Gim e o Collor para saber se podemos ceder-lhes esses cargos – esquivou-se Renan.

Enrolado com processos na Justiça, Gim Argello é senador pelo PTB do Distrito Federal. Entrou na vaga de Joaquim Roriz, que renunciou ao mandato para escapar de ser cassado depois de embolsar R$ 2,5 milhões de Nenê Constantino, dono da GOL e acusado da morte de um líder comunitário em Brasília.

Consultados os governadores José Serra e Aécio Neves, o PSDB saltou para o colo de Tião interessado também em fortalecer a candidatura do deputado Michel Temer (PMDB-SP) à presidência da Câmara.

Sarney está com Dilma para suceder Lula e não abre. Temer está com Serra, embora possa abrir. Ele enfrenta a insatisfação dos seus pares contrários à entrega simultânea ao PMDB dos comandos da Câmara e do Senado.

Ficou conhecido como a "Noite dos Longos Punhais" o expurgo promovido por Hitler no partido nazista entre a noite de 30 de junho de 1934 e a madrugada seguinte.

O episódio foi relembrado por deputados atentos à História em fevereiro de 2005 quando Severino Cavalcanti (PP-PE) se elegeu presidente da Câmara vencendo Luiz Eduardo Greeenhalg, candidato do PT. A traição comeu solta naquela noite.

Há punhais afiados em todos os partidos para a eleição, hoje, dos novos presidentes da Câmara e do Senado. Temer deve ganhar. Minguou o favoritismo de Sarney.

A partir de amanhã o governo se ocupará em lamber as feridas de quem perdeu.

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